A CERCA

A CERCA

Por Czar Milch

Ali estava, cortando o pequeno jardim de primavera, a cerca branca.

Mais presente que qualquer outro elemento do bucólico descampado. A macieira, a cadeira de veraneio, o homem assentado sobre ela, compenetrado em leitura, e a observadora de seu outro lado. O cercado de madeira, rusticamente pintado de branco, era que se destacava mais que tudo que compunha a cena. Tão era proeminente a tudo que os feixes do sol da manhã pareciam querer deitar sobre ele, e unicamente sobre ele, as suas luzes, tendo o resto iluminado apenas pela força da luz que emanavam. Mas era por aquela extensão de lenha, grossamente fincada no chão e pregada entre si, que os olhos do sol se comoviam.

Não se poderia dizer o por quê.

Havia pouco além de grama, no reto campo, poucas flores nascendo em esplendor, um pouco homem absorto, um pouco livro de poucas páginas em sua mão e uma pouca moça de vestido exuberante para o outro lado da muita cerca. Para um observador, haveria elementos melhores a deitar a atenção, mas para o sol matutino, com seu próprio capricho, a cerca era a mais digna de holofote.

A moça, de suaves madeixas, segura seu camafeu aflita ao vir o homem lendo o livro. Um suspiro se espreme de seu peito, talvez não por emoção, e sim pelo aperto do corselete. Não se poderia dizer. Novamente, a cerca era mais viva que tudo ali. Parada e sem esboçar reação. O viver das rosas que lançavam sua folhagem intrincadamente pelo cercado, o aperto emocionado do coração da dama e o farfalhar da macieira se ofuscavam diante do protagonismo do cercado.

Mais um suspiro. Dessa vez, seguido por lágrima do canto de um olho. Borrou a sombra da maquilagem e escorreu negra pela face da moça. A emoção contida ali, claramente, deveria ter alguma história, de antes ou de agora, ou esperando um devir.

O homem continuava alheio a tudo ao redor. Uma nova página do livro se levanta e ergue delicadamente, revirada entre seus dedos.

Talvez faça sentido, então, o sol sobre a cerca. Havia algum significado obscuro em mirar aquele inerte séquito de lenha.

Ali. A pequena e baixa cerca separava as duas figuras com o vulto de uma muralha. De um lado o homem desatento para aquele olhar em direção ao seu espaldar, de outro um sentimento quase gritando o carinho inseguro. O receio angustiado da moça lhe afogava o peito e lágrimas lhe lavavam até o pescoço. Havia algo ali, ou houve, ou haverá.

Ela levanta as anáguas do vestido, exibe as pernas quase trêmulas e apoia um dos pés sobre uma ripa do cercado.

De ali em diante, o cercado perdeu sua importância. Perdeu a grandeza que separava diante de um simples passo adiante.

Talvez, vencido o meio metro de altura do madeiro, haveria algo mais a adolescer ali para arrancar a estreiteza no peito da jovem moça e, então, a cerca dividiria apenas um fim e um começo.

Virando uma nova página do livro, o homem se depara com o esboço de um cercado branco, como o que existia ali próximo, e que finalmente o faz se desapegar da leitura e dirigir-lhe o olhar e, assim, perceber alguém vindo em seu encontro. Os olhos antes fascinados com a leitura agora rebrilham contemplando outro afeto enquanto escorre um sorriso para os lábios.

Atenta, a luz do sol começa a se mover, se ajustando para iluminar uma nova preciosidade. Algo além da cerca que logo se tornaria mais formidável ali...

David Leite
Enviado por David Leite em 08/10/2018
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