Antas e capivaras

Cansadas de fugir do avanço da atividade agrícola, antas e capivaras de campos não tão distantes daqui reuniram-se e, após muito debater, chegaram à conclusão de que, se quisessem continuar vivendo e procriando em paz e prosperidade, deveriam se adequar à nova realidade. Mas não seria uma simples adaptação ao novo habitat moldado pelo engenho humano, e sim o adentrar na sua competição econômica: antas e capivaras criariam e gerenciariam uma fazenda. Sabiam que este seria um grandiosíssimo desafio, mas o enfrentariam pelo bem das gerações futuras de suas espécies.

Para começar, mediram o terreno e checaram sua conveniência, acesso à água, além de outros meios e recursos indispensáveis para a fazenda. Logo em seguida, dividiram as tarefas: as capivaras iam limpar a terra e as antas ergueriam a cerca. Trato feito, cada um dos grupos dividiu-se em seus afazeres.

Enquanto pastavam o mato alto, as capivaras repararam que as antas estavam tendo tremenda dificuldade em levantar a cerca. Por conta disso, deram algumas sugestões e opiniões, mas evitaram maior envolvimento porque tinham que dar conta daquilo que se propuseram a fazer. As antas, por sua vez, não deram muita atenção, mas buscaram acelerar com a cerca; só que as dificuldades persistiam, afinal, suas limitações físicas e intelectuais as impediam de trabalhar bem com as madeiras e tudo o mais necessário ao empreendimento. Isso rendeu novos protestos por parte das capivaras, o que gerou mal estar e desentendimento entre as espécies. Após algum bate-boca, resolveram inverter os papéis, e as capivaras se encarregaram da cerca enquanto as antas continuavam a limpar o terreno.

Continuando a remover o mato, as antas perceberam que as capivaras deixaram uma série de obstáculos para trás, tais como pedras e troncos ressequidos. Como se sentiam humilhadas pelas reprimendas recebidas, não perdoaram essa falha e foram tirar satisfações. Nova desinteligência se seguiu, com os animais trocando acusações de negligência e incompetência na condução das tarefas. A muito custo um novo trato foi feito, onde as tarefas seriam divididas igualmente, com equipes mistas de antas e capivaras executando os mesmos trabalhos, lado a lado.

De acordo com o novo acerto, os animais trataram de organizar-se e botar as patas à obra. Porém, no mesmo dia em que começaram a trabalhar juntos, as dificuldades reapareceram e, com elas, as contendas. Reiniciaram as acusações de toda sorte, partindo de ambos os lados. Nisso o trabalho ficou completamente paralisado, sem o mínimo sinal de que iria engrenar ou lograr algum êxito.

O dia caía quando a discussão, chegando a um ponto tal de tensão, levou os machos-alfa das duas espécies a principiarem uma luta feroz, logo sendo seguidos por todos os outros membros dos seus grupos. Nem mesmo os filhotes escaparam da confusão, guinchando de dor e pânico. Nesse mesmo instante, dois homens, fazendeiros, andavam por ali, procurando terras para expansão de suas propriedades, e viram aquela cena dantesca de selvageria generalizada. Tentando entender o que acontecia, viram um pequeno arremedo de cerca, com madeiras tão mal postadas que algumas até tombavam, bem como o mato pessimamente pastado. Quando finalmente compreenderam o que se passava, riram e se afastaram, continuando com a caminhada prospectiva naquelas terras tão boas, de fertilidade tamanha, que podia-se dizer que tudo o que se plantasse ali daria fruto.

Enquanto isso, uma família de micos residentes numa árvore bem ao lado da fazenda das antas e capivaras tinham vista privilegiada de tudo o que ocorria. Meneando as cabeças, olhavam atônitos uns para os outros perante a cena tétrica da luta entre aqueles animais. Como a cegueira dos dois lados não lhes permitia ver o óbvio? Não havia um único culpado pelo fracasso da empreitada, pois todos o eram… Todos eram incapazes de criar e gerenciar um projeto daqueles. Só não queriam admitir suas limitações, espelhando seus fracassos uns nos outros.

Afinal, fora das fábulas, alguém já viu fazenda gerida por bicho dar certo?

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 18/10/2018
Código do texto: T6479968
Classificação de conteúdo: seguro