FÁBULA RECONTADA: "O REI E A MONTANHA"

"Agora vamos para o cemitério

levar os corpos dos desiludidos

encaixotados competentemente

paixões de primeira e de segunda classe."

("Necrológio dos Desiludidos", Carlos Drummond

de Andrade).

Havia no reino do faz de conta um lindo país onde o povo era feliz.

Esse reino tinha um rei, que morava num belíssimo castelo.

Mas o rei estava insatisfeito.

O maravilhoso castelo ficava atrás de uma pequena montanha.

O povo gostava da montanha, que tinha belas árvores, floria na primavera, servia para que o povo nele subisse e se deslumbrasse com a incrível vista; uma visão tão linda, que era o resumo de todos os desejos de felicidade geral.

Mas o rei não gostava da montanha.

Dizia que o morro atrapalhava a visão do castelo pelo povo.

E o castelo era símbolo do seu poder.

Perguntava-se: como poderia dominar absolutamente o povo, se o povo não enxergava o principal símbolo da sua autoridade: o castelo com sua ponte de elevar, suas torres, fortificações, os canhões temerários, a ronda dos soldados armados de espadas para cumprirem suas ordens e forçar a obediência do povo.

Aquela pequena montanha, linda a seu modo pacífico, era um entrave.

Então o rei baixou um decreto para remover a montanha.

Seria uma obra espetacular, empregaria muita gente, e onde havia montanha haveria planisse, para que o povo, sempre olhasse o castelo e temesse.

Mas o povo se rebelou.

Foi feita uma votação e o povo escolheu que a montanha continuaria onde estava e sempre esteve.

O rei sentiu a derrota como ofensa pessoal.

Então resolveu aparecer na televisão do reino, (é cara, é uma fábula moderna!), e disse que acataria a vontade do povo.

E mais.

Já que o povo gostava tanto da montanha ele, o rei absoluto, faria melhoramentos nela; ajardinaria, colocaria bancos para os casais namorarem, quiosque para reunião de família e tudo mais.

O povo aceitou a oferta como grande benefício do rei.

E o rei contratou os obreiros para fazerem o trabalho.

Munidos de carriolas e pás, aos poucos foram melhorando as arestas da montanha, ao pouco foram horizontalizando o vertical, aos poucos esparramou-se terra.

A grande obra demorou anos.

Até que no final não restasse mais montanha.

Só um jardim de faz de conta.

Triste e mal cuidado,

Que revela, na plenitude, o grande e autoritário castelo.

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Um abraço,

obrigado pela visita e pela leitura.

Sajob - maio/2016