GORIK E OS PORCOS VINGATIVOS
Gorik era o mais velho da família. Por isso gostava de usar sempre sua gravata borboleta, assim impunha mais respeito entre os demais, principalmente seus irmãos. A família era ele, os dois irmãos: Palovina e
Crispino, seu pai Roroboão e sua mãe Faustina. Era uma roliça e saudável família de porcos, que nunca virariam bisteca ou toucinhos, nem costelinhas. Porque numa bela noite tinham conquistado a liberdade depois de fugirem da fazenda de seus donos. Podiam então viver como porcos livres e fazer aquilo que os porcos fazem; ao contrário do que todos pensam, que porcos só servem para engordar e virarem comida, eles levam uma vida bem interessante e produtiva. Mas agora não pensavam em outra coisa senão vingança contra a família que dizimou, esquartejou e separou em embalagens de isopor todos os seus descendentes desde a primeira geração. Os preparativos já estavam quase prontos. Gorik seria o responsável pelas ervas e temperos,
Palovina ajudaria a mãe Faustina com a preparação da mesa: talheres, pratos e o que mais fosse necessário para o banquete. Crispino e Roroboão forneceriam a lenha para o fogo.
No armazém o grande caldeirão cheio de água já começava a borbulhar enquanto Crispino e Roroboão alimentavam ainda mais o fogo com a lenha. Olharam-se, os três, e suas bocas, como se um maestro infernal com sua batuta hedionda impusesse o gesto cartunesco, sorriram ao mesmo tempo e seus olhos brilharam de satisfação.
Cercaram a casa dos Apolinário e esperaram o momento certo para agir. Assim, quando foi dado o sinal combinado, entraram os cinco ao mesmo tempo. Gorik, Crispino e Palovina pela porta da cozinha e
Roroboão e Faustina pela porta dos fundos que dava na sala, contigua à cozinha. Surpreendida a família tentou se defender.
Cassandra, a menina, 8 anos, correu a abraçar a mãe e grudou no vestido dela chorando e tremendo. Cremilda, a mãe, deu um berro tenebroso e repetia: “Ai meu Deus, ai meu Deus”! Casemiro, o pai, pegou uma faca da mesa, dessas de serra, e partiu pra cima de Roroboão, mas foi derrubado e Crispino pulou com suas patas sobre o rosto dele, esmagando seu crânio no chão enquanto mãe e filha tentavam lutar por suas vidas. Cremilda, protegendo a filha, empurrou-a para o quarto e trancou a porta. Jogava-se sobre Gorik o segurando pelas orelhas e batendo nele com toda a força que tinha, dizendo: “Seus porcos imundos, seus animais nojentos. Eu vou acabar com vocês. Suas lingüiças, seus toucinhos vivos, vão virar assado. Eu juro”! E com uma jarra de leite que conseguiu alcançar da mesa atingiu a cabeça de Gorik que soltou um grunhido de dor. Palovina e Faustina partiram pra cima de Cremilda, que a essa altura já se levantara e correra para junto do marido. Sem tempo para emoções, buscou força e não pensou no corpo morto e ensanguentado, apenas pegou a faca e atacou Crispino, atingindo-o bem no coração. Ele guinchava e sacudia as patas. Os outros vieram, tentaram derruba-la como fizeram com Casemiro, mas não conseguiram, ela se movia rápido e se esquivando tentava furar com a faca o que estive à sua mira.
Cassandra, no quarto, chorava copiosamente e batia na porta chamando pela mãe. “Mãe, mãe! Eu não quero que você morra, mamãe, por favor. Eles vão matar você. Esses porcos maus. Porcos maus”! Mas depois de se acalmar um pouco a inteligente menina teve a ideia de pular a janela do quarto e pedir ajuda e o fez.
Na cozinha, Cremilda estava perdendo a batalha com os porcos. Cansada, muito machucada, caiu sentada golpeando o ar com a faca. Chorando, sentia-se entregue aos braços da morte. Os porcos a comiam viva, mordendo braços, pernas.
“Vamos comê-la viva. Jantaremos a vadia assim mesmo. Vamos esquartejá-la, pra ela sentir na pele o que a raça desumana dela fez e continua fazendo com os porcos do mundo”. Dizia Gorik, o mais empolgado dos porcos. Palovina, a mais intelectual também aproveitava para desfiar uma de suas tiradas filosóficas: “Sempre usam ‘porco’ para designar tudo que não presta: ‘Sujo com um porco’, ‘Ele come como um porco’, ‘Espírito de porco’. Já que é assim, vamos agir como porcos. É assim que somos? Então toma, toma”! E mordendo a perna de Cremilda, descontava toda sua fúria. Faustina era movida pela raiva que sentia ao ver o filho Crispino caído, morto, abatido como os humanos falavam. Puxava os cabelos de Cremilda tentando arrancá-los.
Neste momento ouvira-se um alvoroço e logo alguns moradores chegaram, chamados por Cassandra. Com ancinhos, facões e machados eles partiram para cima da família de porcos dentro da casa, mas com eles, uma vara de porcos furiosos descambou, arrebentando cercas e grunhindo furiosamente, para cima dos camponeses. Insitados pelo massacre dos humanos, os porcos de três propriedades dos arredores esforçaram-se numa fulga alucinante, destroçavam furiosos tudo e todos que estavam pela frente. A menina Cassandra, cujos olhinhos brilhavam a bem pouco tempo, estava estirada no chão, sem vida, pisoteada pelos humanos e porcos. O massacre horrendo era uma dança da morte coreografada com movimentos bruscos e representado com gritos e grunhidos medonhos. O sangue respingava por toda a parte formando o que parecia serem fogos de artifício do terror. Ancinhos espetavam alguns porcos enquanto outros porcos cravaram seus dentes em crânios humanos. Arrancavam membros inteiros, braços, pernas, mastigando com furia sua carne, nervos e ossos.
Satisfeitos todos eles rolavam agora no chão lamacento. Banhados do sangue dos humanos. A refeição estava servida. Aqueles porcos comeram com gosto a mais deliciosa ceia de suas vidas. Arrotavam e grunhiam satisfeitos.