AMOR ALÉM DO ALÉM

Senhor Juarez, homem do campo, dono de uma granja de médio porte, levava sua vida a vender ovos, para os comerciantes dos municípios próximos.

Homem simples e de bom coração, que só vivia para a família e para o trabalho.

Certo dia, quando estava fazendo a venda de caixas de ovos na mercearia de uma cidade, viu em um canto do estabelecimento uma cadela com quatro filhotes, entre os quais, três eram grandes, peludos e saudáveis, e um era pequenininho, magro, sem muita expressão, mal se movia. Enquanto os irmãos brincavam alegres, o menorzinho apenas ficava próximo a mãe, deitado, quietinho.

Logo no primeiro olhar, senhor Juarez sentiu uma ligação com aquele pequeno animal. Algo que ele não entendeu bem o porque, mas sentiu, naquele momento, que seus caminhos estavam ligados.

Foi então, que perguntou ao comerciante o porque daquele filhote, ser menor que os outros. E o dono do estabelecimento respondeu:

– Não sei te dizer. Mas, acho que ela não vai vingar. Parece muito doente, até estou pensando em mandar matá-la, porque o animal só se arrasta, acho que não tem saúde.

Juarez assustou-se com as palavras daquele homem, e imediatamente falou:

– Pois meu amigo, não dê fim a ela não. Me deixe levá-la, que eu simpatizei com a pequena. Ela já pode ser desmamada? - seu tom voz era de preocupação.

O comerciante não hesitou, e disse:

– Tem três meses, e pode levar sim. Vai me fazer um favor. - e continuou a fazer suas coisas sem se abater com o fato.

Juarez pediu uma caixa, pegou o pequeno e frágil animal, e levou para a granja, feliz da vida. E olhando para a pequena criaturinha, sorriu e disse:

– Você vai ficar boa amiguinha, tenho certeza.

Os pequenos olhos brilhavam de alegria, pareciam dizer o quanto era grata pela chance de poder viver.

Quando chegou em casa, mostrou a toda família a pequenina, e ajeitou um local para no celeiro.

Uma cestinha, com uma cobertura bem confortável onde ela poderia dormir quentinha.

Todos a acharam linda, mas ficaram com medo que a mesma fosse doente, e por isso, Juarez a batizou de Mongolinha, por sua lentidão, olhos grandes e expressivos. Nome que todos gostaram. E ele prometeu a si mesmo, que ela cresceria forte e saudável.

Os meses passaram, e Mongolinha e Juarez se tornavam cada dia mais unidos. Os dois saiam pela granja, ela o acompanhava, fosse onde ele fosse. E rápido, a mesma foi crescendo, e ficando cada dia mais bonita e esperta.

Com sua cor alaranjada, perninhas curtas e pelo espesso e brilhoso, ela era só felicidade, ao lado de seu grande amigo e companheiro.

Logo cedo, levantava, e ia para frente da casa esperar o seu dono sair para começar a lida do dia.

Ela o seguia serelepe e faceira, em todos os seus passos. Os dois se divertiam e brincavam muito, pois entre eles, havia surgido uma relação linda e maravilhosa, de carinho e amizade, sincera, sem nada esperar em troca.

Os dois saiam juntos até para pescar.

Ele sentava a beira do rio, e ela ficava lá caladinha, quietinha para não atrapalhar em nada, e de vez em quando se entreolhavam, e ela conseguia sentir o carinho que o mesmo possuía por ela.

Quando enfim, Juarez necessitava sair para cuidar de seus negócios de trabalho, Mongolinha ficava lá, olhando a caminhonete se afastar, até sumir no meio da poeira e da estrada.

Apesar da tristeza, ela sabia que ele retornaria mais cedo ou mais tarde. E enquanto isso não ocorria, a mesma ia curtir sua vida naquele lugar.

Logo, fez amizade com as galinhas, com o galo vermelho que estava sempre zangado, com o velho cão pastor, que tangia os bois e as vacas para o curral, e até com a louca cabra que vivia no local, e que comia tudo que encontrava na sua frente.

Em seus passeios, Mongolinha um dia encontrou um abacate que havia caído do pé, e estava esmagado. Sentiu o cheiro, apreciou, e experimentou.

Seus olhos brilharam, aquele fruto era por demais, saboroso. E ela comeu mais com tanta satisfação, e ao terminar, lambeu todo o focinho melado de verde.

Depois da sua descoberta pelo abacate, todo dia ela ia procurar mais, e quando encontrava, se lambuzava de alegria, e por achar assim, tão delicioso, acabou por levar o que sobrava para o seu amigo Barnabé, o pastor que cuidava do rebanho.

Barnabé era um cachorro grande e rabugento, não gostava muito de conversa, mas adorava a companhia de Mongolinha, pois ela era muito divertida. Corria sempre agoniada, de um lado ao outro. Pulava feito louca, quando estava feliz, e querendo brincar, sempre muito lépida e eufórica.

Nem de longe ela lembrava mais ser aquela cadelinha tão frágil, que até duvidaram de sua sobrevivência. Pois o amor de Juarez, e os seus cuidados deram outra vida para aquele dócil ser.

Quando chovia, a diversão era ainda maior, pois Mongolinha, amava os pingos de água caindo do céu, que lhe molhavam o focinho preto e pequeno, e a fazia lambê-lo; e o fato de sua pelugem ficar ensopada. A chuva deixava a terra fria e úmida, e exalava aquele cheiro de estrume de vacas, que trazia a lembrança de como morar no campo é maravilhoso, e tudo aquilo deixava a pequena cadela mais e mais radiante.

