O PORCO ANAFADO E O PATO CANHESTRO

O porquinho Osório nasceu numa fazenda pequena, de uma ninhada de mais oito porquinhos. Osório era o maior e o mais rechonchudo. Era guloso como ele só. Estava sempre desesperado pela próxima refeição.

Assim, Osório cresceu forte e saudável naquela pequena fazenda. Correndo com os seus irmãos, e mergulhando na lama, para se divertir e se refrescar do calor.

Logo ele estava gordo, sujo e não muito bonito, com bigodes espessos saindo do focinho avantajado e nojento, sem falar dos olhos um pouco estrábicos.

De acordo com o seu crescimento, os outros animais da fazenda começaram a insultar com ele, rindo do pobre porco, gordo, sujo e desengonçado.

Sempre que ele passava, todos riam e mangavam dele. O chamavam de pançudo, repolhudo, balofo, saburrento, nauseante etc.

Pois apesar de seus outros irmãos serem rechonchudos, como deve ser um porco, Osório era mais do que balofo, havia se tornado bem mais encorpado que o restante.

De repente, tudo aquilo começou a incomodá-lo. Ele começou a se afastar de todos, ficar calado e cabisbaixo. Até deixou de tomar seus longos banhos de sol e de sua lambança na lama.

As risadarias de todos no curral o deixavam cada vez mais triste, e sem graça. A prostração foi tomando conta do jovem Osório, que deixou de contar suas piadas, e se tornou quase depressivo, sem ânimo.

Um dia, perturbaram tanto ele, que Osório ficou desesperado e conseguiu fugir do celeiro, arrebentou um buraco que já tinha na cerca, e foi em direção a lagoa da fazenda.

Ele correu tanto, para fugir das risadas e xingamentos, que acabou por esbarrar em um pato, e quase o esmaga. O pato escapou, mas assustou-se e gritou com Osório:

– O que é isso meu amigo? Tá tonto? - falou com a voz fanhosa e rouca, o pato Sapé.

O pato Sapé vivia na lagoa desde que nascera. Era um pato grande, desengonçado, com penas pretas e brancas, um bico comprido maior do que o normal, uma voz rouca e uns olhos esbugalhados. Sempre que andava, topava nos próprios pés, pois eles se enganchavam, aí, caia e saía rolando feito uma bola. Era um desastre só.

Osório ficou desconcertado, e muito triste, com a voz quase chorosa, pediu desculpas. Estava muito nervoso.

– Sinto muito senhor!! Não queria lhe derrubar, não foi intencional. - E baixou a cabeça envergonhado e se virando para sair.

– Espeeereee!!!! - Gralhou Sapé, quase arrebentando a audição de Osório, e fazendo-lhe dar um sobressalto, que fez parar numa brecada, e com o olhar muito assustado, quase caiu novamente. E perguntou:

– Fiz algo senhor? - com a voz trêmula e quase sumindo.

Sapé ajeitou-se, tirou a poeira das asas, tropeçou novamente em seus próprios pés, se estabanando na grama, e falou:

– Meu amigo, se acalme. Você não fez nada não. Só queria entender porque você está tão triste e desesperado, correndo como se tivesse fugindo da forca. Sossegue, e me conte qual o seu problema!... Ah, antes de mais nada, meu nome é Sapé. E o seu?

De repente, Osório sentiu um grande alívio, suspirou fundo e se acalmou. As palavras de Sapé lhe transmitiam confiança, algo que há muito não tinha. E finalmente disse:

– Meu nome é Osório senhor.

Sapé deu um sorriso para Osório, que continuou:

– Não precisa me chamar de senhor. Me chame só de Sapé, todos me chamam assim. Agora vamos nos sentar em um canto ali, e conversar, pois estou te achando muito para baixo, meu amigo. Desabafe. Todos temos problemas, e guardá-los, só nos deixa ruim de espírito.

Osório deu um sorriso, acompanhou Sapé, e os dois sentaram-se debaixo da sombra de uma grande e frondosa árvore. E batendo no dorso de Osório, Sapé pediu que ele se abrisse.

