NORDESTINOS

Carrapicho era um bode parrudo, forte. Os seus pelos eram brancos e pretos, e muito grossos.

Tinha uma barbicha branca e grandes chifres na cabeça. Ganhou seu nome devido ao fato dos carrapichos sempre estarem prendendo na sua pelagem, o deixando agoniado.

Ele vivia com cara de bicho, pois estava sempre fulo da vida, muito zangado. Qualquer coisa, e ele já ficava ispritado, enfurecido. Sem falar da sua fome sem fim.

Na verdade, ele era de lua, às vezes simpático e às vezes, antipático. Amava reclamar, nunca se cansava. E não tem ninguém mais avexado, pois era apressado por demais.

Nasceu e sempre viveu numa pequena propriedade no sertão nordestino, cercado por outros diversos animais, dentre os quais, o seu amigo, desde a tenra infância, com o qual vivia encangado, nunca se separavam, o jumento, Zuruó.

Zuruó recebeu esse nome por ter cara de abobalhado, mas era um jumento sem igual. Apesar de parecer ariado, quer dizer, distraído e vexado (envergonhado), ele sempre tinha um olho no peixe e outro no gato, sempre ligado. Nada lhe passava desapercebido.

E apesar de Carrapicho ser um bode complicado de lidar, os dois se entendiam sem problemas.

Carrapicho sempre acordava varado de fome, e ia logo chamando o amigo para encher o bucho. Gritava estridentemente, porque Zuruó era muito desligado, e tirava a paciência do bode, com a sua mansidão.

– Anda Zuruó, tá escutando não? Tu parece môco, bicho surdo! Tu queres que eu morra de fome?

Zuruó o olhava calmamente e respondia:

– Deixe de agonia, Carrapicho! Tu não tá vendo que estou pastorando nosso dono?

Carrapicho parou, deu um olhar desconfiado para o amigo, e perguntou:

– E porque diabos, tu tá prestando atenção nele? O que houve? Deixa de urubuservar os outros! Tu és muito do curioso!

O jumento, sempre muito mansarrão, disse:

– Ô homi! Tu não tá vendo que ele tá baqueado? Triste por demais. Ele está fazendo das tripas coração para não deixar que nos falte comida e água.

O bode o olhou e balançou a cabeça em negativa, com o olhar meio desconfiado. E falou:

– Então tá! Mas tu vais ou não comigo comer? Eu estou me acabando de fome.

Sem responder a Carrapicho, Zuruó, continuou refletindo e falando:

– Deixa de ser tão egoísta macho! Não tá vendo que a coisa tá preta aqui para essas bandas? Já tem tempos que não cai uma gota de água do céu. As plantas estão tudo morrendo. A água, a gente quase nem vê. Eu acho até que ele vai começar a vender a gente, para que não morramos de sede e fome. Quanto mais os dias passam, mais aumenta o calor. O sol anda de rachar.

O bode fez cara de surpresa, só então disse em tom de preocupação:

– Vixe! Será que vai me vender? Quero sair daqui não. Eu como qualquer gororoba, me viro. Mas, não quero ser vendido não. E se quem me comprar quiser fazer refeição de mim? Deus que me livre!! Vamos fazer o que amigo? Quero ir para panela não. E agora? O que será da minha vida?

O jumento olhou para o bode, chocado com o egoísmo do mesmo, que só pensava nele. E falou:

– Para com isso! Estamos todo no mesmo barco, e você só está preocupado contigo? Coisa triste!

De repente os dois ouviram uma voz gasguita, que doía nos ouvidos, e que resolvera se intrometer no assunto. E ao olharem para o lado, notaram que tinha um pé de mandacaru, que é uma espécie de planta nascida no sertão do Nordeste. E ela disse:

– Vocês se preocupam demais! A seca é impiedosa no sertão, e se ela não terminar logo, o negócio vai ficar feio, mas vocês deveriam ser os últimos a se preocuparem, pois são animais resistentes as adversidades da vida do agreste, foram feitos para enfrentarem todos esses problemas. Assim como eu, que levo água em minhas entranhas. - E toda orgulhosa, sorriu!.

Carrapicho fez cara de satisfeito, balançou a cabeça, e resmungou:

– Verdade!!

Zuruó estava cada vez mais abismado, pois agora no lugar de um, eram dois individualistas que só pensavam neles mesmos. E já perdendo a paciência, ele relinchou zangado:

– Parem com isso! Não vivemos sozinhos no mundo. Nós precisamos uns dos outros. O fato de sermos mais fortes, deve nos fazer ter um coração melhor, para ajudar os outros, então, temos que pensar em todos. Afinal, são nossos amigos, sempre estiveram do nosso lado, nas horas boas e ruins. Temos que nos unir, e tentar encontrar a solução. Somos nordestinos! Temos força e garra para lutar, enfrentar tudo, por maior que seja a agrura, desistir não faz parte do nosso vocabulário. E o que é mais importante, nunca devemos perder a fé, pois é ela que nos ajuda a sonhar com dias melhores.

Dito aquilo, o mandacaru e o bode se sentiram brocoió, envergonhados com eles mesmos.

Dali em diante, os dias que se seguiram foram duros, a terra cada vez mais seca. A água sumira quase que totalmente, e a que se achava era salobra. Alguns animais e plantas, já não resistiam. Carrapicho e Zuruó, deixavam a maior parte dos alimentos, para os mais fracos. O mandacuru, dividia o seu precioso líquido.

E imensa a tanta tristeza, o jumento, Zuruó deixou suas lágrimas descerem em homenagem aos seus companheiros, que não mais suportavam a crueldade da seca. E foi ai, que o bode Carrapicho, sentiu algo gelado tocando na sua pelagem. E olhou para o céu. E berrou feito um louco, dizendo:

– Olhem! Fomos ouvidos em nossas preces! A água está chegando.

Todos olharam para o céu, e a felicidade tomou conta do lugar. A tristeza deu lugar para uma grande festa. Pois, enquanto acreditarmos, tudo pode acontecer.

Noélia Alves Nobre
Enviado por Noélia Alves Nobre em 04/10/2018
Código do texto: T6467190
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