O FEITOR

O os raios do sol começavam encher o dia, e Deodato já estava ali, impávido com sua espingarda pendurada no ombro, a bandola parecia querer cotar-lhe ao meio grudada em seu corpo, não menos ameaça dor que sua cara de poucos amigos, sorriso faltava no rosto, os olhos sombrios faziam a quem quer que fosse desistir de intentar-lhe algum mal, debaixo do velho jacarandá, imenso como seu corpanzil, via nascer o dia e os escravos começarem a lida.

Omolu traz morte como traz dia, diziam os negros no caminho dos cafezais ao verem Deodato embaixo do Jacarandá, com os raios do sol ainda surgindo por trás de suas costas.

Assassino impiedoso, sorri somente quando vê a morte tomando o corpo de suas vitimas diziam, havia matado dez homens sozinho de uma vez só numa emboscada comentavam, e o feitor ali, cuidando das os terras do Barão, garantindo que nenhum escravo fugisse, ou tentasse algo contra o patrão.

Dia após dia, não se sabe como, ou se fosse lenda, mas Deodato surgia com o dia, mesmo lugar, mesma imagem os. - Omulu briga com a noite para nascer o dia, contavam em sua crença. A noite ferida mortalmente fugia para refugiar-se, curar as feridas, e depois voltar para mais um entrevero de vida ou morte com o feitor pelo domínio do tempo, para que para sempre se fizesse noite, e jamais nascesse o dia.

Cabra destemido, jamais lhe ouvia a voz, trazia agarrado pelas mãozorras, qualquer negro que escapulia matador de cabra valente, castigador de cabra covarde, admirador de homem corajoso.

Os cabras, colegas de vigília o temiam, cuidavam que ninguém o desapontasse, alguns suspeitavam das histórias que lhe contavam a respeito mas nenhum pagaria para ver ser verdade fosse.

Brigara mais uma vez com a noite, e mais uma vez o negrume saíra derrotado, os raios do sol enchiam o dia, e a vida seguia para o futuro, futuro que Deodato com sua coragem e valentia, não conseguiria controlar, um acontecimento porém, mudaria completamente sua vida.

Fazia seu trabalho, entregava sua lida, não era homem de faltar com a palavra, nem se metia em assuntos alheios, isso é o que lhe mantinha vivo e senhor de sua razão.

Adelaide, negra formosa, gozava ainda de seus treze anos, quando foi levada a casa grande pelo Barão para ajudar a sinhá nos afazeres da casa, moça bonita, cobiçada pelos escravos da senzala, caíra nas graças do senhor .

Iam-se semanas desde sua entrada na casa-grande, quando a sinhá a expulsara para a senzala, risadas entre os jagunços, silencio entre os escravos, Deodato impávido debaixo de seu Jacarandá, testemunha de suas batalhas travadas com a noite, cuidava para que não fugissem os negros nem caísse em desgraça seu patrão. - Nada tem de r comigo, essa pendenga nem é minha. Pensava consigo.

Adelaide mudara desde que fora servir na casa grande, seus seios agora fartos, ventre chegando a boca, não se orgulhava do estado que se encontrava, a sinhá morria de ódio, em sua prole, jamais conseguira dar um filho homem ao marido, temia a possibilidade de vir o filho varão do ventre de uma negra escrava, as negras eram excelentes parideiras, fabricas de bebes varões.

Maldizia a sorte e a negra pelos cantos da enorme casa, o Barão recusava-se a admitir seus crimes, seus pecados, não queria nem imaginar um filho seu pardo, ainda mais cria de uma de suas escravas; Reuniu a jagunçada em volta do tronco, mandou buscar a negra Adelaide, prendeu-a no tronco no centro do pátio, em frente a casa-grande, erguido para dar exemplo, açoite educava os negros, dizia. Satisfaria a mulher e tiraria seu filho à base de chicotada.

Adelaide bucho cheio afastando-a do enorme mastro, esticada braços para cima, mal respirava com a cria apertando-a toda por dentro, o Barão chamou Deodato, espectador de todo furdunço, chamou-o para desgraçada tarefa. Quem melhor que o matador da noite para realizar tamanha barbárie?

- Agora essa peleja é minha. Sussurrou o feitor.