O porco anafado sentiu um certo alívio, carinho, e finalmente começou a desabafar:

– Sabe, eu moro no celeiro, nasci lá, com os meus outros irmãos, só que com o passar do tempo, comecei a engordar muito, ficar feio e fedorento. E tanto os meus irmãos, como todos os outros moradores daquele lugar começaram a fazer pouco de mim. Só deboche. Riem de mim o tempo todo. Não consigo mais encará-los. Minha vontade é sumir no mundo, e por isso, saí correndo feito um louco. Porque será que meus irmãos ficaram tão garbosos e eu fiquei assim, tão horroroso? - E com o olhar muito triste, continuou. - Certa vez, em um concurso do porco mais belo do celeiro, eles votaram em mim, não por eu ser bonito, mas para poderem ter o prazer de debochar da minha feiura, gordura e fedor.

Sapé o olhava com atenção e compreensão. E encostando sua asa direita com grandes penas nas costas de Osório, disse de forma bem dócil:

– Ô meu amigo!! Não fique assim, não! Você não é feio, nem gordo e nem fedorento. Primeiramente, o que é ser feio? Quem criou esse conceito de beleza e feiura? Afinal, o que é bonito para mim, pode ser muito feio para você. Concorda?

Osório pensou, seus olhinhos soltaram uma ponta de faísca, e ele balançou a cabeça assentindo. E até começou a abrir um pequeno sorriso. Sapé, o olhou dentro dos olhos, e também sorriu, e continuou:

– Pois é caro Osório. A beleza está nos olhos de quem vê. Segundo, esse negócio de ser gordo ou magro, não interessa. O importante é você se amar. Você tem que se gostar como é. Entende? Se você é feliz com o seu físico, a opinião dos outros é irrelevante. E por último, você diz que é fedorento. Bem, se é, e isso te incomoda, tem jeito né! Tem banho, perfume, desodorizador e tantas outras coisas. Então meu amigo, você não tem motivo para estar tão chateado e triste. Porque, entenda, a opinião dos outros sobre você é irrelevante.

Osório abriu um largo sorriso, e já mais bem-humorado falou:

– Falar é fácil, mas enfrentar é tão complicado Sapé! Não acha? - e seus olhos novamente ficaram tristonhos.

Sapé riu, levantou-se e disse:

– Me siga meu amigo. Vou te mostrar.

E Sapé saiu andando na frente, topando seus pés um no outro, caindo, bolando e levantando, e Osório o seguindo lentamente.

E onde Sapé passava, os moradores da lagoa e dos arredores, riam dele, apontavam para ele, e faziam pouco. Sapé, não dava a mínima. Continuava caminhando, até que chegou no lago, e mergulhou. E depois começou a nadar e cantar no lago. Os cisnes lhe olhavam com raiva, e reclamavam da voz estridente e feia dele, e ficavam falando para ele parar de cantar, pois sua voz era horrorosa, e que ele nem sabia nadar como eles, os cisnes, a beleza mais estonteante daquelas águas.

Sapé, sem dar a mínima para tudo aquilo, ria e continuava a fazer o que gostava, não se importava com nada que os outros diziam. E de repente, ninguém mais insultava com ele. Pois pelo fato dele não ligar, os outros cansavam, e passavam a ignorá-lo.

Osório o olhava com admiração. E aquilo foi fazendo ele ter confiança em si mesmo, e a compreender, que quando aprendemos a enfrentar os problemas, vemos que eles não são tão relevantes, quanto pensávamos.

Depois daquele dia, Osório levantou a cabeça e voltou para o seu celeiro. Dias após, ele retornou até a lagoa para agradecer a Sapé, e quando lá chegou, deu de cara com o desengonçado pato, uma belíssima pata e vários patinhos.

E Osório lhe contou, que desde que passara a se aceitar, os outros já não lhe incomodavam tanto. Cansaram.

Sapé depois de saber que o porco entendera sua lição, e conseguira se afirmar diante dos seus colegas e familiares, ficou muito feliz.

Depois, apresentou a Osório sua esposa e filhos, explicando, que quando confiamos em nós, tudo fica mais fácil.

E Osório concordou com ele, e os dois riram e contaram piadas, se molharam nas águas do lago, tornaram-se grandes amigos.

Passando a sempre visitar um ao outro.

O fato é que a vida não é tão difícil, o problema é que às vezes, nós a tornamos mais complicada do que realmente é.

Noélia Alves Nobre
Enviado por Noélia Alves Nobre em 09/01/2019
Código do texto: T6546847
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