A Cobra e o Coração
Certa vez tinha uma cobra num quartinho de ferramentas no fundo da minha casa. Juntou a molecada e o restante da vizinhança jogando pedras e insultando a infeliz. Ferida em sua dignidade, saiu a cobra rastejando mas com a cabeça erguida.
Havia veneno em suas presas e sua língua sibilava palavras de vingança quanto às pessoas, que se aproveitando da multidão, não respeitavam seus direitos e não a reconheciam como criatura de Deus. Quanto mais se afastava, mais as pedras lhe atingiam e em meio a dor, colocou-se em uma aflita oração pedindo por sua vida junto àquele que a tornou possível e que realmente tem direito de tirá-la.
Um moleque se aproximou dela com uma enxada, via a cobra que seu momento tinha chegado, e consternada em oração, pediu a Deus que a recebesse num outro mundo perdoada por sua geração.
O menino que vinha em direção a cobra, viu humanidade no medo singelo da cobra, que já sentia e se conformava que sua vida não lhe pertencia, esperando o momento de partir. Erguendo-a com uma enxada, a protegeu das pedras lançadas pelo mundo e deu uma nova chance a cobra.
A mesma enxada que serviria a crueldade do mundo serviu a vontade de Deus. Aprendeu o menino que o coração do homens possui ainda mais veneno que qualquer cobra, poderia matar mais que qualquer serpente.