ADELAIDE, A POMBINHA DA PAZ
O Pombo-pai, descendente de famosos pombos-correios, vivia da memória do passado, pesquisando a árvore genealógica de seus ancestrais. A Pomba-mãe tricotava sem parar. Eram todos muito pobres.
Um dia, alta noite, seu pai disse à mãe:
- Adelaide é um peso morto em nossa casa.
Adelaide chorou muito.
- Prefiro morrer neste perigoso mundo a ser um peso nesta casa.
Abriu asas e voou.
Muito longe já começava a aparecer o primeiro clarão da madrugada. Adelaide pousou e cochilou. Acordou com um calorzinho acariciando suas penas. Devia estar muito longe, pois não reconhecia nada daqueles arredores.
Naquele momento, passou voando muito alto o tucano jornaleiro, olhou a pombinha jururu e disse:
- Prima, o que faz aí?
- Estou pensando na vida.
- A vida não é pra se pensar; é de se viver.
- Mas eu não sei o que fazer. Estou só no mundo.
- Leia as notícias deste jornal. Pode ser que tenha uma idéia qualquer.
Adelaide começou a ler o jornal "Folha da Mata". Viu notícias de eleições, furtos, brigas, correio sentimental e chegou aos classificados onde leu:
"Precisa-se de mensageiro" . Tratar na porta da Pororoca, no fim do Rio Amazonas, Pedra do Velho Sábio.
O coração de Adelaide se animou. E voou, voou, voou... incansável. No caminho encontrou uma águia muito velha, chorando, aos gritos, pousada num tronco seco.
- Por que chora assim?
- Ai de mim, estou cega e perdida. Eu passei a minha juventude olhando o sol!
- Em que posso ajudá-la?
- Quem é você?
- Sou a Pomba Adelaide, ando à procura de emprego.
- Pois me ajude a encontrar meu ninho.
E assim... foi. Perto de uma montanha de pedra, Adelaide viu uma revoada de grandes pássaros: as águias. A velha águia pousou num único ninho vazio.
- Vou continuar o meu caminho, agora que você está em casa.
- Espere! Em outros tempos eu devoraria você. Mas você me serviu e quero lhe pagar. O que quer?
- Quero a primeira letra do seu nome, o A. Com ela eu farei um telhado para a minha casa. As águias todas riram. A velha águia disse que podia levar. Tirou de uma bolsa de couro de coelho cozido. Adelaide partiu carregando sua dádiva.
Voou, voou, voou muito, por terras e águas, até que viu um mosquito que se afogava.
- Salve-me, salve-me, que tenho as asas molhadas e não posso voar!
- Estou com pressa...
- Vai me deixar morrer?
Adelaide (que tinha um coração muito bom) deu a ele uma pontinha do seu ramo de pinheiro. O mosquito se agarrou e saiu da correnteza são e salvo.
- Então, adeus. Vou procurar meu emprego.
- Espere, espere. Quero pagar por ter me salvo.
- Então me dê a primeira letra do seu nome, o M. Com ela farei um poleiro duplo para a minha casa.
- Pode levar.
Adelaide guardou o presente e voou bem ligeirinho para os lados da porta da pororoca. Adelaide ouviu uma voz aguda gritando:
- Ajude-me a sair daqui! Ajude-me a sair daqui!
- Ovo, é você que está falando?
- É claro! Tire-me daqui!
- O que você vai ser?
- Sou um ovo de azulão. Caí do ninho. Me choque.
- Sou uma pomba e vou perder muito tempo.
- Prefere levar na consciência o peso da minha morte?
Adelaide resolveu ficar. Aninhou-se sobre o ovo e ficou muito quietinha. Passou o resto do dia, passou a noite, amanheceu.
O lugar era lindo. Caíam pétalas de um jasmineiro silvestre e um ruído manso de água deu a Adelaide um sono confortador.
No dia seguinte, o ovo se partiu.
- Obrigado, obrigado, agora me leve para um ninho que tem nesta jabuticabeira.
Adelaide viu o ninho e o deixou aos cuidados de uma gorda e simpática sabiá.
- Não vá ainda! Quero recompensá-la pelo bem que me fez!
- Dê-me a primeira letra do seu nome quando ainda era um ovo. Com ele farei a porta de minha casa.
Adelaide então apanhou um O muito branquinho. Juntou às suas outras letras e partiu.
Perseguindo seu vôo, Adelaide atentou para um gemido delicado e dolorido, vindo de uma clareira de raízes para o ar. Viu um pé de margaridas silvestres e as margaridinhas todas abraçadas, gemiam na maior tristeza.
- O que há?
- Um tatu maluco nos arrancou com suas unhas.
- Que fazia ele?
- Procurava a toca. Quando o sol chegar, nos secará a vida.
- Posso ajudar?
- Se quiser, traga com seu bico um pouco de terra e enterre nossa raiz. Assim reviveremos.
- Vou ajudar vocês; esperem.
Adelaide fez vinte e cinco viagens com grãos de terra úmida, cobrindo a raiz das margaridinhas.
- Obrigada, obrigada. Você nos devolveu a vida.
- Agora tenho que ir.
- Leve uma lembrança nossa...
- Se vocês quiserem me dar o letra R (de raiz), com ela farei um forno para minha casa.
- Leve, leve!
E Adelaide juntou o R às suas outras letras e continuou seu caminho.
Crescia o barulho da pororoca. Dona Maré e a corrente do rio se encontravam e era aquela onda. Adelaide pousou num coqueiro muito alto e perguntou a uma arara onde ficava a pedra do velho sábio. Adelaide seguia a indicação, quando viu um rato com uma lanterna, sentado na metade de uma noz.
- Eu lhe darei uma pena branca se me levar à Pedra do velho Sábio.
- Serve. Com ela enfeitarei meu chapéu.
Quando chegaram à pedra, lá dizia:
"Procure na primeira nuvem da manhã, quem quiser encontrar o velho sábio."
Adelaide esperou o dia e voou em direção à primeira nuvem. Mergulhou em seu macio regaço de algodão gasoso. Foi quando ouviu uma voz grave indagando:
- Quem está aí?
Viu que a voz saía de uma gota da gota e viu o velho sábio. Este a mandou atravessar a gota, sem medo. Ali havia outro mundo.
- O que deseja?
- O emprego de mensageira.
- Tão tarde?
- Eu me atrasei. Muita gente me pediu ajuda. E mostrou as letras que ganhara de presente A M O R, que pretendia decorar sua casa.
O velho sábio disse:
- Você se atrasou por não pensar unicamente em si. Chegou tarde, mas com uma carga muito preciosa. É você que eu esperava. O emprego é seu.
Então o velho sábio colocou sua mão luminosa sobre a cabeça de Adelaide e recomendou:
- Vá pelo mundo. Não lhe faltará casa, nem comida, nem sol, nem sombra. Enquanto houver lágrima e sofrimento você viverá. Leve no bico o raminho verde que salvou o nosso irmão mosquito e nossa irmã águia. Onde você passar saberão que é a mensageira de minha PAZ.
- E a minha casa?
- Basta que você instale as letras que recebeu, na ordem da palavra AMOR e terá sempre pronta a casa mais perfeita e repousante.
Adelaide partiu e até hoje sobrevoa a face da Terra. Todos sabem de sua história e até lhe deram o nome de POMBA da PAZ.
Autoria desconhecida