O Gato que queria um Rato

[texto escrito, como exercício criativo, para a imagem 'Cat & Mouse', da artista Jane Crowther; se puder, dê uma olhada também ;) ]

De uma coisa o gatinho tinha certeza: era preciso pegar um rato. E como não, se desde que dera o primeiro miado já vieram lhe dizer isso?

- Que filhote meu pega rato, e fácil.

E na escola, em discursos inflamados de boas vindas ao início das aulas, cobravam:

- Nosso objetivo é formar bons caçadores. E posso garantir: nossos alunos abocanham os maiores e mais gordos ratos!

E tinha também o gato vizinho, um ex-vira-lata de bigodes brancos, experimentado da vida e dos chutes e dos bolinhos recheados com vidro moído:

- O mundo é assim, bichado, ou tu pega um rato ou tu tá lascado. E cada um que pegue o seu, sacou? Tem mamata não.

E tinha até aquela aristocrática siamesa da loja da esquina, que do alto dos seus charmosos pelos esfumaçados sempre bem lambidos vivia dizendo ao gatinho:

- Pra mim, o caráter de um gato se mede pelo rato que ele abocanha.

E o gatinho virou gato, e queria um rato. Precisava de um rato. O Rato, essa entidade mística em letras maiúsculas e pronunciada em tom saco.

Mas, fazer o quê, ele não conseguia.

Pássaros, baratas, borboletas, lagartixas; apanhava tudo, menos um rato. Se esgueirava, perseguia, pulava. E não conseguia. O rato sempre se enfiava num buraco, sempre encontrava uma fresta.

- E o rato, vem quando?

Perguntavam. Todos perguntavam. E aí, quando?

Até que, um dia, o gato finalmente cercou um rato.

O gato tremia de expectativa, quase não podia acreditar. O Deus de uma vida, e que deveria ser possuído para conferir a salvação, estava ao alcance.

Como será o sono de quem abocanha um rato?, perguntou-se, insone que era.

Porém, no momento final, logo antes do ataque, algo aconteceu.

Que ali, olhando o rato nos olhos, uns olhos tão medíocres e enfiados numa carne tão seca - e aquele focinho tão sujo! -, o gato sentiu algo rachando. Então é isso?, duvidou. Só isso?

Rachando, mais e mais, até que se quebrou e caiu ruidosamente, feito pesados cacos de metal.

E o gato, no vazio de quem resolve um problema antiquíssimo, percebeu que nem mesmo fome sentia.