OS MÚSICOS DE BREMEN
    Era uma vez um moleiro que, como todos os moleiros que se prezam, tinha um burro. O burro envelheceu e,  como já não podia carregar as moendas para o moinho ou de volta para casa dos fregueses, o  moleiro expulso-o de casa. O bom do burro teve um momento de desânimo, mas, filósofo que era,  logo reagiu: não tem problema, pensou ele, vou para Bremen e faço-me músico de rua.
    Pôs-se a caminho de Bremen e encontrou um cão abandonado, de rabo entre as pernas, muito, muito triste...
    --Que se passa, seu cachorro? Donde te vem toda essa tristeza?
    --Como não hei-de estar triste? Estou velho. Já não posso guardar o gado, correm todos mais do que eu, e o meu dono pôs-me na rua.
    --Não desanimes, vem comigo. Vamos para Bremen e fazemo-nos músicos de rua. Eu toco guitarra e canto, e tu tocas caixa... Queres vir?
    O pobre cão nem pensou duas vezes:
     --Claro que quero! Vou contigo, Vamos para Bremen! -- e puseram-se a caminho.
    Mais adiante encontraram um gato. O gato andava de cauda a arrastar e miava duma maneira tão dolorida que até dava pena.
    --D. Miau, que aflição é essa? Cortaram-te o rabo? 
    -- Não. É pior do que isso... Envelheci, já não sou capaz apanhar ratos, fogem-me todos, e a minha dona pôs-me fora de casa.
    --Esquece a tua dona e os ratos lá de casa. Que resolvam, lá entre si, as suas malquerenças. Vem connosco para Bremen, vamos ser músicos de rua, eu toco guitarra e canto, aqui o amigo cão toca tambor , tu tocas violino... Vens?
    O gato olhou para os outros dois, ergueu  a cauda e disse:
    --E  porque não havia de ir? Vou sim senhor. Vamos para Bremen.
    E lá foram.
    Mais além toparam um galo empoleirado sobre a cancela dum quintal, mesmo à beira da estrada. O galo parecia muito descoroçoado, cauda murcha, cabeça pendente...
    --Aí sozinho, Chanticleer? -- perguntou o Burro -- qué das tuas poedeiras, fugiram-te todas?
    --As galinhas estão todas na capoeira e felizes da vida. Eu é que tive de fugir - descobri que a minha dona queria fazer uma canja comigo.
    --E como foi que descobriste isso?
    --Ela tem andado a dar-me uns petiscos especiais, além da ração de todos os dias. Ontem apanhou-me e apalpou-me todo, ainda sinto os dedos dela nas minhas coxas... agora é fugir ou vou parar na panela... estou desgraçado!
    --Qual nada, amigo Chanticleer, vem connosco para Bremen e fazemo-nos músicos de rua: eu toco guitarra e canto, aqui o sr.Béu-Béu toca tambor, D.Miau toca violino, e tu tocas bandolim e cantas também, que és bom para isso... vamos formar um conjunto que vai dar que falar... Que dizes ao projecto?
    --Digo que sim, amigos. Vamos para Bremen.
    E foram. 
    Andaram, andaram, andaram e acabou por lhes cair a noite no caminho. Pensaram em procurar um lugar seguro para pernoitar, o cão foi fazer uma buscazinha nos arredores e quando voltou disse:
    --Há uma luzinha a brilhar entre  as árvores, ali para aquele lado. Está sempre no mesmo lugar , não anda. Podíamos ir lá ver o que é aquilo, é aqui perto. 
    Foram e a luz vinha da janela duma casa, na clareira da floresta. Chegaram-se  à janela, para verem quem lá estava dentro, mas a janela era alta e não conseguiam ver nada lá para dentro. Só depois  do cão saltar para cima do burro, do gato para cima do cão e do galo pra cima do gato é que souberam o que ia lá dentro.
    --São salteadores, ladrões de estrada... são quatro. Estão sentados à mesa a comer e a beber -- informou o galo.
