A Mulher Sábia
Conta uma lenda que em um reino muito pobre vivia um casal de pastores numa pequena propriedade rural que eram muito felizes e tinham uma família numerosa e feliz. Em parte a felicidade da família esta no fato de ser a mulher o sol de seu lar, muito submissa de seu marido e das leis de Deus, procurava sempre fazer economia e utilizar todos os recursos da natureza a sua volta para alegrar a vida do marido e dos filhos, fosse com uma refeição muito gostosa, fosse com o cuidado e capricho com que cuidava da casa que apesar de simples era um lar maravilhoso.
O reino há muito tempo não tinha problemas de segurança, e todos viviam bem, até que um dos cidadãos do reino foi assassinado misteriosamente. O rei então resolveu melhorar a segurança do reino e andava as voltas com essa questão quando surgiu pelo reino um grande soldado muito versado nas artes da guerra, porém ímpio e imoral. Embora o rei não se agradasse muito desse soldado resolveu fazer dele o novo ministro da segurança.
O soldado tratou logo de se inteirar dos fatos da tal misteriosa morte, e começou uma investigação bastante minuciosa. O que deixou o rei pra lá de satisfeito com o seu novo ministro, em menos de uma semana o ministro descobriu que o assassinato havia sido cometido por um mercenário que havia se mudado para aquelas paragens há pouco tempo. Embora o soldado houvesse perseguido o mercenário que havia se passado por ferreiro, não conseguiu prendê-lo, mas ele havia fugido pra longe e certamente nunca mais apareceria por ali.
O rei não ficou muito satisfeito com a fuga do mercenário, porém ponderou, e achou que pelo menos ele teria medo de voltar até que o soldado por lá ficasse, portanto mandou chamar o soldado e lhe disse:
-Soldado, temos uma lei neste reino que todo homem que comete um crime, perde todos os seus bens, que passam a ser do rei para dispor como queira, e é condenado a morte. Esse mercenário, porém, não pode ser condenado a morte porque fugiu, mas os seus bens, a sua casa, a sua oficina passaram ser meus para dispor como quiser. Vá até a casa do ferreiro e tome posse dela, assim também todos os bens e dinheiro que houver na casa passam a ser seus, pois manda a lei que eu disponha como desejar e assim eu desejo.
O soldado partiu muito contente para a casa do ferreiro e lá encontrou muito dinheiro, muitas posses, bons móveis e uma velha serva. Mas o mercenário não tinha família. Passou a viver na casa de maneira opulenta e contratou um empregado para trabalhar na oficina de ferreiro que havia nos fundos, o que lhe proporcionava uma renda extra. Vivia ele então muito tranquilamente no reino. Mas ele não era feliz. Ele pensava em seus dias de guerra que quando tivesse uma boa casa e dinheiro suficiente para viver sem se preocupar que encontraria a felicidade.
Certo dia, porém fazendo a ronda pela praça da Igreja e avistou uma família que saia da missa, era um jovem casal e cinco lindas crianças, as crianças eram alegres e homem carregava um sorriso que nunca na vida o soldado havia visto em nenhum homem. O soldado pensou naquele momento que queria sentir também a alegria que aquele homem possuía, olhou ao lado do pastor e viu que ao lado dele havia uma mulher linda, embora a pele fosse queimada do sol ela parecia envolta em um mistério e simplicidade que o soldado julgou ser o motivo da felicidade do pastor.
O soldado sentiu naquele momento uma pontada de dor que ele não sabia exatamente onde era e ficou gravemente doente. Dias a fio ficou ele na cama remoendo como ele um soldado que tinha se feito por sua própria conta um importante ministro do rei, podia não ter algo que um simples pastor possuía, os dias passava assim em febris pensamentos e padecendo também de febre do corpo, todos pensavam que ele morreria tamanha era a sua convalescência. Todo o povo da cidade acorria como podia para amenizar os sofrimentos do ministro. Era um povo bondoso. Também o jovem pastor mandava remédios que sua esposa preparava com ervas do campo para socorrer o importante ministro, mas ele não entendia porque o ministro ficava tão consternado quando o via, deve ser o sabor amargo dos remédios que ele sabe que eu trago comigo pensava ele, mas mal sabia o pastor que a inveja que corroía o soldado-ministro era muito mais amarga que qualquer erva. Uma noite, porém, entre uma febre tão forte que sua serva achou que ele não resistiria, o soldado se lembrou de quando chegara ao reino e de repente foi como se tivesse sido atingido por um raio todas as suas tristeza desapareceu e ele pode finalmente dormir. No dia seguinte para espanto da criada quando ela acordou seu amo já estava de pé junto ao fogo aceso e tomava uma dose de conhaque com as ervas amargas que a esposa do pastor havia preparado.
Desse dia em diante o soldado só melhorava, até que ficou curado e foi ter com o rei dizendo que gostaria de dedicar-se um pouco mais a estudar as leis do reino para não cometer nenhum engano ou abuso nas atribuições de suas funções.
