O Apólogo no Closet
Apólogo no Closet
Um vestido de noiva deslumbrante e com uma arrogância inata em seu período de formação já se imaginava o centro das atenções do evento matrimonial e tinha a visão dos outros como os de coadjuvantes de sua beleza.
Ao se completar, espelhado pela orgulhosa parede de vidro do ateliê de Mariana, não via a hora de chegar o grande dia, o dia da consagração, do glamour. Momento em que todos o admirariam e seria cuidadosamente transportado para a casa de Sabrina, a princesa de Guadalupe, que almejava um futuro esplendoroso com seu amado.
No chegar ao closet de sua proprietária, desdenhou a mais simples vestimenta localizada no escaninho ao lado.
-Você! Que aperta os poros das pernas torneadas de minha dona, sequer um dia terá a satisfação de desfilar em um corredor ornamentado onde as pessoas irão te olhar com sorrisos admirados e fotografias serão tiradas para eternizar momentos de glamour. Eu tenho prioridade total neste lugar, sou quase que intocável porque fui feito de renda por mão de artistas consagrados pela arte regional popular e meu valor se compara a um convite de uma ópera.
E a modesta calça Jeans com toda a sua humildade ouvia aqueles absurdos comentários e permanecia calada enquanto o suntuoso vestido branco insistia com seus ataques nocivos e mirabolantes àquela tão simples figura do cotidiano suburbano:
- O jardim da festa tem seu espaço reservado somente para mim e minhas poses junto às belas folhas e flores irão decorar o aparador da sala de jantar da minha dona por toda a eternidade. O teu cheiro não pode se misturar ao meu porque sou aromatizado pelo bouquêt de orquídeas douradas colhidas no Paraíso de Kinabalu e o véu e a grinalda que me acompanham sendo acessórios compostos de sedas valiosas não podem tocar em sua áspera parede de ganga.
E o Jeans continuava calado, somente observando a prepotência exagerada daquela peça volumosa, porém, sem sentido para o cotidiano. Estava então preparado com o seu discurso pronto e esperando apenas a entrada triunfal do monte de renda à despensa de panos.
O tecido guerreiro de todos os dias, enfim, rebatia àquele gigante branco com simples palavras:
-Agora que você chegou não existe mais a possibilidade do brilho, da imagem, da admiração.
-O próprio tempo irá se incumbir de te levar ao esquecimento e você será trocado por trocados sendo novamente exposto ao glamour, mas sem luz porque a consciência dos que te conhecem irá te denunciar e outras gerações irão te ignorar. -Eu sou “Pau para toda obra”, sou companheira do dia a dia, enfrento trens lotados e o suor não me incomoda, pois fui criado para trabalhar junto às serragens e virei moda para dar sensualidade as mulheres e formatar o físico robusto do homem.
-Tenho vida, meu preço é bem abaixo do seu, sou custo benefício, minha durabilidade é pouca, todavia, percorro distâncias que você jamais irá percorrer, pois o limite faz parte de sua principal característica:
“A cronometragem da Cerimônia de Casamento”.