Guariba com a mão na cumbuca

Era jovem, belo e forte quando conquistou seu harém; conquistou-o numa luta titânica com outro macho, que era quem mandava por ali até ser desafiado por um jovem solteiro, mesmo assim não foi fácil. O antigo mandatário, se comparado aos humanos já beirava os sessenta e agora teria que enfrentar um jovem que não passava dos trinta. O velho resistiu bravamente até que, antes que desfalecesse ou sofresse contusão grave, decidiu-se pela sucumbência e afastou-se resignado.

O novo chefe, imediatamente, iniciou seu ritual macabro eliminando todos os filhotes do rival e expulsando jovens machos que pudessem vir a enfrentá-lo no curto prazo. Poupou fêmeas em idade fértil e machos jovens submissos que não lhe oferecessem resistência. Impunha respeito com sua pelagem bonita, flancos desenvolvidos, dentes afiados além de urros ouvidos a distancia que faziam tremer súditos e rivais.

“Arretado”, logo iniciou a formação de sua prole. Todas as fêmeas em condições de acasalar ficavam grávidas, nenhum macaco ousava fazer algo que pudesse desagradá-lo, ele não dava brecha. Só pra manter a soberania, dava “peteleco” nos subalternos, mantinha os filhotes afastados e ralhava com as fêmeas para manter a ordem. Era sempre o primeiro a comer.

Numa época de pouca comida, o bando circulava pela mata em busca de víveres quando um cheiro adocicado de comida invadiu o ambiente. O líder manteve-se impávido enquanto todos se esforçavam para localizar a fonte dos odores. Finalmente um subalterno soltou um grito, havia localizado a fonte; cinco ou seis cuias estavam sobre alguns arbustos, nenhum animal estava por perto. O bando mantinha um olho no lanche e outro no líder, o líder começou a se mover na direção das cuias.

Um a um os macacos foram se afastando, apenas o que havia descoberto a novidade ousava ficar próximo como que a reivindicar o primeiro bocado. O líder afastou-o com um tapão na orelha que o fez voar pra trás e, apesar da destreza comum aos arborícolas, a queda através dos galhos foi inevitável, estatelou-se no chão; não sofreu danos devido a grossa camada de folhas que cobria o solo. O chefe aproximou-se pronto pra ser o primeiro a degustar as delícias, num ato ousado meteu a mão na cuia e pegou algo como um jambo, abiu ou figo, não via a hora de levar a mão a boca, mas, a mão não quis sair.

O bando assustado ficou desesperado ao ver o líder se esforçando para tirar a mão da cumbuca, ele tentava e tentava de todos os meios e nada; o grupo tentava ajudar com ruídos semelhantes a diálogos; finalmente o líder começou a gritar, não eram os uivos de quem dava ordens, era um pedido de ajuda. Um grupo de moleques não demorou aparecer. O bando fugiu desesperado cada qual querendo se salvar deixando para trás o chefe que não abria as mãos com sua comida; se abrisse ela sairia e ele fugiria com seu grupo, mas nada de abrir a mão do bocado.

Não tardou e um bando de curumins já estava “caceteando” o pobre líder que tentava a qualquer custo se livrar das agressões. Ele gritava cada vez mais alto e nada, o bando ao longe assistia o triste fim do grande líder que, finalmente abatido, não mais reagia às últimas pauladas.

Morto, foi colocado num paneiro e levado pelos meninos que se mostravam satisfeitos com o “botin”. Chegando ao vilarejo, o cadáver foi entregue às mulheres que imediatamente iniciaram o preparo. A hora do almoço o que restara do chefe estava pronto e ele finalmente cumpriria seu último papel na floresta; guisado no leite da castanha forneceria proteína aos curumins, cunhantãs e toda a caboclada.

Raul Correa Barcelar
Enviado por Raul Correa Barcelar em 30/08/2018
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