A assembléia dos ratos (editada)
Todo mundo soube do memorável evento ocorrido no século “VII AC” que ficou conhecido como “A assembléia dos ratos”, mas não custa relembrar:
Durante o debate para encontrar um meio de se defender do gato que os perseguia e devorava, aplaudiram com entusiasmo a sugestão de um dos participantes de pendurar uma sineta no pescoço da fera para ouvirem sempre quando este estivesse por perto e assim fugirem.
Porém quando alguém perguntou quem seria o voluntário á pendurar a sineta no pescoço do sinistro animal cada um se justificou como pode e o projeto ficou só na teoria.
Até ai todos conhecem a estória, mas daí em diante não.
Depois de alguns dias falaram-nos de um rato, ausente á reunião por um motivo do qual não soubemos detalhes, mas que ao tomar conhecimento do que foi tratado lá e de como acabou, procurou os lideres da colônia e se apresentou como voluntário para a perigosa empreitada.
— Eu irei, – disse o valente – mas tenho algumas condições. — Por ser uma façanha digna de um herói eu desejo de agora em diante ser tratado como tal, quero de cada um da comunidade uma parte dos alimentos que coletarem diariamente e uma provisão constante de palha picada para deixar minha toca sempre quentinha e confortável.
— Estou pedindo muito pouco perto do ato de bravura que estou prestes a realizar.
Acordo fechado, o bravo roedor entrou em ação.
Primeiro preparou duas sinetas iguais equipadas cada uma com uma tira resistente aos dentes e garras do gato, depois andou pelos lugares onde o gato andava, se esfregou nos lugares onde ele se deitava até ficar cheirando igual á um gato. Por último usou alguns restos de tecido e pelos catados aqui e acolá para improvisar uma fantasia de gato, atou uma das sinetas ao próprio pescoço e partiu levando a outra em direção ao covil do famigerado felino.
O gato dormia na sua confortável caminha de gatos quando foi despertado pelo soar da sineta e se deparou com a criatura á sua frente. Um tanto bizarra é verdade, mas que tinha cheiro de gato e parecia com um se quem o olhasse não fosse muito exigente.
— Olá, como vai? – falou o bravo ratinho travestido de gato. — Não esperava encontrar outro de minha espécie por aqui, prazer em conhecê-lo!
— Que tipo de criatura é você? – perguntou o gato desconfiado.
— Não me reconhece? –Respondeu o ratinho. —Eu também sou um gato, na verdade um gato viajante. — Meu trabalho é anunciar ao mundo a última moda dos felinos elegantes da Trácia.
— Do que você está falando? – o gato perguntou desconfiado.
— Eu falo desta bela jóia no meu pescoço, todo gato de bom gosto tem uma sineta igual á esta presa á um belo laço de tira como este.
—As gatinhas adoram – disse o rato dando uma volta e fazendo soar a sineta.
E tanto o rato falou, tilintou a sineta e fez poses que o gato acabou convencido e pediu ao nosso herói que lhe arranjasse um adereço igual.
— Mas esta é uma jóia cara, eu tenho só mais uma disponível e preciso que me ofereça algo em troca – disse o astuto roedor.
— Eu tenho um prato de leite pela metade – falou o gato.
— Negócio fechado! – quase guinchou o rato traído pelo nervosismo de estar tão próximo do terrível predador.
Imediatamente atou a sineta ao pescoço do gato e embora fosse melhor em roer do que em lamber, lambeu o leite do prato para manter o disfarce e partiu.
“— Mas espere! — Mas não é só isso!” – diria o vendedor de produtos importados do canal de televisão num claro atentado as normas da língua á nós gentilmente compartilhada por nossos colonizadores.
Nosso herói voltou para a colônia de ratos onde foi recebido com grandes honrarias, embora não faltasse um ou outro invejoso para sussurrar pelos cantos:
— Assim até eu! – disse um.
— Queria ver enfrentar o bichano de rato pra gato – alguém disse baixinho arrancando um riso de deboche de outro.
Como sempre faziam em ocasiões especiais, houve discurso e entrega de medalha antes de um grande banquete. Os comentários invejosos silenciaram com seus autores preferindo desfrutar do lauto banquete em homenagem ao ardiloso roedor á quem declararam estima e admiração. (Pode ter sido esse o momento histórico da invenção da falsidade, mas não existem provas concretas disso).
No dia seguinte, enquanto o nosso herói cobrava o combinado o gato apareceu de repente e se lançou sobre os ratos. Foi uma debandada geral e só se safaram porque estavam em um grupo grande, fugiram cada um em uma direção diferente e o felino ficou confuso e sem saber á quem perseguir.
Nosso herói intrigado com o acontecido correu á vestir o disfarce de gato e foi encontrar o bichano no meio do caminho.
— Olá meu amigo, que surpresa te encontrar por aqui – o ratinho falou. — Vejo que não está mais usando a sineta. — O que ouve?
— Sabe o que é? – disse a criatura hedionda – Os humanos que cuidam de mim assim que a descobriram tiraram-na cortando a tira com uma tesoura.
— Foi melhor assim – concluiu o gato – o som da sineta estava atrapalhando as minhas caçadas.
Moral da história: Animais, falantes ou não falantes estão sempre tentando sobreviver, o que os atrapalha é a interferência humana.