A Escrava da Lua Cheia
Conta-se que no primeiro dia de lua cheia no mês de novembro o espirito da escrava Isabel vagueia pelas ruas de Olinda, caso os terreiros da cidade não consigam, simultaneamente, ecoarem seus tambores em sua homenagem. A lenda diz que os grupos devem ser categóricos, calculistas e tocarem em sintonia... O não cumprimento traz agonia aos munícipes dessa terra, a assombração é impiedosa.
Sequestrada ainda criança de sua família nas terras do lugar que hoje se chama Ruanda foi vendida em Angola e chegou ao Brasil com o séquito do donatário Duarte Coelho. Não se conta seu nome de batismo, Isabel é seu nome convertido. Diz-se que fora um milagre sobreviver à travessia do Atlântico. Sozinha sem nenhum parente foi protegida por Mimi e seu marido Chad durante a viagem.
Cresceu e se tornou uma bela moça, causando ciumeira nas iaiás que compunham o círculo entre os prósperos Coelho e Albuquerque. Os rapazotes mesmo encantados não se aproximavam de Isabel, os rumores entre os cativos era que ela carregava a marca do mal. Foi a forma que Mimi e Chad encontrou para protegê-la, já que foram separados no desembarque. Essa história se espalhou além da senzala, e a menina crescia sem muito assédio dos homens. Mas, não foi suficiente para lhe defender da inveja das sinhazinhas.
Afonsa e Cândida eram aparentadas de Jerônimo (cunhado de Duarte Coelho) não se sabe o grau, meninas que contavam quinze anos do dia 24 de novembro de 1550. Na noite deste dia elas decidiram testa o sobrenatural que havia em Isabel. Com a ajuda de um capataz, prenderam a no porão, acorrentada e virada com o rosto para parede. Despiram a em busca da tal marca. Riram porque não encontraram nada e por isso resolveram presenteá-la com marcas de verdade. Empunharam o chicote e não cessaram. A pobre Isabel não entendia o motivo de tanto ódio, afinal ela era vítima desde sempre, gritava descompassadamente, mas, a ajuda não veio. Entre lágrimas usou as únicas palavras de sua língua que conseguiu lembrar e balbuciou “Deus me leve”. As carrascas entenderam como uma espécie de conjuração e aplicaram golpes com mais força, até que os gritos acabaram e juntos com eles a vida em Isabel.
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O primeiro dia de lua cheia de novembro de 1551 foi marcado por três mortes: a menina Afonsa, o capataz cúmplice e uma escrava que era da mesma senzala de Isabel. Os três degolados por uma adaga. O dia seguinte foi bem pior: animais, jesuítas, brancos e negros além de degolados eram tomados por mal súbitos, doenças sem explicação. O que seguiu durante o ciclo da lua, que no seu último dia teve o suicídio de Cândida, encontrada com a lâmina tiradora de vidas. Não só daquele ano, mas, nos seguintes aquela desolação ocorreu. Por mais que todos evitassem falar a retaliação de Isabel era real, e daí surgiu a Escrava da Lua Cheia.
Em novembro de 1554 a próspera vila que já havia perdido seu glorioso donatário, que conta-se ter sido acometido por um mal no ano anterior, já acorda aterrorizada esperando o pior. Mas, eis que acontece um movimento inesperado. Ao escurecer tambores soaram. Por instinto os irmãos africanos de Isabel, resolveram cantar para tranquilizar sua alma. E nada aconteceu. O ritual repetiu-se nos até o último dia do ciclo. A tradição repassada durante os anos e séculos seguintes. Todas as vezes que não foi respeitada a sincronia, as noites de lua cheia de novembro em Olinda foram desastrosas.
Hoje houve um atraso. A incredibilidade dos homens tem aumentado. Os que conhecem e respeitam a tradição já estão trancados em suas casas, o que não é suficiente para se esconder da ira de Isabel. O som das correntes se arrastando já ecoou na minha casa certa vez, levou-me meus pais. Depois disso fico sempre pronto... Não relutarei se novamente for escolhido, afinal nós é que carregamos a marca do mal.
Tarcísio Oliveira
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