A Pirata do Cabo sextavado
A PIRATA DO CABO SEXTAVADO
A PIRATA DE CABO SEXTAVADO.
Na vila São Sebastião tinha esse nome em homenagem a um fazendeiro
local, de nome Sebastião (Tião do Bueiro). Ali existia só o comércio do
Zelão. Não era grande coisa, mas não podia ser chamado apenas de Café
ou Buteco. Lá servia comida: prato feito e quem quisesse, podia ir servir
nas panelas na cozinha.
Não era só restaurante não, pois além de comida e bebida, lá vendia
também, secos & molhados, tecidos, ferragens e muito mais. Era uma
lojona chamada, Venda do Zelão, com balcão de peroba rosa, enfeitado
com grosso rolo de fumo (tabaco), onde também o vendeiro servia
cachaça, tira gostos, etc.
Depois do balcão comprido, pegando de parede a parede, que Zelão para
sair, tinha que saltálo, se encontrava as prateleiras e vitrines cheias de
mercadorias.
Antes do balcão, tinha um espaço para recepção/espaço de fora, tinham
três portas para entrada. Ali, no referido espaço existiam bancos de
madeira ao longo das paredes para acomodar parte dos tantos fregueses
que ali se acumulavam esperando a jardineira que vinha de uma cidade
para outra e fazia parada na venda para embarque, desembarque e
lanche dos passageiros que continuassem viagem.
Ao lado da venda tinha uma mei’água com quatro quartos providos de
camas, que Zelão alugava a possíveis viandantes que precisassem
pernoitar na vila.
A velha jardineira passava dia sim dia não, inclusive aos domingos à
tarde trazendo passageiros, notícias das cidades e muita poeira. Parava
entre a venda de Zelão e três árvores enfileiradas que existiam ali em
frente: um pé de tinguí, um pequizeiro e um baruzeiro que faziam
sombras, onde os muitos fregueses amarravam seus cavalos.
Ao lado da venda existia uma tosca, porém, grande construção sobre
esteios, coberta com folhas de palmeiras e com paredes de bambu a
pique, destinava a bailes nos fins de semanas e feriados. Estes, bem
freqüentados, pois o povo local era sedento de diversão, ingrediente ali
escasso.
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Depois das árvores, existia um descampado gramado com duas traves,
aonde todos os domingos à tarde, os atletas da região realizavam
atrativa, animada e disputada partida de futebol. As partidas eram
assistidas por respeitável número de pessoas: homens, mulheres de
todas as idades e crianças. A noite havia os bailes ao som de acordeom,
pandeiros e zabumbas.
Mais no fundo, depois do “campo de futebol”, existia aproximadamente,
dúzia e meia de casas residenciais, humildes, cobertas de telhas comuns
e com paredes de adobe ou taipas, geralmente sem reboco e sem
pinturas. Entre elas existia uma pequena igreja católica, num chalé
branquinho, pintado a cal e tinha porta larga de madeira, pintada a tinta
a óleo, azul. Por isso a localidade era tida por todos, como vila.
Naquela Região existia o filho de Tião, Zé do Bueiro, o “manda chuva.”
Com quarenta e poucos anos de idade, era um fazendeiro respeitado,
moreno, alto, corpulento e temido pelos demais. Era quem dava as
ordens na região. Homem sério, de pouca conversa, voz mansa, rouca e
pastosa. Contudo, tratavase de um homem honesto e trabalhador, rígido
ao extremo, que não tolerava destempero dos subordinados ou mesmo,
de outras pessoas. Tinha tez morena, curtida pelo sol, mãos grandes
fortes e calejadas, cabelos sempre aparados, usava chapéu de feltro,
barba cerrada, sempre aparada e nunca raspada e usava bigodes
grossos. Era casado e tinha uma única, mas linda filha, Rosa Maria,
Rosinha de dezessete anos de idade.
Homem de muitas posses, Zé do Bueiro tinha a fazenda mais importante
da região, Faz. Bueiro, além de outras propriedades e centenas de
cabeças de gado bovino e outros animais. Era dono do único veículo
automotor existente na região, uma picape. Mas, andava sempre a
cavalo e costumava ter nas mãos, uma pirata (espécie de chicote com
cabo de madeira usado para instigar a montaria), este em particular, de
cabo de cerne de aroeira vermelhinho, despontado, sextavado e bem
polido, com látego de seis tiras de couro trançada, muitas vezes,
também para ameaçar pessoas ou usar contra as mesmas, se
resistissem suas ordens e vontades, com desaforo, na sua concepção.
Se o verdugo entendesse que os açoites no corpo de suas vítimas eram
insuficientes completava com o uso do cabo na cabeça.
Já, algumas vezes na venda, pessoas testemunharam o uso daquele
chicote em alguns bêbados afoitos que excederam na bebida e hesitaram
no respeito.
Um dos muitos que experimentaram a famosa pirata, foi um mascate de
nome Bié. Era um jovem bem letrado da cidade, bonito, caixeiroviajante
de pouca estatura, magrinho, que passava pela região periodicamente
montado a cavalo vendendo perfumes, cosméticos e outras bugigangas.
Como de costume, no dia 20 de janeiro da de São Sebastião de um ano
qualquer, dia de festa na vila, Bié havia chegado e parado na venda, a
tardezinha para com os nativos festejar a data. Depois de alguns, não
muitos goles se envolveu numa discussão política com Zé do Bueiro.