Desceu da colina calmamente, atravessou um campo, olhar fixo em Adelaide, cruzou o pátio em frente a casa-grande, seus olhos tornaram-se ainda mais sombrios, ergueu a mão direita e com ela agarrou o Barão pelo pescoço, com a outra mão desatou Adelaide do tronco, prendeu o senhor de escravos, rasgou-lhe a camisa nas costas e aplicou-lhe cinquenta chibatadas.

A jagunçada tremia em seu intimo, suas carnes refletiam seus tremores, não criam nos que os olhos viam, nenhum deles se atreveu a intervir em tamanho desatino.

Alguns escravos chegaram perto de Deodato, arrastaram-no pelo braço os jagunços ainda atônitos não deram conta quando o feitor e a bela Adelaide sumiam mato adentro.

Os raios do sol preenchiam o dia, e a noite vagava sobre a imensidão da planície, vagarosa, preguiçosa, parecia sentir saudades das pendengas com o feitor traz a morte como traz o dia, Omulu como diziam os negros, jazia em seu ninho cada raiar do dia, agora sem as feridas propagadas pelos negros na lida na lavoura de café.- Não demora nem tem mais dia, diziam amedrontados os escravos. - Omulu espanta desgraça sobre nos, assim como trás a morte e o dia.

Os dias não eram os mesmos, agora o Jacarandá erguia-se sozinho, perdera aquele ar sombrio, deixava cair à noite e raiar o dia sem licença, o Barão furioso com o açoite que levara, guardava um ódio mortal pelo antes querido agregado, temido feitor de escravo, promovido a espantalho, afastava propensos ataques àquelas terras fosse qual fosse o intuito, roubar café ou tomar escravos.

Certo dia bandoleiros vindos de outra cercania apeou na fazenda trazendo noticias do antigo empregado, disseram tê-lo visto em companhia de bela negra, um menino ainda de colo. Bem recompensados foram pelo Barão, informando-o da localização do famigerado bandido, além do vale, perto do monte onde corre o rio, uns dois ou três dias de viajem, numa choupana e um pequeno pedaço de chão, vivem a negra fujona e seu lacaio.

Por tantos nomes fora chamado, durante sua carreira servil, mas com respeito e temor, agora não passava de um reles lacaio.

Surpresa sim teve Deodato, arriado perto do rio, lavando o rosto depois do sono em paz com a noite, parece que enfim haviam se reencontrado, ouviu uma saraivada de balas passando por sobre a cabeça, zunindo em seus ouvidos, de um salto pulou para trás, agora no lugar da espingarda, empunhava um parabelo, atirava com perfeição, a cada clique no gatilho, um jagunço tombava de seu cavalo, enfim acabou-se sua munição, o feitor então empunhou seu facão afiado, quanto mais avançava em direção ao séquito de jagunços, alucinados pelo perigo de enfrentar Omulu, e desejosos de matá-lo, Deodato era cada vez mais alvejado, ainda conseguiu alcançar o Barão, passando-lhe o facão na barriga e abrindo-o até a garganta.

No fim da batalha travada, mais feroz de que as com a noite, na peleja pelo dia, contabilizaram vinte jagunços mortos, e o corpo de Deodato crivado de bala, Adelaide jaz debruçada no fogão a lenha, segura no bule de café, preparando o desjejum do salvador.

Na fazenda, frente à casa grande, o Barão observa seu varão correndo pelas estradas, pele dourada cabelo avermelhado, ao lado descansa sinhá Gertrudes, causadora e vitima de tamanha desgraça, não teve o prazer de ver Adelaide morta com sua cria, sepultada fora antes que o barão partisse para a jornada, assassinada por quem jamais tivera coragem de executar suas maldades, mas detinha o poder de ordená-las, Adelaide caíra na graça do senhor do cafezal, e com seu salvador fugira e morrera.

O Barão conserva a marca do seu orgulho, seu preconceito, dizem que depois de anos a ferida ainda purga, facão amaldiçoado tivera Omulu.

Errantes trazidos para aquelas bandas após a libertação dos escravos para o cultivo do cafezal ouvem dos guias alugados, que aquelas paragens agora sombrias, testemunharam a morte de Deodato dos cristãos e Omulu dos escravos, trazia a morte como o dia, matador de cabras valentes, castigador de cabras covardes, admirador de homens corajosos.