O soldado ia também algumas tardes ter com o pastor a respeito de como ele cuidava do rebanho e como ele entendia o mundo, quanto mais ele falava com o pastor, mais se convencia de que ele era um tolo, jamais havia lutado, não entendia muito de filosofia ou de leis, tinha um intelecto mediano, como podia ele ser tão irritantemente feliz, mais uma vez ele esticava os olhos para a esposa que bordava em uma cadeira afastada na varanda com as crianças a brincar em volta dela e se convencia que era ela o motivo da felicidade do pastor.
O soldado não padecia mais da febre do corpo, mas em muitos episódios seus pensamentos eram extremamente febris embora apresentasse uma aparência normal no corpo. Num desses dias de pensamentos febris foi ter com a mulher do pastor quando este estava nas pastagens. Ao ver que o soldado se aproximava a jovem senhora tratou de por as crianças para dentro e de atendê-lo da janela da cozinha como convinha a uma mulher casada atender um homem quando seu marido não estava.
O soldado então num rompante febril declarou-se a jovem senhora que ficou escandalizada, clamando a Deus que ele, por favor, não pensasse tais coisas e que se esquecesse dela para sempre e procurasse as jovens mulheres da corte tão belas e alvas que poderiam lhe encher de jubilo o coração.
Vendo ele como a deixara consternada tratou de ir embora e foi pensando que talvez ela tivesse razão, tratou de pedir ao rei permissão para conhecer alguma donzela solteira da corte, o rei deu-lhe permissão de frequentar então algumas soirées que eram realizadas no palácio. Ele se entreteve por um tempo nesse passatempo e esquecera quase por completo a alegria do pastor e a beleza de sua jovem esposa. Mas um dia ao voltar de uma soirée que acabará particularmente tarde viu a família do pastor que passava em direção a missa, toda aquela febre invejosa se apossou violentamente dele de modo que instantaneamente seus olhos ficaram vermelhos e injetados. Como podia um simples pastor ter a felicidade que ele que tinha a seu dispor os favores da dama que escolhesse não conseguia nem chegar perto? Ficou violentamente irado e voltou para casa como se um bicho o devorasse por dentro. Passou o dia acordado e a noite também, até que de repente acordou bem e tratou novamente de se debruçar sobre as leis do reino, mais particularmente em entender a lei que o havia feito ficar com a casa do mercenário e lá constava: “o rei poderá dispor de todos os bens do malfeitor justamente condenado, e se este possuir esposa a dará em casamento ao homem que ficar com seus bens tratando ele também de cuidar da prole que a esposa tiver, não sendo a mulher do seu agrado ela e os filhos passaram a ser servos do novo dono da propriedade.” Um sorriso malicioso perpassou sou rosto e uma idéia ignóbil começou a crescer em seu pensamento, um deslize do pastor um único. Ficou então extremamente obcecado pelas leis do reino, estudava as leis e espreitava o pastor, mas ele não cometia nem o menor dos deslizes. Porém a idéia era tão intrincada em sua cabeça e foi se tornando tão ignóbil que arquitetou ele um plano para levantar um falso, para prender o pastor e condená-lo a morte. E assim o fez.
A jovem esposa do pastor chorou amargamente a sentença que o condenava, e se entristecia por não poder fazer nada para salva-lo. Mas seu desespero ainda estava por vir. O soldado requisitará ao rei para si os bens antes pertencentes ao pastor ao que o rei aquiesceu.
Ficou ela desesperada e foi ter com o padre da paróquia ela se lamentava seu estado desgraçado de mulher e o quanto era fraca e nada podia fazer. O Padre então lhe disse: jovem senhora tens a mais preciosa das armas vossa fé e vossa oração use-as com sabedoria e tudo ficará bem, de minha parte me recusarei a celebrar o casamento enquanto não houver outro julgamento do qual eu tomarei parte como advogado de defesa.
Assim a jovem senhora foi mais tranquila para sua casa. Mas a inveja e a concupiscência do soldado-ministro eram monstruosas, e havia toldado toda a sua razão por completo. Ele tinha agora depois de cinco anos no reino um exercito sob seu comando que podia inclusive depor o rei, de modo que este não lhe negava quase nada.
Sabendo ele da recusa do padre disse ao rei que consentia no segundo julgamento, porém que como já sabia do resultado queria o casamento para já. O rei ficou consternado e lhe disse: - Mas não lhe casa o padre, que faremos?
Acaso achas que sou católico? Pouco me importa ritos e missas e igrejas, mas já que se precisa de uma celebração para o social da corte mandarei chamar o mago que vive nas colinas distantes ele consentirá em nos casar ainda esta tarde. O rei não concordava em nada com aquilo, mas já estava presa do soldado de modo que lavou as mãos e consentiu em tudo o que a mente febril de seu soldado-ministro aprouve fazer.
