RINOCERONTE REACIONÁRIO

Ao passar pela loja e ouvir a suave melodia que vinha daquela caixinha de música, o Rinoceronte Reacionário sentiu um enorme desconforto. “Isso é lá música que se aprecie! ” — Deve ter imaginado mais ou menos isso, pois resolveu entrar e, aproximando-se por trás da vitrine, arrancou a bailarina do minúsculo palco, jogando-a, em seguida, no meio da rua.

Mesmo assim, a caixinha continuou a tocar, o que o irritou profundamente. Nesse caso, bastou apenas que repousasse a sua enorme pata sobre o objeto desafeto, quando então ouviu-se o som onomatopaico crack!

O dono da loja era um camelo que, além de outros objetos musicais, vendia também agulhas de costura de fundos enormes. Veio rápido lá de dentro já com uma maquininha de cartão. Quando ia abrir a boca para falar alguma coisa, o Rinoceronte Reacionário o interrompeu:

— Senhor dromedário, por acaso tens aí o Renato e seus Blue Caps?

O camelo, que se surpreendera com aquela pergunta, hesitou por um instante e, refletindo, pensou em dizer ao Rinoceronte Reacionário que ele não era um dromedário, que possuía duas corcovas e não apenas uma, como os seus primos, os verdadeiros dromedários. Mas não disse. Pensou ainda em lhe dizer que aquele prejuízo causado lhe custaria a bagatela de vinte e cinco dinheiros; que poderia, inclusive, parcelar em até duas vezes. Também não disse, mas:

— Senhor Rinoceronte...

— Reacionário! Rinoceronte Reacionário.

— Ah, sim! Pois, bem, senhor Rinoceronte Reacionário... já leste o evangelho de Mateus...?

Duas horas depois, o Rinoceronte Reacionário saiu da loja todo sorridente e achando que era camelo, que poderia passar pelo fundo de uma agulha.

Masé Quadros
Enviado por Masé Quadros em 25/06/2016
Reeditado em 16/11/2022
Código do texto: T5678521
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.