Aí ela pulava nos buracos de lama, rolava sujando o pelo todo, e sentindo a terra emaranhar em cada parte de seu pequeno corpo, e corria pelo pasto, se esfregando nos outros animais, e fazendo muita algazarra. Só quem não apreciava muito era Juarez, que tinha que dar um banho bem caprichado para limpá-la. E isso não era nada fácil.

Nas noites enluaradas, senhor Juarez, familiares, empregados e vizinhos se juntavam ao redor de uma grande fogueira, sentados no chão de terra macio, tomavam uma boa taça de vinho, enquanto o fazendeiro tocava seu violão, e mais dois acompanhavam, e todos entoavam músicas antigas, com muita alegria e animação.

Mongolinha deitava-se aos pés de seu dono, sentindo o frio da noite que batia no seu pelo, e gelando o seu focinho, e curtia a música e toda a alegria dos humanos. Aquilo tudo para ela era como morar no paraíso.

E eles varavam a noite, com muita cantoria, piadas e conversas gostosas.

E no meio de tanta empolgação, Juarez pegava Mongolinha pelas patinhas da frente, e os dois dançavam ao ritmo da melodia tocada ao luar. Eram momentos de muita felicidade para ambos.

Deitada próxima a fogueira, mesmo quando todos partiam, ela esperava a última brasa apagar, apreciava o encanto da fumaça se esvaindo no vento, e vislumbrava o nascer do sol, que surgia devagar e tímido, com sua cor alaranjada, que aos poucos e clareando, até que não mais fosse possível olhá-lo, por causa da grande luminosidade, que cegava os olhos.

Às vezes, quando Juarez ia somente na cidade, para comprar ou fazer algo ligeiro, ele colocava a cachorrinha na caçamba do carro, e a levava com ele.

Mongolinha ficava muito feliz, e ia deitada na traseira do automóvel, sem se incomodar nem com os solavancos, porque para ela, estar próximo a Juarez era a melhor coisa do mundo. Ela o venerava, afinal ele tinha salvo sua vida, e cuidava dela com muito carinho e dedicação.

Quando ia colher feijão, a cadelinha ia faceira por entre as paragens atrás dele, com toda empolgação, e depois de juntar, ele sentava na escada próximo a porta da cozinha, e ia desbulhando e catando o feijão, ao mesmo tempo que tinha longas conversas com ela, que apesar de não entender nenhuma palavra, o olhava dentro dos olhos, sempre prestando muita atenção, como se pudesse compreender cada vocábulo.

Os dois eram inseparáveis. Era uma linda relação, de amizade, amor e companheirismo jamais vista.

Um dia, amanheceu, e Juarez não saiu de casa como costumava fazer toda manhã.

Isso preocupou a pequenina, que logo depois viu a confusão de gente chegando e saindo, e no final do dia, um carro grande, estranho e barulhento chegou no lugar, e levaram o seu dono, deitado em uma cama de rodas, que nem se despediu dela.

Ela não estava entendendo nada, o que estava acontecendo? Para onde o levaram? Quando ele voltaria? Ninguém parecia enxergá-la, pois passavam agoniados de um canto a outro.

Mas, ele sempre voltava, ela pensou, deitou e aguardou deitada na fria varanda da casa.

E ela esperou, esperou, esperou…….e os dias foram passando, nada parecia fazer sentido, o mundo parecia perder a graça para ela.

Depois de muitos dias, ela finalmente entendeu, que ele não retornaria.

As pessoas começaram a se aproximar da pequenina, a lhe fazer carinho, e ela voltou a viver sua vida, mas agora, não esperava mais por Juarez, pois ela sentia dentro de seu pequeno coração, que ele não regressaria mais para brincar, fazer carinho e correr com ela.

Sendo assim, Mongolinha se tornou mais próxima de seu companheiro Barnabé, e os dois passaram a correr juntos pelos campos, comer os abacates quando caiam do pé, tomar banho de rio, se molhar na chuva e rolar na lama. Agora, eles eram mais unidos do que nunca.

Porém, Barnabé sumiu um dia. Não retornou de sua caminhada com o gado. E a cadelinha ficou triste, muito triste.

Dois dias depois, Barnabé reapareceu, e estava machucado e sangrando muito. Ela se desesperou, tentou ajudá-la, mas, o povo da casa logo cuidou dele, e fez curativos.

Aquilo acalmou Mongolinha. E ela se deitava ao lado do amigo, esperando ele melhorar, mas ele não queria mais se alimentar e nem beber água.

Alguns dias depois, ele partiu, e não mais voltou.

Aquele era o segundo amigo, que a pequena perdia, e isso a deixava muito desolada.

Nada parecia como era antes, tudo estava muito triste na vida dela.

E deitada debaixo da árvore, ela olhava o céu azul com toda a sua imensidão, apreciava o canto dos pássaros, e sentia o vento gostoso que lhe acariciava com ternura, mas não conseguia compreender o porque dos seus melhores amigos estarem partindo.

Aos poucos, sua alegria aparentemente foi voltando, mas ela sentia muita falta de seus antigos companheiros, principalmente do seu dono Juarez.

Lembrava da voz dele, grossa e rouca; da sua risada, que a deixava perplexa, pela altura e por ser estridente; e do seu jeito carinhoso e sempre divertido.

E do velho e antipático Barnabé, sempre a reclamar.

Mas, certo dia, quando ela passeava pela estrada próxima a granja, um carro perdeu a direção, e a pegou. E apesar de ter sido socorrida, Mongolinha não conseguiu sobreviver.

Porém, nos seus últimos minutos de vida, ela sorria, olhando para o céu, pois sabia que finalmente reencontraria seus grandes amigos, os quais ela tanto amava.

Pois o verdadeiro amor, sobrevive eterna e eternamente.

Noélia Alves Nobre
Enviado por Noélia Alves Nobre em 21/01/2019
Código do texto: T6555971
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