Quando os soldados do exercito foram com duas amas buscar a pastora para o casamento ela entrou em desespero chorou todo trajeto até o castelo, mas lá chegando veio ao seu encontro o padre seu confessor e lhe falou: lembre-se do que eu te disse em nossa ultima conversa.
Para o coração puro e dócil da pastora era um duro golpe saber que seu marido morreria, mas saber que seria entregue a outro homem antes disso em um ritual satânico a fez vomitar de nojo e repulsa. Passado isso ela se lembrou do conselho do padre.
Ajoelhou-se no quarto que lhe deram para se aprontar e assim pediu a Virgem Mãe:
Mãe Santíssima, tu sabes que eu amo meu marido. Sabes que apenas a concupiscência é que domina as ações deste ministro. Sabes também que eu nunca fiz nada que o fizesse imaginar tais coisas ou agi de modo à desperta esta paixão monstruosa. Eu vos peço Mãe que esta noite e todas as noites em que tiver de convier com este homem, quando ele chegar ao leito ignóbil deste matrimonio monstruoso que ele não veja meu rosto ou meu corpo na cama, mas o rosto e o corpo do demônio ignóbil que trama tais ardis, que ao sentir o cheiro das ervas frescas com que banharam meu corpo ele sinta o cheiro podre do pecado que ele trama consumar em meu corpo. Que por sua bondade e pela pureza de minha intensão que tudo isso o demova de cometer tal crime contra a Deus a quem jurei fidelidade a meu marido que ainda vive.
Tendo feito essa oração uma calma espantosa se apossou do coração da pastora que foi resiliente, porém confiante, para a cerimonia sacrílega que o ministro preparara. Após a cerimonia os dois foram deixados sozinhos no quarto nupcial no próprio palácio. A jovem fora colocada na cama e lá estava imóvel porem confiante na Virgem Mãe, ela sentiu o hálito alcoólico e podre do soldado que se aproximava do catre e temeu vomitar, mas permaneceu imóvel, porém ao se achegar mais perto da jovem o soldado soltou um grito de horror, havia ao seu lado na cama um ser repulsivo de carnes mortas e cheia de vermes, olhos vermelhos e demoníacos e seu cheiro era como o de 1000 soldados mortos em combate no terceiro ou quarto dia após a morte, o soldado saiu correndo do quarto desesperado.
A jovem julgou então estar livre do ignóbil ministro. Mas eis que na tarde seguinte ela ainda era prisioneira do quarto e lá vieram às amas banha-la e prepara-la para o vil “esposo”. É que o soldado atribuíra ao vinho e a ansiedade a alucinação que ele imaginava sofrido. Mais uma vez estava a jovem na cama imóvel e ele se aproximou novamente viu a criatura nojenta e sentiu o cheiro podre da morte, fugiu alucinado como da primeira vez, a jovem achou que seria então liberada no dia seguinte, mas sobreveio à tarde e lá vieram às amas banhar-lhe novamente. É que o soldado-ministro agora desconfiava que alguém estivesse tirando a jovem de lá e a substituindo pela criatura morta-viva decomposta.
Desta feita mandou vigiar a porta do quarto de modo que ninguém entrasse ou saísse depois que ela fosse banhada.
Mais uma vez adentrou a alcova e encontrou a jovem senhora imóvel na cama, mas desta vez quando ele se aproximou ainda era a jovem, respirou fundo e sentiu o aroma das rosas com que fora banhada, foi então lentamente se aproximando da jovem mulher - que clamava no silencio de seus pensamentos a Virgem Maria- fechou os olhos e puxou mais uma vez bem fundo o ar e ainda sentia o doce aroma de rosas, aproximou-se mais lhe segurou o pulso para que não lhe oferecesse resistência, fechou os olhos e se preparou para beijá-la, mas um cheiro nauseante o fez a abrir os olhos e se deparar com a criatura morta-viva das outras noites, olhou para o lado e uma senhora branca e radiante como o sol o observava e lhe disse:
“Se ousares tocar em minha filha desta forma criminosa é essa a aparência que todas as mulheres sempre lhe terão, e após sua morte serás obrigado a arrastar atrás de ti pelo inferno todas as mulheres adulteras que tomaras em pecado e todas elas lhe terão sempre esta mesma aparência por todos os séculos sem fim”.
O soldado-ministro ficou aterrorizado com as palavras da virgem soltou a jovem mulher e foi ter imediatamente com o rei, confessou-lhe o crime e orgulhoso que era não ousou pedir perdão ao rei ou ao pastor, precipitou-se da janela mais alta do castelo.
E a jovem mulher e seu pastor foram reconduzidos a sua propriedade que o rei lhes restituiu em dobro. E o pastor, contando-lhe sua esposa todo o ocorrido mando colocar na sala da propriedade uma tabuleta com a seguinte inscrição: A Sabedoria da Mulher consiste em saber rezar.