NAS NOITES DE LUA CHEIA

 
         Nas noites de lua cheia a alegria da vizinhança era contagiante. Às calçadas se transformavam em palcos, onde os mais velhos se assentavam, para contar estórias fantásticas, dentre elas: “A Comadre Fulôzinha[1]”, chamada por alguns de “Caipora”. Também, a fábula da “Mula sem cabeça”, e tantas outras fábulas e causos, que me encantavam e me fazia estremecer... perder o sono!
        Os antigos falavam que quando os caçadores adentravam a mata, a tal “Fulôzinha” fazia com que se perdessem para judiar deles. E ainda, que a malvada “Caipora” costumava dar nós nos cabelos de quem estava perdido e nos rabos dos cavalos, além de bater muito neles... E, haja estórias!
        Eu me embevecia em meio às fantasias, mesmo com temor de tudo que ouvia. Na hora de dormir me cobria dos pés a cabeça, com medo dos personagens fantasmagóricos.
        Assentada no chão da calçada, recostada nas pernas do meu avô, entre risos e gritos eufóricos da criançada e de alguns adultos, adormeci. Transformei-me em miniatura de gente, pequeníssima...  Adentrei a mata montada em um cavalo chamado formigão. Pensei: – Que bom! A comadre “Fulôzinha” não poderá nos ver e nem dar nós no rabo do meu formigão. Eu observava, de perto, os animais gigantescos, passando para lá e para cá, sem nos perceber. O senhor tamanduá estendeu a sua língua, para que as formiguinhas a adentrassem, “desfile mortal no tapete vermelho”. A dona lagarta parecia um dinossauro... Uau! O meu coração disparou, quando ela abriu a sua boca, enorme e devorou a pobre aranha... que nada tinha de pequena.
        Apareceu uma enorme serpente resolvi pegar carona em seu lombo liso, e o formigão comigo...  Era, como se surfássemos, em cima de um metrô....
– Uau! Que brincadeira legal!
A serpente chocalhava a sua cauda, com rápido requebrado, querendo dizer: –Saiam das minhas coostas!
Eu e o meu cavalo, sem sela, nem arreios, nas costas da serpente... Pura diversão!
        Embora, dia claro, quanto mais adentrávamos na mata, mais escura ficava... Parecia noite! Formigão, inquieto e com medo queria voltar. Começamos a tremer.   A serpente parou e começou a se enroscar, a chocalhar a cauda com vigor.
Gritei: – Cuidado formigão, o trem vai descarrilar!
        Um miado enorme se fez ouvir... Era um gato do mato que aos pulos brigava com a ágil serpente que impiedosamente o atacava. Porém, o gato se esquivava... Cada bote desferido pela serpente fazia com que rolássemos, em seu lombo liso. Como serpente não tem cabelos... Caímos!
        Então, ouvi a mamãe falando para o meu vô:  – Coitadinha... Ah! Papai...  Ela dormiu encostada na sua perna e caiu... Vou levá-la para a cama!
Assustada com o tombo e sonolenta falei:   –  Ainda bem que consegui sair da mata! E o meu amigo formigão, mamãe?
– Que formigão, minha criança? Durma com os anjinhos... Mamãe está aqui!
– Ah! O meu formigão... Não vou mais vê-lo...
        Hoje, depois de tanto tempo... Fico perdida em pensamentos, com as doces lembranças do meu tempo de infância.
 
[1] Fulôzinha ou comadre Fulôzinha: linguagem coloquial da fábula infantil com o mesmo título, também chamada “Caipora”.

 
 
       

[1] Fulôzinha ou comadre Fulôzinha: linguagem coloquial da fábula infantil com o mesmo título, também chamada “Caipora”.



     
 
 

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EstherRogessi
Enviado por EstherRogessi em 20/03/2018
Reeditado em 27/05/2018
Código do texto: T6285315
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