A artimanha da cobra e do escorpião (Inspirado em Êsopo e La Fontaine)
Em dias de cheia do rio, a natureza pulsa exuberante. Geralmente é solstício de primavera e a lua, no céu radiante, ilumina a noite; invejando os vaga lumes que podem pousar na Terra. Nesse cenário deveras fulgurante, os animais contentes se põem a divagar, pensando na fartura de alimento que a natureza os há de presentear. No entanto, existem outros tantos cuja fome é bem mais voraz. Pretendem se valer do encantamento que deixa os indefesos ainda mais incautos, achando que a beleza ao derredor contagiará também aos demais.
Tendo em vista tal descuido e ansiando locupletar perante possível infortúnio, a cobra e o escorpião se uniram em conluio para se fartarem durante a cheia.
“- Nada mais oportuno!” – disseram – “- Vamos nos valer do coelho burro e até trazer os peixes para a beira!”
Assim, seguiram com seu nefasto plano, ignorando o milagre que os rodeava. Intentaram apelar aos bons corações, armando um esquema para colocá-los em uma cilada.
Dia a dia um chegava a beira do rio, inventando que estava para se suicidar. Chorava alto, clamava aos céus, apenas esperando que algum inocente o fosse ajudar. Os animaizinhos podiam ser inocentes, entretanto, seus instintos avisavam que o caso podia necessitar de mais gente. Chegavam a uma distância cautelosa, rodavam daqui, cheiravam dali, mas viam que nem a cobra ou o escorpião pareciam sofrer de iminente risco que merecesse uma aproximação gloriosa.
Histórias corriam pela floresta e ninguém era mais tão ingênuo. A cobra e o escorpião eram sabidamente espertos, nada confiáveis e bem conhecidos naquele terreno.
Enquanto dia após dia a cobra e o escorpião continuavam outras estratégias a tramar, o coelho arisco convocou uma reunião com os animais pequenos, alvos daqueles que os queriam devorar. Por trás de uma pedra, escondidos dos olhos matreiros, deliberavam sobre a atitude que acabaria de vez com o vil sortilégio dos predadores embusteiros.
Falou o nobre coelho que ao rio deviam a cobra empurrar, mas o burro lembrou sabiamente, que a cobra sabia nadar.
O macaco não quis arriscar, preferiu manter distância, nada tinha a declarar.
O esquilo, rápido e esperto pensou em fazer uma armadilha com uma noz, mas como chegaria tão perto assim do escorpião, com aquela cauda aguda e feroz?
A coruja pousou entre eles e acabou com o dilema. Disse que com aqueles dois não seria necessário qualquer esquema. Bastava deixá-los por lá, esperar o tempo passar, e enquanto tentavam aos demais devorar, morreriam de fome e de sede ao invés de honestamente o alimento ganhar.
Os dias então se seguiram, a primavera se foi e o verão chegou majestoso e no calendário preciso. Quanto a cobra e o escorpião, cada um foi pra um lado e acabaram morrendo de fome pois, como a coruja havia instruído, aos que se acham espertos, melhor ninguém lhes dar ouvidos, pois nem na ganância morreram unidos.
Fim