Beija-flor-dourado
No fim do Norte da Floresta Mãe, existiam muitas tribos de nativos. Em uma dessas tribos, havia uma índia de pouca beleza e que nunca havia sido cortejada por nenhum guerreiro. Era simples, cabelos muito compridos e filha de um velho nativo pescador. Tudo talvez pudesse ser diferente na vida, se não fosse o fato de ter nascido com uma anomalia que a fazia engordar muito, mesmo que não comesse nada. Os nativos guerreiros não achavam mulheres com corpos grandes bonitas. A vida inteira ela sempre ouviu que ficaria sozinha, que a felicidade jamais bateria em sua porta. Em todo o verão que ia embora, via suas amigas casando e constituindo família. Era realmente difícil não acreditar que não fora amaldiçoada ao nascer.
Duas vezes por semana ia floresta adentro caçar mel, para fazer a comida favorita de seu pai. Um doce feito com milho, castanha e mel, uma maravilha que até os Deuses amariam se provassem. Voltou da caçada, quase no fim da tarde, dessa vez foi tão difícil e cansativo achar a colméia com bom mel, que decidiu fazer o doce no dia seguinte. Comeu um pouco de peixe que seu pai havia preparado e ficou observando as estrelas, pensando quando seria sua hora de virar uma delas, se qual delas era a sua mãe e se o fato de sua mãe ter morrido com seu nascimento, seria o motivo para sua maldição de estar só.
Acordou com os primeiros cantos dos pássaros. Percebeu que seu pai já não estava em casa e havia partido para a pescaria, sem o doce que tanto gostava. Ela se apressou em fazer o doce e assim que ficou pronto, enrolou em uma folha de bananeira e foi levar pra ele. Andou pela mata por caminhos que acreditava ser mais rápido, mas quando chegou ao local da pescaria de sempre, não tinha ninguém por lá. Triste, fez seu caminho de regresso para casa, caminhou por pouco mais de meia hora, quando ouviu um barulho estranho se aproximando. Escondeu-se nas gigantes raízes das árvores e ficou observando. De dentro da mata fechada saíram quatro nativos de aldeias distantes, um deles o mais alto e belo dos rapazes, encontrou no chão do caminho, o doce embrulhado pela folha de bananeira, que ela havia deixado cair ao se esconder. O cheiro era tão bom que ao abrir, não resistiram e comeram tudo. O maior pedaço ficou pra ele, que era o líder da turma. Era possível ver no seu rosto que nunca comeu nada igual na sua vida. Encantada com a beleza do jovem e com a reação por sua comida, seguiu eles até uma grande cachoeira, que parecia familiar para os rapazes. Eles se divertiam pulando do alto na água, enquanto ela olhava apaixonada. Assim seguiram os dois meses seguintes, uma vez por semana ela preparava o doce e deixava na cachoeira que o jovem estaria. Ficava sempre a admirar seu amado degustar sua iguaria. Um belo dia ouviu os rumores que o guerreiro mais cobiçado de uma aldeia distante, casaria com aquela que fizesse o doce mais gostoso pra ele comer. Assim que confirmou que o guerreiro do torneio era o seu amado, não pensou duas vezes e partiu para a aldeia.
No dia do torneio, as mais belas índias estavam dispostas a disputar o belo rapaz. Mas ela sabia que seria a vencedora e entrou confiante para a disputa. Todos olhavam pra ela com risos e ar de superioridade. O próprio guerreiro ao cumprimentar as donzelas menosprezou a existência dela. Ao começar a disputa, ele deu a grande pista de qual seria seu doce favorito.
-Encontrei em uma cachoeira distante, a mais maravilhosa comida já feita. Espero que minha amada esteja entre vocês.
Todas se apressaram em fazer o melhor que podiam e quando terminou ele saiu experimentando cada uma das receitas. Para algumas fazia cara de bom grado, pra outras não escondia o desgosto, mas foi ao chegar à moça sonhadora, que seu aspecto mudou. Não foi preciso nem provar para saber que era aquele o doce, a aparência era a mesma, mas era pra ele indesejado que aquela moça nada atraente fosse a sua amada. Decidiu provar para confirmar o óbvio e seguiu em frente, provou até o último pranto e no final deu seu veredicto. Escolheu uma linda moça de uma aldeia próxima da sua. Devastada por ter sido ignorada pelo amado, a índia saiu correndo pela floresta sem ver pra onde ia. Parou finalmente cansada, muito longe de qualquer lugar que conhecia. Caiu no chão junto com suas lágrimas e em desespero rogou por Tupã, uma misericordiosa morte. Vendo o sofrimento da índia o Deus liberta-a de seu martírio e a transformou em um lindo beija-flor dourado, que seria amada por onde passasse.
Vivendo como beija-flor, ela pode viajar por vários cantos da floresta, entrar nas casas de todas as amigas que se casaram e descobrir que a felicidade e amor pleno eram utopias inalcançáveis. Viu suas amigas sofrerem abandonos de maridos, traições, brigas e angústias. Viu seu pai, partir dessa vida e encontrar sua mãe no Céu estrelado e também viu seu amado na cachoeira, chorando pela infeliz vida que tinha agora, com alguém que não o amava mais, desde que perdeu a beleza num acidente com fogo. Agora ela estava feliz na sua vida de pássaro vivendo pra si mesma.