O Corvo e a Lua

O corvo e a coruja estavam lá, próximos, empoleirados em uma árvore, mas não havia lua.

- Eu gosto muito desse clima, corvo. O vento batendo em nossas penas. Poderia passar o dia inteiro aqui com você.

- Concordo contigo, coruja, e estar contigo aqui, só torna tudo mais especial.

- Só uma coisa me entristece.

- E o que seria? Pergunta o asas-negras.

- A lua. Ela não está aqui... Logo ela, que faria esse momento especial ainda mais bonito...

O corvo ri. A coruja protesta:

- Por que está rindo? Não entendo.

- É que é muito engraçado ver você falando isso.

A asas-brancas fica confusa:

- Mas por quê?

- Acontece que o momento não poderia ser mais lindo. Olhe bem para si... Essas penas brancas, as garras prateadas, os olhos negros como essa própria noite. Você não nota como ilumina o mundo? Observe seu próprio brilho.

- ...

- Você é a lua, meu amor. Se não está no céu, é por que está aqui do meu lado. Suas mãos enroscadas às minhas. Seu belo rosto, fazendo jus à toda a magia que a noite salpica na terra. Aqui comigo, vejo que brilha como nunca brilhou no céu... é tão lindo que não consigo tirar meus olhos de você.

- Isso foi... Muito obrigado, corvo...

- Mas... - O corvo interrompe e toma a fala. - Eu não posso te deixar na ilusão de que sou perfeito, minha amada. O que sinto por você é muito forte e percebo que também sente o mesmo. Antes que se machuque, devo lhe mostrar que não sou como aparento. Dessa forma, você ainda pode desistir, antes que seu coração já tenha se entregado de uma vez.

O corvo abre as asas.

- Observe, isso também sou eu.

As asas abertas eram mais negras que a própria noite, formando um arco de trevas em frente à coruja. Agora abertas, detalhes se mostravam. Muitas das penas da ave preta estavam desgastadas e feridas. Penas cortadas, rasgadas, mordidas e podres.

- Não sou perfeito como você imagina... Essas são minhas mágoas, meus medos, minhas loucuras... Isso também é parte de mim... Você não merece ter de encarar essas coisas.

A coruja ri.

O corvo, confuso pergunta:

- Por que ri? Minha situação é assim tão ridícula?

- Longe disso, corvinho... é que é muito engraçado ver logo você falando isso. Você observa tão bem, mas não notou?

- ...

- Eu não quero uma ave perfeita. Você tem suas cicatrizes, mas elas formaram quem você agora. E agora você me faz tão bem... Estou aqui parar te ajudar a lidar com suas dores, não para lhe abandonar logo agora que é tão difícil voar. Eu prometi que cuidaria sempre de você, pretendo cumprir.

- Mas tu é tão maravilhosa... tão pura e reluzente... por que não ir atrás de alguém como você?

- É que o mais importante você ainda não notou. Olhe bem para minhas penas.

Disse a coruja abrindo suas asas. As penas reluziam. O arco prateado iluminava tudo ao seu redor. Sem dúvida era o próprio astro em terra. E continuou:

- Ninguém é perfeito. Até a lua tem suas manchas. No céu, ou aqui, elas são características, não defeitos. Eu vou amar todas suas manchas, querido. Eu vou amar você por completo. Mas você precisa entender que eu também não sou perfeita.

Os olhos do corvo se encheram de lágrimas.

Ele se jogava nos braços de sua amada e a olhava nos olhos.

- Corujinha...

Seus rostos colados, e suas respirações alternadas.

Dois seres imperfeitos se amavam.

E foi assim que o corvo beijou a própria lua.