O CACHORRO JECA E A CADELA CITADINA

Não se sabe bem como surgiu o pequeno Jeca, naquela fazenda. O fato é que um belo dia, senhor Geraldino abriu a porta de casa, para ir tirar o leite das vacas, e deu de cara com o pequenino na sua varanda.

Com suas pernas curtas, parecia ainda filhote, pelugem castanho clara, olhos negros e vivos, orelhinhas para cima e muito alegre. Lembrava uma pequena raposa.

Seu Geraldino e dona Zenilda, se admiraram com um filhote sozinho por aquelas bandas, e decidiram que ele poderia ficar, já que havia escolhido a casa deles para se abrigar.

Já que tinha um jeito um pouco desengonçado e matuto, logo o nomearam de Jeca.

Não demorou para Jeca fazer amizade com todos os outros cães da fazenda, pois era faceiro, alegre e muito comunicativo, falava até mais do que deveria.

Nos primeiros dias ele ficou próximo a casa, dormindo na varanda, olhando o desenrolar das coisas ao redor. E via quando cedo da manhã, dona Zenilda enchia uma de suas vasilhas de água e a outra de comida.

Algum tempo depois, os trabalhadores passavam em direção aos cafezais e canaviais para a lida diária, o senhor Geraldino saia para ordenhar suas vacas, e dona Zenilda ia para os seus afazeres domésticos.

Após algum tempo acompanhando com o olhar todos os acontecimentos diários, Jeca concluiu que deveria conhecer mais do local. Saber aonde cada caminho o levaria, e o que de interessante poderia encontrar no lugar.

Sua amiga, Cacau que era uma cadela antiga da fazenda, disse que Jeca ia fazer besteira.

– Para que arriscar? Se ali, eles já tinham tudo o que precisavam. Era uma péssima ideia. Esse negócio de mudança, nunca é muito legal, pois nunca sabemos o que pode acontecer. E se for para pior? - arriscar, não era uma opção para Cacau.

Jeca pensava diferente. Amava se jogar no mundo e conhecer novos caminhos, afinal, fora assim que ele chegara aquela fazenda tão maravilhosa.

Sendo assim, um belo dia, quando avistou os empregados passando para o trabalho, resolveu segui-los.

E deixando sua ração, sua água, casa e amiga para trás, foi desvendar o que acontecia durante todo o dia com aquelas pessoas.

Eles se dirigiram para uma grande plantação, e lá começaram a colheita. Trabalhavam incansavelmente. Paravam apenas para tomar um gole de água, com o intuito de suportar a lida.

No meio do dia, eles se juntaram um lugar coberto, com bancos e mesas, e abriram suas quentinhas para almoçar. E era uma diversidade enorme de refeições, e o que sobrava, começaram a dar a Jeca, que também recebia carinhos, atenções e muitas palavras simpáticas.

Como Jeca era encantador, logo deixou os trabalhadores apaixonados por ele.

No final da tarde retornou, na companhia dos trabalhadores, sujo e cansado, e deitou-se bocejando embaixo da árvore que ficava em frente a casa. E adormeceu feliz e satisfeita.

No outro dia, foi a mesma coisa. E só no dia seguinte contou sua aventura para Cacau, que escutou desconfiada cada palavra de Jeca, e só balançou a cabeça em desaprovação. Ela imaginava que nada poderia ser tão interessante, e que era coisa da cachola de Jeca, que não batia muito bem da bola.

Um dia, ao retornar mais cedo dos campos, Jeca viu uma belíssima cadela de raça, deitada exuberantemente, na área da casa da fazenda.

E fascinado com aquela beleza nunca vista por ele, ficou com cara de bobo, e até deixou a baba escorrer pela sua boca.

E se aproximando de Cacau perguntou:

– Meu Deus!! De onde saiu imensa beleza minha amiga? Nunca havia visto nada igual.

Seda, era uma pastora belga, de pelagem negra, longa, brilhante e muito sedosa. Chamava atenção, em todos os lugares, por sua imensa formosura e comportamento educado.

Jeca ficou babando e imóvel com a cadela.

Cacau revirou os olhos pela imensa bobagem do amigo, e retrucou:

– Não diz bobagem Jeca!! Parece abestado. Essa é a Seda, ela mora na cidade grande, e quando o dono dela vem passear por aqui, ela vem junto. E ela é um cachorro normal, só é mais vistosa porque é de raca e os donos a criam de outra forma. Mas, não acho que seja diferente de nós.

E Jeca ainda sob o feitiço do encanto, aproximou-se de Seda, cambaleando e sorridente. Que acabou por se assustar com ele, e arregalou os olhos.

Jeca então falou:

– Boa tarde senhorita!! Me chamo Jeca, moro por estas paragens. Tudo bem com você?

Seda o olhou pensativa, e respondeu com a sua voz aveludada e gentil:

– Boa tarde!! Me chamo Seda. Sim, tudo. - falou de forma concisa.

Seda que estava deitada, notando que Jeca se aproximava mais ainda, sentou-se, deixando a mostra o seu tamanho, que era bem maior do que o do pequeno Jeca.

O miúdo tinha um sorriso bobo de ponta a ponta do rosto. E com os olhos ainda brilhando por ela, ele continuou a falar:

– Estou morando aqui. Cheguei já tem algum tempo. Sou um viajante do mundo, um cachorro de muitas paragens.

