Fotógrafos preocupados
O dia de domingo estava fantástico. Muito sol, poucas nuvens no céu e uma paisagem fantástica para se apreciar.
Mauro, um experiente fotógrafo, administrador de um grupo de fotografias no “facebook”, grande admirador da natureza, preparava-se para mais uma saída de sua casa para fotografar a natureza. A natureza sempre foi seu forte, principalmente as árvores, a grama molhada após uma fina chuva da tarde, uma borboleta, um pássaro, as águas de um riacho escorrendo por várias pedras, até cobras ele gostava de fotografar.
Contava ele os minutos em seu relógio de marca “orient” para sua nova aventura. Hoje, sem dúvida, queria ele fotografar as flores de outono, aquelas que saem às vésperas da chegada do inverno. Em um nome mais popular, conhecido na região, eram as flores denominadas de “mata pasto”. Um pequeno arbusto de mais ou menos cinquenta centímetros, com várias flores brancas, em um tom roxeadas. Estas flores cobrem várias pastagens e foram popularmente designadas pelo nome, no qual anuncia o período de estação seca, aqui nas Gerais.
A sua mochila estava pronta. Dentro dela, estavam sua máquina favorita, com suas lentes, bolsa, flanelas e outros apetrechos que somente ele carregava. Não gostava de ir sozinho, sempre tinha algum de seus amigos fotógrafos que lhe fazia companhia. Do outro lado da mochila, uma pequena mochila contendo água, frutas e lanches, pois ficavam até tarde, principalmente que a semana era de lua cheia. Os amantes de fotografias sempre admiram a lua cheia, pois ela é o dom da inspiração do fotógrafo, do poeta e também do próprio escritor, pois fitando-a sempre aparecem versos bonitos, frases ligeiras, mas com cunho cultural muito importante para os leitores.
Márcio, hoje quem o acompanharia, já esperava no portão, também munido de seus apetrechos para a saída triunfal da cidade.
Com um aperto de mão, um bom dia e frases de auto estima, os dois iniciaram sua caminhada para a mata. Iam de jipe até certo trecho, pois o veículo, muito velho, mas era uma relíquia de Mauro. Conta-se que ele foi herdado de seu avô. Era do ano de 1959. Muito bom, todo arrumadinho, somente saia em tempos de festas da cidade e para que Mauro fosse às fazendas e lugares para suas fotografias.
No caminho, conversavam entre si. Faziam brincadeiras, planos de vida, contavam estórias, contos e até entoavam canções regionais. Márcio era também compositor. Tinha várias músicas registradas e até cantor sertanejo cantava suas músicas. Era muito habilidoso, um senhor aposentado da área de saúde, mas de vez em quando fazia uns bicos de enfermagem no hospital da cidade. Mauro era médico e já preparava para se aposentar. Trabalhava muito, entre seu consultório e o hospital. Tinha tempo somente nos finais de semana, quando não estava de plantão e aproveitava este tempo para estar junto à natureza. Sempre dizia que a natureza era sua energia e seu alimento para aguentar todos os dias da semana que viriam pela frente.
Com muitos solavancos pela estrada, eles finalmente chegaram à mata. De cara, já encontraram um bando de pássaros que cantavam uma canção barulhenta. Seria uma canção de acasalamento ou cantavam porque seriam fotografados pelos dois.
- É genial, Márcio. Olha que lindo. Vamos preparar as máquinas, porque o dia de hoje está prometendo. Penso fotografar, no mínimo, umas seiscentas fotos.
- Fabuloso, Mauro, hoje vou estrear uma nova lente, prontinha que comprei na capital. Não foi cara, mas espero que as fotografias sejam compensadoras e tragam-nos mais felicidades e curtidas em nosso grupo.
Adentraram-se à mata. Um passo a mais, encontram uma cobra e ela foi alvo de vários cliques. Olharam para o outro, viam árvores altas, com imensas maneiras de fotografar. Mais um passo, deparam-se com um casal de jacutinga. A batida forte das asas de um gavião foi tema principal. Mais uma vez somente ouvia o barulho das máquinas dos dois.
