Ponto de Partida
Vinte e cinco de dezembro de dois mil... pouco importava quais números pudessem vir após o dois mil. Essa data surgia como a última flor em desabrocho para Denis Presa. Não apenas pela representação do nascimento do mestre que guardou dentro do seu peito. Também por aquela quase ilógica vibração, no íntimo, de pertencimento. Quando os números do calendário pregados na parede, iluminados pelas luzes frágeis e indecisas, atingiam esse dia sentia ter identidade. Sempre contou os meses para que chegasse a esperada e celebrada semana dourada, onde o seu coração se conectava com outros e trocavam simplesmente qualquer experiência perdida pelos meses de olhares desviados. Em um semblante leve, sua alma transmutava por todas as instâncias de paz. No aconchego tão rápido dos braços calorosos e nas incursões espaciais em olhares... sentia ser parte daquele mundo, identificado a um grupo e não apenas o mesmo estrangeiro inculto do idioma dos nativos.
Um sorriso tímido, mas sincero, estampava em seu rosto ao reviver todas as imagens da ceia simples, porém atipicamente farta, que celebravam nos dias vinte e cinco e novamente. Mesmo desconhecendo os motivos ao certo da razão do rito louvava ao mestre por aquilo sempre existir. Pois poderia compartilhar um pedaço de sua alma e tocar em partes de outras na preciosa comunicação de vida com as pessoas que estavam todos os dias ao seu lado, mesmo não estando todos os dias de fato. Era estranho, mas somente naquele dia, somente naquele momento, sentia algo como amor, ou um afeto profundo, pelas pessoas do convívio. Mesmo não dizendo e não demonstrando, sentia e já era o suficiente para ser sublime e de palavras não ditas as noites caminhavam, todos os anos de forma parecida.
As noite ganhavam um quê de mágica, pois era a data em que seu primo chegava do oriente com as mais esquisitas histórias e igualmente os mais esquisitos presentes. Toda e qualquer ação possuía uma identificação pessoal e singular. O mestre propiciava de longe a boa perspectiva de sua existência naquele momento.
No entanto, nunca pode esquecer-se de quando caminhava para as montanhas e viu seu mestre parado, em pé, distante de tudo e fitando o nada. Foi em uma data muito longe de dezembro, mais precisamente no meio do ano, quando todos os sonhos já foram esmagados e tudo jogado para a deturpada massa de ilusões do novo ano. Pensou em saudá-lo, mas apenas se lançou em reverencia. Ele o percebeu e o acalentou, levantando-o e afirmando que iria partir. Confuso, Denis Presa perguntou os motivos e como ele viveria sem a sua presença... o mestre apontou para a via vazia e para o coração do rapaz partindo na mesma direção ante havia fitado.
O mestre sumiu e ficou um vácuo. A mesa da ceia já não era a mesma, os olhares não mais o levava a lugar nenhum senão para a recusa. Na mesa o alimento jazia, na mesa sozinha e de cadeiras sem gente nada era representado. A sala estava cheia... Cada um disperso em seu canto com as suas dores e seus próprios pensamentos. Do oriente nada vinha, o seu primo havia morrido, acabaram-se as histórias, acabaram-se os presentes. Denis Presa tentou chorar naquele dia em que enfeitava a árvore com as luzes indecisas, mas as lágrimas não queriam fugir, estavam guardadas no coração que havia sido protegido por pedras.
Parecia que no fim a festa para o mestre era só ilusão. Ela não representava mais nada desde que ele se foi. Porém, as pessoas ao seu resor ainda tentavam ressuscitar o antigo espírito magistral com louvores para esse que havia deixado Denis. E eles tentavam forçosamente levantar. Não havia culpa embora ela rondasse pelo ar e nas tentativas uma aguda tristeza feria a cada um... era decepcionante como tudo havia terminado, com as vozes frágeis tentando entonar qualquer coisa, frente a um alimento e um clima propício ao fim.
Entretanto, Denis olhava, fitava qualquer coisa, um objeto aleatório, nele avistava todos os velhos erros, culpas, contradições, incompreensões e todas as terríveis consequências. Ali observando o pano de mesa, sem nada especial, durante a reza, sabia que a mudança estaria em suas mãos. Algo especial despertava em seu peito, e aquele que partiu já havia o revelado, ele via na escuridão e por além da abstração um ponto de partida.