FÁBULA RECONTADA: "O JARDINEIRO TIRANO"
"Experiência é o nome que todos dão aos erros."
(Oscar Wilde, escritor irlandês - 1854/1900)
Era uma vez, no mundo do faz de conta, uma cidade que possuía um lindo jardim.
Era um jardim grande, com grama verde e macia, com flores belas, árvores frutíferas, aqui e ali, que floriam na primavera e produziam frutos no outono, de variados perfumes e sabores.
Esse lugar atraia lindas borboletas, escaravelhos multicoloridos, pequenos serelepes (esquilos) e lindas aves, que encantavam mais ainda o lugar com seus belos trinados.
Todas as tardes, quando saiam das escolas, as crianças costumavam brincar neste lindo jardim; e, mais tarde, seus pais se reuniam a elas e as famílias se confraternizavam.
De modo que a beleza do jardim, era a promessa da felicidade, que se exercia nas pessoas diariamente.
E assim todos eram felizes.
Mas o jardim tinha um dono.
Seu proprietário era Leviatã, um gigante, que tinha centenas de anos e que viveria ainda mais centenas de anos, como é da natureza dessa espécie.
Nesse tempo em que a cidade fez uso do jardim, Leviatã estivera ausente, visitando o Ogro de Longe-a-Beça, onde ficara por vários anos.
Um dia, no início do inverno, Leviatã voltou.
Ao chegar viu as crianças e as famílias brincando em seu jardim.
Não gostou.
"O que estão fazendo aqui?"
"Saiam do meu jardim".
Ríspido, cruel, não deu ouvido aos pedidos da sociedade, expulsou a todos do jardim.
Em torno dele ergueu um alto muro e alertas que diziam: "Proibido", "Keep out !", "Caiam Fora !", "Invasores serão expulsos na violência e processados !".
Violência e "processados" eram palavras que não combinavam entre si, mas Leviatã tinha relação e interesse com os juízes, de modo que podia perfeitamente fazer a ameaça e gozar da injustiça.
As pobres crianças não tinham mais onde brincar.
As famílias não tinham mais onde se reunir.
De modo que ficavam ao longe, a fitarem os cartazes e o alto e horroroso muro e lamentarem:
"Como eramos felizes !"
Então veio a primavera em todo o país cobriu-se de flores, borboletas e pássaros.
Mas no jardim de Leviatã continuou o inverno.
Veio o outono e por todos lugares haviam frutos.
No jardim de Leviatã continuou inverno.
Veio o verão e no jardim de Leviatã continuou inverno.
E esse círculo e estado de coisas se repetiu por muitos anos.
Leviatã, todo encapotado e tremendo de frio em torno de uma pobre fogueira (que não aquecia coisa alguma), lamentava-se:
"Aqui é sempre inverno; a natureza esqueceu-se desse jardim."
E veio para ficar a Nevada e a Geada, que ficaram satisfeitos com o lugar: "que lugar delicioso!"
Prontamente as duas convidaram para morar no jardim o Vento do Norte, que chegou furioso, com seus filhos Redemoinhos e Avalanches.
E veio, também, para acompanhá-los, (já que eram todos parentes), o terrível Granizo.
Tudo ao redor era branco e cinza, sem vida.
Não havia relva, nem flores, nem frutos, nem borboletas, nem pássaros, nem crianças.
Tornou-se um lugar muito triste.
Leviatã, encostado a um canto do seu alto muro, de nariz escorrendo e gelado de dar pena, imaginando medidas que pudessem mudar o estado das coisas, lamentava-se a todo instante:
"Tomara que tudo volte como era antes!"
Em sua tola cabeça, maquinava mirabolantes medidas, mas era incapaz de reconhecer seu erro e simplesmente demolir os altos muros ao redor do jardim, para que as coisas voltassem ao que eram antes.
Nessa situação passaram-se vinte anos.
Vinte primaveras, outonos e verões.
E o inverno intercalado, entre eles, estação necessária para que os demais tempos pudessem descansar.
Durante vinte anos a beleza do jardim deixou de encantar o povo da cidade.
Como a beleza e o encanto são as promessas da felicidade - o que já disse no início;
em vinte anos a cidade formou adultos infelizes, que geraram filhos infelizes e toda infelicidade construiu uma cidade infeliz.
E, quando finalmente Leviatã reconheceu o erro e destruiu os muros, encontrou uma cidade desiludida e desinteressada do jardim.
O eterno inverno de Leviatã já havia produzido seu nefasto destino:
"corroera a felicidade e as boas virtudes".
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"Toda uma geração está condenada."
(Relator da ONU sobre a PEC 55)
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NOTAS: Este conto é parcialmente inspirado na fábula "O Gigante Egoísta", retirada de uma série de contos de autoria de Oscar Wilde, escritos para seus filhos, onde ele procura transmitir as futuras gerações sentimentos poéticos, emotivos, piedade, compaixão, com o intuito de despertar reflexão moral sobre a natureza e conduta humana.
Wilde nasceu na Irlanda, estudou na Inglaterra e morreu em desterro no França.
Escreveu apenas um romance: "O retrato de Dorian Gray"; e inúmeras peças teatrais: "A importância de ser prudente", "O leque de Lady Windermere", "Uma mulher sem importância", "O Marido Ideal", etc.
Irônico, mordaz e agressivo intelectual contra a sociedade de aparências, foi perseguido por sua bisexualidade e "processado e condenado" na Inglaterra por "conduta indecente".
É pecado mortal passar por esta vida sem ler as obras de Oscar Wilde.
Figura importante da literatura universal, os intelectuais de todo mundo, (acho que pela última vez), em 1994 fizeram pedido à rainha da Inglaterra para revogar as injustas condenações à Wilde.
O pedido foi recusado.
Wilde foi a primeira pessoa a ser condenada por homosexualidade na Inglaterra. Antes dele não havia definição de crime.
E, se não me engano, foi o único.
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Obrigado pela leitura.
Fiquem com Deus neste Natal e tenham
ótimas esperanças neste Ano Novo.
Sajob - dezembro / 2015 + 1
(Esse ano foi tão ruim que nem quero
pronunciá-lo.
Doravante será: 2015 + 1)
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