- Legal, amigo. Está cada vez melhor. Ali, do outro lado, tem um pequeno riacho. Da última vez que estive aqui com o Manoel, ele conseguiu fotografar um peixe entre as duas pedras. Foi linda. É provável que molhemos os pés. Espero que a água não esteja gelada, porque é final de outono e a temperatura está um pouco baixa. Lembre-se de que se molharmos os pés e não os secarmos, poderemos contrair uma gripe. Olhe, que nesta semana, tenho várias cirurgias e jamais poderei ficar gripado.
- Tem razão, amigo. Teremos cuidado.
- Veja, que lindo, parece que o peixe está no mesmo lugar. Vamos até lá, com bastante cuidado e o clique será incrível.
Vários sons dos barulhos das máquinas dos dois. Foi um espetáculo.
De repente, os dois resolvem sentar em uma das pedras do riacho para ouvirem o som das águas colidindo com outras pedras. Um pequeno silêncio entre os dois, porque a natureza falava mais forte e com toda a razão, o natural é fonte de muita energia, de muito descanso e principalmente é acolhedor de uma nova visão de vida.
- O que vocês estão fazendo aí, todos parados, sem dar atenção devida a nós?
Era uma voz estranha. Não era reconhecida por nenhum dos dois ali presentes. A voz tinha alguma coisa especial. Era meio grave e meio aguda. O som parecia ser adocicado de uma leveza incomparável. Quem poderia estar dizendo isto, porque somente os dois estavam na floresta e às margens do pequeno riacho.
- Ouviu isto, Mauro?
- Sim, não fui eu quem falou. Você também não falou nada. Porém, quem estará brincando conosco?
- Eu.
O espanto foi geral entre os dois. Na copa da árvore, onde eles estavam sentados, na pedra do riacho, viram um enorme gavião. Com suas grandes asas, abertas como se estivesse voando, ele não se eximiu em dizer:
- Podem acreditar. Sou eu quem falo com vocês dois.
- Imaginem bem.
- Vocês são humanos. Saem todos os finais de semana, com suas máquinas fotográficas, suas câmeras filmadoras, com tripés e outros instrumentos e vêm para a minha floresta tirar fotos nossas.
- Não somos instrumentos de fotografia. Aqui na floresta é nossa casa, é o nosso lar abençoado.
- Somos muitas espécies e cada um tem a sua família.
Por um momento, os dois refletiram e pensavam que era tudo brincadeira. Lembraram de alguns de seus amigos que gostavam de fazer trapaças em fotografias, em certos tipos de brincadeira. Seria algum deles que chegara primeiro do que os dois e subindo na árvore quis passar-lhes um susto ou simplesmente era fruto da imaginação deles.
Não pode ser.... O que será isto. Um gavião falante...
- Eu sou o representante da comunidade.
- É verdade. Sou falante. Aprendi com o papagaio que era o nosso representante, mas de tanto falar asneira, perdeu o seu posto.
- As flores me disseram que estão cansadas de receberem as luzes de seus fleches. O peixe, que a pouco foi fotografado por vocês, está até com dor de cabeça de tanta posição que fez para ser uma boa fotografia.
- As pedras já não aguentam ser pisadas com suas botas.
- O bando de pássaros que vocês viram, ao entrar na floresta, estava revoltado e somente não os atacou porque eu precisava lhes falar:
- Não aguentamos mais.
- Da próxima vez, queremos receber os nossos direitos autorais.
- Pagou, fotografou. Caso contrário, faremos uma greve geral e ninguém mais poderá entrar aqui para fotografar.
Era preocupante o assunto naquele momento. Seria verdade o que eles estavam dizendo. Será que foi um aviso da mente deles ou era verdade mesmo.
Para completar, apareceu uma onça, que rugia com muita força. O som de seu rugido era de vibrar o ar que eles respiravam. Parecia dizer que era para eles darem o fora, porque a coisa ficaria pior se teimassem em permanecer ali.
- Vamos, Mauro, tudo ficou errado.
- Não mais podemos fotografar, porque as coisas que queremos estão exigindo o pagamento de direitos autorais. É um absurdo, mas temos que concordar.
- Vamos, sairemos como entramos.