FESTA DE SÃO JOÃO
Quando as bandeirinhas coloridas são tiradas da caixa e colocadas novamente para decorar a festa de São João da pequena e pacata cidade do interior, uma das bandeirinhas vermelhas, a Encarnada, desperta, e seus olhos vão logo se enchendo de alegria, afinal, um ano havia passado, e lá estava ela novamente, para uma nova comemoração.
Encarnada amava São João mais do que tudo. E desde de que tinha sido criada, aquela já era o seu terceiro arraiá.
As bandeirinhas foram colocadas bem no meio do salão de dança, que ficava a céu aberto, e bem no centro de tudo. Uma imagem privilegiada, de lá, dava para Encarnada acompanhar todos os movimentos da festança.
Ao reencontrar o velho balão que cobre as luzes de iluminação, ela lembra dele da última festa, e vai logo falando:
-E aí amigo balão, nos reencontramos de novo. Parece que vai ser mais uma festa de arromba, não é mesmo?
Sebastião, o balão colorido, ainda abrindo os olhos, despertando aos poucos, dá um olhar de relance para a vermelhinha, e diz:
-É! - Sem muita empolgação. E fecha os olhos novamente.
Mas, a bandeirinha empolgada, retruca:
-Anime-se meu amigo!!! Hoje à noite vai ter muita dança, comida e gente bonita. Ouvi até falar que vai ter aquele leilão, igual ao do ano passado, mas com coisas bem melhores. - E ela arregalava os olhos para poder enxergar em todas as direções. A bandeirinha era curiosa e alegre, e não se continha de tanta alegria e satisfação. E gritou, dando um baita susto no balão:
– Anda Sebastião, vamos nos divertir!!
Ele arregalou os olhos e a olhou, e falou sem muita graça:
– Encarnada, não vamos nos divertir. São as pessoas que vão. Nós vamos só ficar aqui a noite, por três noites inteiras, debaixo de sol, chuva, vento e luar, olhando eles, paradinhos aqui, só balançando mesmo com o vento. - Sebastião era antipático, seco e não gostava muito de conversa. Sem falar, que achava tudo aquilo muito barulhento, cheio de gente e agitado. Ele curtia mesmo era uma paz, ficar na caixa.
Encarnada, não ligava para as palavras de desânimo do amigo. E ficava lá só na gritaria:
– Olha Sebastião, o palco vai ser amarelo esse ano! E olha a cerca que estão colocando, linda demais, cheia de flores coloridas!! E veja!!! Ali atrás já estão montando as barracas de comida!! Legal demais, não acha? - Ela era só sorrisos.
Sebastião mexia com os olhos, achando tudo muita bobagem. E dizendo:
– Para com isso Encarnada! Você não vai participar de nada! Que bobageira!! … Me deixa quieto! Quero descansar enquanto essa bagunça não começa.
Os olhos da bandeirinha faiscavam de felicidades!!
Á noite logo chegou, e o lugar estava todo iluminado e muito colorido!! O céu azul-escuro, estava coberto de estrelas, que deixavam tudo mais maravilhoso ainda.
Homens, mulheres e crianças de todas as idades chegavam para a festança vestidos a caráter, com as suas roupas de xadrez ou floridas, sempre em cores bem vivas, seus chapéus de palha decorados e maquiados de forma a lembrar o caboclo do sertão.
Encarnada logo começou a falar de novo, sempre aos berros:
– Olhem amigas bandeirinhas, vejam o povo como está bonito. E a música já vai começar. Estão trazendo cavaquinho, sanfona, reco-reco, triângulo, e um monte de instrumento legal. A música vai ser boa, com certeza. Vamos cantar meninas!!! - Ela estava em uma euforia geral.
A bandeira Verdinha resmungou zangada, em voz alta:
– Cale-se Encarnada!! Todo ano é a mesma coisa. Você é a única que vibra com essa agitação toda. Não aguentamos mais essa sua lenga-lenga, que insuportável. Nada disso tem a menor graça.
Encarnada, revirou os olhos para cima, fez biquinho com a boca, e logo voltou a falar:
– Afff!! Vocês não sabem viver o momento. Parecem um bando de velhos! Como não conseguem apreciar aquela linda fogueira, com o fogo flamejante. As chamas coloridas, se misturam e se fundem, queimando a madeira e se espalhando no céu como fumaça! É bonito demais. Eu te acho linda viu dona Fogueira!!
