O CORONEL E A BARATA

Lá no sertão, naqueles tempos, tinha um coronel muito do estribado dos cobres, dono de muitas terras a perder de vista, muito proseador, sabe-tudo, bravateiro até o meio das canelas. Orgulhoso e valentão que nem o Mata-Sete. Só porque tinha dinheiro metido nos cós, ele achava que mandava em todo mundo. E mandava mesmo.

Num tinha nada que ele num soubesse. Metia o bedelho em tudo o que não lhe dizia respeito, ralhava com tudo e com todos, dava palpite até nas coisas das mulheres. Porque tem assunto de mulher que os homens num entende nem que a vaca tussa, mas o coronel, esse sim, sabia de tudo. Num tinha um assunto que ele num botasse a colher.

Só ele tinha razão, só ele estava certo e ponto final.

A mulher dele, coitada, já conhecendo o jeito do coronel, mal pronunciava sequer uma palavrinha de nada, nem discordava dele com medo de levar um coice do bruto.

E era assim mesmo, esse coronel, cagado e cuspido.

Naqueles tempos no sertão, era comum os ricos fazendeiros convidarem o padre da paróquia para almoçar nas fazendas. O coronel, que não era muito católico nem religioso, fazia questão de chamar o padre, que era um modo dele se amostrar para os outros fazendeiros da região.

Depois do farto almoço, de bucho cheio, ele se refestelava numa cadeira de balanço na varanda para esperar o cafezinho.

Ele queria mesmo era começar uma prosa com o padre.

- Pois seu padre, eu lhe digo uma coisa: Deus fez o mundo e as criaturas, foi não?

- Foi sim, senhor coronel. Deus criou o homem e todas as outras criaturas, de forma que não faltasse nenhuma.

- Pois eu lhe digo, vossa eminência, que Deus criou umas coisas que não devia.

- Que é isso, coronel, não diga essa blasfêmia! Tudo o que Deus criou tem uma finalidade.

- Pois eu digo que não! Por exemplo: a barata!

- Que é que tem a barata?

- Não serve para nada. O senhor não concorda comigo? Pra que diacho serve uma barata?

- Ora, coronel, isso nós não sabemos, mas com certeza a barata tem o seu papel no mundo.

- Pois eu digo que não! Deus não precisava criar a barata!

Nesse dia então, a discussão foi longa. O padre, muito paciente, na maioria das vezes, ficava ouvindo as explicações do coronel acerca de tudo o que havia no mundo e que, no entender dele, deveria ser de outro jeito e não do jeito que existia.

E assim foi, conforme dito.

No dia seguinte, porém, o coronel amanheceu adoentado. Se queixava de uma dor no baixo ventre e que não conseguia urinar por mais que tentasse. A contragosto foi ao médico. Fizeram uma parafernália de exames e nada, o coronel não tinha nada que explicasse aquela dificuldade de urinar.

Foi quando a mulher dele chamou uma rezadeira. O coronel ficou meio cabreiro, mas na situação em que ele se achava, uma rezadeira era melhor do que o diabo de nada. A rezadeira chegou e começou a rezar com um ramo de jasmim em cima do coronel prostrado na cama. Pegou um saco cheio de ervas e misturas e preparou um chá pro coronel.

- Com esse chá o sinhô vai ficar curado ainda hoje mermo. - disse a benzedeira fazendo sinal da cruz no incrédulo coronel.

No dia seguinte o coronel acordou disposto. Foi no mato e mijou como um touro. Era mijo que num acabava mais. Ficou muito contente da vida e mandou chamar a tal rezadeira para poder lhe retribuir com uma generosa quantia de dinheiro e o que mais ela assim desejasse, afinal ela o tinha curado.

Quando a rezadeira chegou, o coronel foi logo perguntando de supetão.

- Dona Chiquinha, me diga uma coisa: que chá milagroso foi aquele que a senhora me deu pra beber?

- Seu dotô coroné, foi de chá de barata! É tiro e queda.

Nem é preciso dizer que naquele momento o coronel emudeceu. Teve que admitir que o padre tinha razão quando disse que a barata tem o seu papel no mundo.

E num é que tem mesmo?

(CONTO POPULAR NORDESTINO: A LIÇÃO DA BARATA)