A feiticeira

Era uma vez uma mulher que, por ser solteira e de idade avançada, por ter certo talento para curar enfermidades e um vasto conhecimento de botânica que lhe permitia cultivar um lindo jardim, era conhecida, no lugarejo onde vivia, como uma cruel feiticeira.

As pessoas da vizinhança, convencidas da natureza vil da mulher, atentaram algumas vezes contra sua casa, atirando objetos ou gritando xingamentos. Em função disso, a mulher resolveu erguer um enorme muro, a fim de preservar sua integridade, a de sua residência e de seu querido jardim.

Certa noite, a mulher notou, da janela de seu quarto, que um homem havia pulado o muro e estava em seu jardim. Em poucos minutos, porém, ele foi embora, levando consigo apenas alguns rabanetes. Dada a natureza inofensiva do ato e a rapidez com que tudo aconteceu, à mulher não coube tomar qualquer atitude.

Na noite seguinte, a mulher, corajosa e independente que era, resolveu ficar de guarda para, caso o ladrão de rabanetes regressasse, ela confrontá-lo, Após algumas horas, o homem pulou novamente o muro para o jardim da mulher e, amedrontado pela própria crença de que fosse ela uma feiticeira, tratou de se explicar imediatamente.

Contou à mulher que sua esposa, que estava grávida, havia visto os belos rabanetes do jardim da mulher pela janela, uma vez que eram vizinhos, e que, tomada de um feroz desejo que já lhe consumia a saúde, pediu a ele que invadisse a propriedade da mulher e colhesse alguns rabanetes. Assim ele o fizera e a esposa, tão maravilhada ficara com o sabor, foi novamente arrebatada pelo desejo, dessa vez ainda mais forte e danoso à sua saúde, e pediu ao marido que tornasse a fazê-lo.

A mulher, compreendendo as circunstâncias e se compadecendo da saudade debilitada da esposa, consentiu que o homem levasse os rabanetes. No entanto, consciente da capacidade de manipulação da esposa, da prontidão do marido em atendê-la e da predisposição do casal a cometer crimes, temeu pela educação da criança que estava por vir, e impôs ao homem que, em troca dos rabanetes e de não chamar a polícia para lidar com a invasão da propriedade, queria criar e educar a criança como sua própria filha.

Assim foi feito. A criança foi criada de forma saudável, recebendo da mulher seu afeto e seus conhecimentos sobre as plantas e a natureza, tornando-se indiscutivelmente a criança mais bela que já pisara naquelas redondezas. Entretanto, por ser filha daquela conhecida como feiticeira, sofrera incontáveis ataques verbais e físicos, sempre solucionados pela mulher. Quando completou doze anos, foi abrigada pela mulher em uma alta e aparentemente impenetrável torre, uma vez que a mulher já temia por sua vida e buscava preservar a menina daqueles que a caçavam.

A essa altura, as pessoas já notavam o sumiço da menina, mas não faziam ideia de seu paradeiro. Um dia, o filho do governante local vagava por ali e, ao ouvir a voz da menina ao cantar em sua solidão, deu-se conta de onde ela estava escondida. Ele, que pretendia capturá-la, a fim de se reconciliar com seu pai por algumas atitudes inconsequentes, logo percebeu que era humanamente impossível alcançar a única janela.

Continuou a rondar o local por alguns dias, até se deparar com a engenhosa maneira com que a mulher subia à janela: escalando a torre, usando os cabelos da menina. Imediatamente concluiu que se tratava de mais uma prova da bruxaria daquelas fêmeas, o que, na verdade, era mais uma evidência do dom da mulher para com as plantas, já que, utilizando-se deste, desenvolvera um poderoso tônico capilar que fez com que os cabelos da menina atingissem mais de vinte metros de comprimento (e que certamente acabaria com a necessidade do pai do rapaz de usar uma peruca para esconder a calvície).

No dia seguinte, voltou ali mais cedo e gritou pelos cabelos da menina, recebendo, em seguida, aquelas vastas tranças úmidas caindo sobre sua cabeça, Prontamente, pôs-se a subir, orgulhoso de sua própria capacidade de enganar a menina e adentrar seu quarto.

Ao chegar ao topo, viu-se diante do quarto vazio, com as tranças amarradas a hastes de madeira seca. Tudo estava tão úmido quanto as tranças. Notou, então, que a umidade acompanhava um cheiro, até então não percebido, em função do forte odor que emanava do jardim. Cheiro de querosene. Ao voltar à janela, viu as mulheres, em pé no solo abaixo dele, encarando as labaredas que escalavam e consumiam as tranças de Rapunzel em direção ao seu quarto.

Gabriel Grego
Enviado por Gabriel Grego em 27/03/2019
Código do texto: T6608725
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.