Cacau que escutava a conversa de longe, apenas revirava os olhos para cima, ouvindo tamanhas sandices. Enquanto Seda, apenas o fitava com um pouco de ironia, e um breve sorriso. E Jeca continuou a falação:

– E você, pelo que eu soube, reside na cidade grande. Outra vida né? - ele continuava deslumbrado. Parecia se derreter a cada novo olhar da cachorra.

Seda balançou a cabeça em sinal afirmativo, tentando ser amável.

E como ela nada respondeu, ele continuou:

– Pois, então, me fale sobre a vida na cidade grande. Eu já tive a oportunidade de conhecer algumas, pois sou um viajante nato. Conheço o mundo. - e a olhava esperando um gesto de interesse.

Cacau deitada, e horrorizada com tudo aquilo, colocou as patas por sobre a cabeça, em sinal de constrangimento. E Seda respondeu, sempre educadamente:

– Não tenho muito o que falar. Moro em um pequeno apartamento com meus donos na cidade. Eles me levam para passear e fazer minhas necessidades no parque. E no resto, deve ser o que você já conhece mesmo. - Falou ela, com um pouco de deboche.

E Jeca falou, com a voz bem melosa e matuta:

– Então, poderíamos nos conhecer melhor. O que acha?

Seda o olhou com um sorriso um pouco forçado, e respondeu:

– Não sei! Talvez!- Ela estava muito desconcertada, pois não tinha interesse no caipira, mas não queria ser mal educada.

Jeca fez um olhar triste, e disse:

– Não, quer ser minha amiga porque é da cidade? Pensa ser melhor do que eu só porque mora na cidade? - Ele lhe deu um olhar chateado e se fechou. A decepção tomara conta dos seu pequeno rosto.

Seda ficou um pouco assustada, e tentou ajeitar:

– Não. Não é nada disso. Você me entendeu mal. Eu de forma nenhuma disse que era melhor do que você, só que somos diferentes. Você mora aqui na fazenda, corre pelos matos o dia todo, rola na areia, vive sujo e cheio de carrapichos. Come qualquer coisa, toma banho quando dá bom tempo, e não parece conhecer nada de cidade.

Eu nasci e vivi até hoje em apartamento. Tenho hora para tudo, só como ração. Me cuido bastante com vitaminas, tomo banho no petshop, tenho meus pelos escovados todos os dias, escovo os dentes, tenho hora para todas as minhas necessidades, tenho minha própria cama e brinquedos; e passeio pelos parques e ruas da cidade, quando, meus donos têm disponibilidade, para exercícios e minhas necessidades. Enfim, entendo que somos de mundo diferentes.

Jeca entristeceu, e baixou sua cabeça com tamanhas ofensas, fechando a cara e fungando. Cacau finalmente, já bastante indignada deu uma suspirada bem alta, que chamou a atenção de Seda e Jeca, e levantando-se caminhou na direção deles.

Zangada, ela iniciou o discurso:

– Ouvir a conversa de vocês é uma ofensa a qualquer ser vivo. Porque é muita besteira junta. Meus caros, estou neste mundo a muito mais tempo que qualquer um de vocês, então, tenho experiência o bastante para esclarecer tamanhos absurdos.

É o seguinte: Você Seda, pode ter nascido e ter vivido até hoje na cidade, dentro de apartamentos e com todas estas besteiradas que falou. Mas, no fundo, é igual a nós. Ama correr pelos campos, sentir o vento batendo em seus pelos e o cheiro da natureza que perfuma tudo, ouvir o canto dos pássaros, e sentir a liberdade da natureza, que nos encanta e domina.

Então, não é pelo fato de só ter vivido na cidade, que perdeu sua essência animal.

Você Jeca, não sei bem em que raios de lugar surgiu. Mas, provavelmente foi em alguma mata próxima a estas paragens, e sabemos que nunca foi numa cidade, não tem ideia de como seja. Você com certeza, nasceu e cresceu por aqui, aonde existe mais liberdade, mais vida, mais natureza. Se tivesse de viver algum dia em uma cidade, provavelmente, odiaria, pois sua essência animal fala mais forte. Quem conhece a liberdade e magnitude da natureza, não consegue viver longe dela.

Enfim, vocês tem que compreender, que não existem essas diferenças, elas são todas externas, efêmeras. Todos somos cães, não interessa se somos diferentes pelas nossas cores, raças, tamanhos, sexo, entre outras coisas, pois nada disso importa, já que em nossa essência, somos todos no gênero canino. Latimos, somos peludos, temos quatro patas, um focinho, somos mamíferos etc. As outras diferenças, não nos atinge. Somos uma só espécie, sem desigualdades. E só precisamos ter respeito e amor, um pelos outros.

Jeca e Seda compreenderam a velha Cacau, e desde então se tornaram grandes amigos. E sempre que se encontravam, brincavam e corriam bastante, pois eram irmãos.

Pois somos todos iguais neste mundo maravilhoso que é a terra, sem distinções, sem diversidades.

E o que é mais bonito e puro do que uma amizade sincera.

Noélia Alves Nobre
Enviado por Noélia Alves Nobre em 09/01/2019
Código do texto: T6546622
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