    --Oh!  que fome que eu tenho -- queixou-se o cão  -- quem pudesse comer uma coisinha...
    --Oh!     que sede -- lamentou-se o gato -- quem pudesse beber uma coisinha...
    O burro que também tinha fome e sede disse-lhes que descessem todos e que todos pensassem numa maneira de entrar na casa e tirar aos ladrões  alguma coisa para comerem.
Pensaram... pensaram... e depois de muito pensarem, saltaram, de novo,  uns para cima dos outros, primeiro o burro, depois o cão, depois o gato e, no topo o galo, postaram-se mesmo em frente da porta e bateram. Quando um dos ladroes  abriu,  os quatro entraram de roldão pela porta dentro, sempre uns em cima dos outros e fazendo o maior alarido que podiam, o burro zurrando, o cão ladrando, o gato miando e o galo cacarejando. Os ladrões, todos quatro, entraram em  pânico pensando que estavam a ser atacados por um monstro da floresta e, espavoridos, saltaram pela janela e fugiram a sete pés.
    Os quatro amigos, agora únicos e exclusivos senhores da casa, comeram, beberam e depois de conversarem entre si e de descansarem um bom bocado, procuraram lugar aprazível para dormir.  O burro foi-se deitar na relva do pátio, perto da cancela, o cão do lado de dentro da porta, o gato nas cinzas da lareira que ainda estavam quentes, e o galo empoleirou-se mesmo na cerca, junto da cancela. Apagaram as luzes, e cansados da caminhada, adormeceram.
    Alta madrugada, o chefe dos ladrões  que tinham fugido para a mata, chamou os companheiros e disse:
    --Está tudo apagado lá em casa, alguém tem de ir ver o que lá se passa. Se  ninguém quer ir, vamos a sortes...
    --Vou eu -- prontificou-se o mais valentão deles todos -- e armado até os dentes sumiu-se na escuridão da noite.
    Aproximou-se da casa com mil cuidados, mas não sentindo ninguém nem ouvindo qualquer rumor, resolveu entrar. Como bom ladrão que era, trepou por uma árvore, perto da janela, abriu-a e entrou ainda a medo, do tremendo susto que antes tinha apanhado. Olhou à sua volta na meia escuridão do quarto e só viu dois pontos luminosos nas cinzas apagadas da lareira. São tições que ainda estão vivos do lume de ontem à noite, vou atiçá-los, preciso de luz. Andou junto da lareira às apalpadelas por um graveto, achou-o e, com ele tentou espevitar os dois tições que cada vez brilhavam mais e que não eram mais do que os olhos do gato. O bichano, ferido pelo graveto do ladrão,deu um berro tremendo e aplicou dois enormes arranhões na cara do agressor que estarrecido correu para a rua. O cão, acordado de repente, ainda apanhou o vulto a esgueirar-se pela porta fora, e, com uma dolorosa dentada no traseiro arrancou-lhe um bom retalho das calças. No quintal, o burro, já alertado pelo reboliço lá em casa, assestou no rabo do ladrão um duplo coice que atirou com ele para junto da cerca onde o galo, a plenos pulmões, cantou:
    --CÓCÓRÓCÓCÓ!!!...
    O ladrão chegou esbaforido junto dos companheiros e explicou ainda a  gaguejar:
    --Fujamos, amigos! E para bem longe!  A nossa casa está possuída por quatro espíritos terríveis, capazes de nos destruir todos. Um queria-me esfolar a cara toda, vejam o que me fez... outro tentou arrancar-me as calças, cu e tudo, outro deu-me duas palmadas no rabo que me fizeram voar... e o outro, quando eu fugia pela cancela da cerca gritou que se ouvia longe:
       --Apanhem que é ladrão! ... Apanhem que é ladrão!

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    E  foi aqui que se instalaram os célebres Músicos de Bremen de que falam as antigas crónicas, e cuja fama só veio a ser igualada pelo conjunto inglês dos nossos dias, Os Besouros.