A fogueira a olhou, e sorriu para ela com o olhar um pouco traiçoeiro. E retrucou:
– Quer sentir o sabor das minhas chamas bandeirinha? - E deu uma risada apavorante para Encarnada, que ficou desconfiada, e até se encolheu.
Sebastião, o balão falou:
– Viu Encarnada, nem tudo que é bonito, é legal. Aquela fogueira é má e traiçoeira, estou te avisando. Acabaria contigo em segundos.
Encarnada se encolheu um pouco, pensou um pouco preocupada, mas logo voltou para a sua alegria contagiante:
– Mas, olhe, para nós!! Bandeirinhas e balões, colocados aqui por todo lugar, nossas cores dão outra vida a tudo, deixamos as coisas mais belas e coloridas! E não somos má, estamos aqui só para deixar o arraial mais exuberante e prazenteiro!
O velho balão sorriu, pois realmente, a empolgação da bandeirinha, era de chamar atenção.
E ela continuou:
– E olhem, as barracas de comida parecem muito apetitosas!! Tudo parece gostoso. Tem curau, pamonha, cuscuz, canjica, bolo de milho, milho cozido, bolo de mandioca, quentão, pé de moleque, baião de dois, paçoca de carne de sol, maçã do amor, cocada, pipoca caramelada, bolo de fubá, pamonha, creme de galinha, vatapá e tantas outras delícias, que nem dá para listar. E logo vai começar o leilão, que também é muito legal!
E as músicas tocavam, o povo dançava quadrilha, a fogueira queimava, as pessoas se deliciavam com as comidas, as crianças brincavam felizes!!
E de repente, o balão e as bandeirinhas começaram a entender o porque de Encarnada gostar tanto daquilo tudo. Pois era muita folia e encanto naquele lugar.
A música irradiava emoção e todos se contagiavam e dançavam ao seu toque.
O leilão começou, e Encarnada voltou sua falação, ela gostava de participar de tudo.
– Olhem, vão leiloar um carneiro, branquinho, que lindo! E agora vai ser um frango assado, eita que a aquela família vai se lambuzar de tanto comer!!……
E a noite foi passando, um menino passou correndo com um pedaço de pau, e enganchou em Encarnada, que foi arrancada bruscamente do seu lugar e saiu voando.
A bandeira verde viu, gritou:
– Encarnada, tente voltar!!
A bandeirinha vermelha estava desesperada, queria voltar para o seu lugar, mas o vento a jogara no chão. As pessoas a pisoteavam, e ela ia de um lado para o outro.
O balão se desesperou, quando viu que a mesma estava indo para próximo da fogueira. E gritou para Encarnada tomar cuidado, tentar se desviar.
A fogueira viu a confusão, e disse:
– Não se preocupe Encarnada, cuidarei de você. Não te queimarei. Não sou má, sou boa. Aquilo tudo era brincadeira.
Encarnada ficou confusa. As bandeirinhas e Sebastião, o balão não sabiam o que fazer para ajudá-la!! Pediram ao vento para trazê-la de volta.
O vento tentou, mas já era tarde, o fogo a pegou e em segundos Encarnada se dissipou. A fogueira deu uma risada, de pura satisfação.
As bandeirinhas e o balão entristeceram, pois nunca mais ouviriam a conversa infindável da pequena Encarnada, e do seu fascínio pelo São João.
Enfim, a festa acabou, todos foram guardados, e no ano seguinte, novamente montados. Todos, principalmente Sebastião, sentia falta de Encarnada, e olhavam para o espaço vazio que havia ficado na corda.
Foi então, que uma menina se aproximou, e colocou uma nova bandeirinha vermelha no lugar. A novata não sabia de nada, mas logo a bandeira verde e o balão começaram a falar para ela, das maravilhas das festas de São João.
Pois, nós podemos até partir, mas nossos sonhos, não finalizarão ali. Continuarão sendo espalhados por outros. Pois assim é a vida.
A vida não termina quando partimos, pois muitos outros lutaram as nossas lutas, e assim, viveremos eternamente no coração de cada um daqueles que pensam como nós.
FIM