PURU-ITA E OS HOMENS BONS
Puru observava a mata. Seu olhar procurava por algo que lhe inspirasse alegria. Da janela de seu ninho a visão sempre fora tristonha. O verde não era igual ao das folhas que achara certa vez, trazidas pelo vento. Desanimado, perguntou ao pai:
“Pai. Esta floresta sempre foi assim... escura?”
Sr. Uirapuru, depositando sobre a mesa o livro que lia, fitou Puru e a mata à sua frente. Levantou-se da cadeira de balanço e foi até o baú onde guarda suas relíquias.
Puru não sabia porque, mas olhar aquela mata semimorta lhe fazia chorar.
Sr. Uirapuru voltou trazendo um álbum de fotografias.
“Puru, venha cá.”
Puru enxugou as lágrimas do rosto enquanto caminhava até a mesa.
“Veja isto – apontou para a imagem de um pássaro imponente, com aparência sagrada. Vou lhe contar sobre este pássaro que foi muito importante para toda a floresta. Seu nome era Puru-Ita, chamado assim porque era valente e forte como uma pedra. Todos o respeitavam, desde o menor até o maior animal da floresta – até mesmo os homens; não por medo, mas porque era sábio e justo. Muitos o chamavam de “Guardião”, porque todos os dias ele sobrevoava a mata, cuidando para que a natureza vivesse em paz. Só que um dia, pousado no topo da mais alta árvore, avistou uma agitação descomunal na floresta. Voou velozmente para o local do alvoroço. Quando chegou, viu que homens diferentes daqueles que conhecia, montados em grande animais barulhentos e fumegantes, destruíam tudo por onde passavam. Mas Puru-Ita não teve medo. A preservação da natureza era mais importante que sua vida. Investiu contra aqueles homens e seus terríveis animais. Foi uma luta sem trégua. Apenas um sairia vencedor. Mas aqueles monstros eram muito fortes. Puru-Ita caiu. À sua frente, os terríveis animais seguiram, gritando eufóricos pela vitória conquistada e espalhando terror pela mata. No chão, Puru-Ita chorava por não conseguir evitar aquela profanação. Quando os animais sentiram a ameaça longe, foram socorrer Puru-Ita; mas, quando se aproximaram do lugar onde havia caído, não o encontraram e sim uma pedra vermelha em forma de lágrima. Esse pássaro, Puru, era seu avô. A partir desse dia a floresta deixou de ser como antes. Surgiram incêndios, desmatamentos, construções, animais se extinguiram, árvores secaram - como esta onde moramos. Dizem que toda esta floresta desaparecerá um dia. Mas sinto que você crescerá e chegará o momento...”
Puru não quis ouvir mais nada. Correu para a porta e voou. Qualquer lugar serviria para ficar. Só queria pensar um pouco, chorar, gritar. De repente, algo reluzente chamou a sua atenção. Foi ver o que era. Percebeu que estava no local que seu pai falara, onde o seu avô morrera. Quanto mais se aproximava da luz, mais sentia uma força estranha crescendo dentro de si. Nem mesmo o medo do desconhecido o impediu. Diante dele, aquela pedra vermelha. O estranho brilho o hipnotizava. Um forte desejo de abraçá-la o dominou. Chorando, pegou-a nos braços e a apertou forte junto ao coração. A pedra então começou a penetrar o peito de Puru e, num instante, desapareceu. Como se nada tivesse acontecido, Puru alçou voo, cantando alto.
Lá embaixo e por todos os cantos da floresta, os animais em festa apontavam para cima e gritavam:
“Puru-Ita! Puru-Ita!”
Quando chegou em casa, seu pai o esperava. Ouvira toda a agitação dos animais e imaginava o que acontecera. Puru estava forte, reluzente e confiante, assim como fora seu avô. Envolveu-o num abraço terno e prolongado, energizando-se para prosseguir na narrativa.
“Pai... o que aconteceu comigo?” – perguntou suavemente antes mesmo de separarem o abraço.
Sr. Uirapuru o olhou, emocionado, e revelou:
“Já estava previsto, Puru. A chegada dos homens maus, a derrota de Puru-Ita, a destruição da floresta. Mas, dias melhores também” – entonou –. “Puru-Ita ressurgiria de um seu descendente para restabelecer a natureza original da floresta. Eu sentia que seria você. Sabia que estava próximo o momento.”
Abraçaram-se apertado, novamente, confortados na cumplicidade da revelação e da descoberta.
“Agora, Puru, ou melhor, PURU-ITA” – sorriu, depositando as mãos sobre os ombros do filho –, “cabe a você realizar a última parte da profecia: percorrerá os quatro cantos destas florestas em busca de homens que possam recompor a natureza...”
“Homens, pai!?” – bradou, desvencilhando-se, com os olhos em fúria – “Como posso pedir ajuda aos homens se foram eles que fizeram isso?” – apontou para fora.
“Sim, Puru. Homens. Mas homens bons. Nem todos destroem; há os que constroem, que amam a natureza e a protegem, também.” – a voz branda do pai o acalmou – “Você deve, agora, ver as coisas com os olhos de Puru-Ita, plenos de amor, justiça, serenidade. Verá que não são simplesmente “homens”. São um homem e uma mulher já predestinados, que, no íntimo, sabem que têm uma missão, e quando encontrá-los, você saberá e eles saberão. Vá, Puru. Sei que conseguirá. Nosso futuro depende de você.”
Abraçaram-se forte e demoradamente, despedindo-se, esperançosos.
Puru-Ita alçou voo, alto e rápido como só ele era capaz, feliz e certo de cumprir o seu destino. Marcou com seu cantar longo e melodioso o irromper de novos dias.