Segundo este o rapaz não lhe dispensou o respeito a que estava
acostumado e que exigia. Isso, simplesmente porque questionou as
qualidades atribuídas por ele a determinado candidato a eleição, para o
executivo municipal. A discussão esquentou e o opositor, Zé do Bueiro
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segurouo pelo braço e surrouo gritando: – você está me desmentindo,
me chamando de mentiroso, seu moleque!
Bié enquanto era surrado dolorosamente, com o látego da pirata,
gritava: – Eu não chamei o senhor de mentiroso não!
Ao terminar de sofrer a doída surra, mesmo sendo tarde e já havendo
reservado o quarto, Bié acertou a conta, montou o seu cavalo,
desapareceu e jamais voltou! Sequer deu notícias. Por muito tempo o
acontecido foi comentado e elogiado por pessoas que diziam: – “ O
mascatezinho apanhou de chicote igual a menino vadio”(na época era
costume os pais surrarem os filho com a famosa pirata, segurandoos
pelo braço). Zé do Bueiro era admirado, venerado e temido!
O tempo que não para e a tudo cura, passou, mas não curou a dor de
Bié. Pouca gente se lembrava do ocorrido, pois continuou a acontecer e
existiam outros episódios da mesma natureza para ser lembrados e
comentados. O povo pensava, e Zé do Bueiro tinha certeza de que o
tempo havia curado as feridas que seu chicote malvado provocara no
corpo de Bié, como também curara a mágoa em sua alma. Foram tantos
casos assim que Zé do Bueiro esquecera quantos e já havia esquecido os
mais antigos, o de Bié, por exemplo.
Naquela tarde de domingo, dia 20 de janeiro, já distante daquele em que
Bié fora açoitado, mais uma vez festejariam o dia de São Sebastião,
“santo padroeiro daquela comunidade fundada por Tião.” Naquele dia a
tarde haveria futebol, a noite a reza e depois o baile animado pelos
músicos locais e um cantor vindo da cidade que estava sendo esperado
com curiosidade por todos e viria na jardineira.
Naquele ano, a festa era especial, era a primeira vez que contaria com
um cantor de fora, patrocinado por Zé do Bueiro. A venda estava cheia e
animada. O assunto era aquele cantador que cantava sozinho! Não era
dupla de caipiras não! Isso fugia os costumes da época.
A faxina foi realizada com esmero, na casa de bailes, os músicos já
ensaiavam e afinavam os instrumentos para não fazer feio perante o
cantor de fora! O povo já usava roupa domingueira e todos correram
para assistirem a chegada da jardineira, espetáculo muito esperado nos
dias e naquele dia, mais ainda, pois trazia o cantor! As pessoas que se
encontravam no interior da venda saíram para presenciar o
acontecimento e testemunhar a chegada do artista.
Zé do Bueiro permanecia sentado em seu banquinho encostado na
parede, do lado de fora, em frente para a jardineira. Se mostrava
desinteressado, alheio ao entusiasmo dos demais. Segurava a sua pirata
pronta para entrar em ação, se necessário. Afinal, ele era a autoridade
ali.
Rosinha, com algumas amigas jovens, de sua faixa etária, ao lado da
jardineira examinava cada pessoa que descia e tentavam identificar o
cantor com comentários típicos de adolescentes. Antes já haviam, ela e
as outras, tentado imaginálo e descrevêlo em comentários entre elas,
imaginandoo um rapaz como muitos da cidade: desinibido, bonito,
cortejador, vestido com esmero, tocador de violão e de voz aveludada
pela qual transmitia amor em forma de canções. De repente vira descer
da jardineira um senhor gorducho, de meia idade usando terno de linho
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Sobre o autor
Jaques Valadares
Samambaia Distrito Federal Brasil, 68 anos
39 textos (425 leituras)
1 elivros (17 leituras)
(estatísticas atualizadas diariamente última atualização em 04/10/16 13:42)
Perfil
Textos
Elivros
Contato
branco e lenço estampado com cores vivas, amarrado no pescoço, a
título de gravata e usando chapéu preto de abas bem estreitas e trazia
um violão nas costas e se dirigiu ao estabelecimento. Não tiveram
dúvidas, descuidaram e gritaram ao mesmo tempo: – É ele, o cantor!
O senhor voltou sorrindo, num aceno cumprimentouas e continuou rumo
à venda.
Logo em seguida parou atrás da jardineira, um jeep, do qual desceu um
rapaz bonito, já maduro, bem claro usando calças Lee desbotada e
camisa por dentro das calças e tinha um blusão de couro sobre o braço
direito dobrado na altura do umbigo encobrindo sua mão e o que ela
segurava.
Rosinha entre risadinhas maldosas disse para as colegas: – Preferia que
fosse este, o cantor.
O rapaz decidido, caminhando a largos passos, parou em frente Zé do
Bueiro e falou claro e em bom som, todavia, sem gritar:
– Levante Seu Zé para receber o troco da surra que o senhor deu em
Bié. Eu não mato homem sentado.
Zé do Bueiro num instinto de autopreservação saltou como um felino,
mas recebeu uma bala, calibre de trinta e oito, na testa. Foi um só tiro
que o fez cair sobre a sua famosa pirata. Bié acenou uma despedida para
as jovens e saiu caminhando calmamente, subiu no jeep, funcionouo,
engrenou a marcha ré, manobrou, voltou pela mesma estrada e
desapareceu.
Não houve a festa, não ouviram o cantor, mas confirmaram que homem
valente não fica velho não!
Jaques Valadares
Enviado por Jaques Valadares em 03/02/2