A gaiola de ouro

Liberdade é a coisa mais valiosa que existe. Sem ela somos como pássaros em gaiolas. Esse conto irá fazer uma reflexão sobre liberdade através de algumas histórias ligadas a liberdade.

*

Paola voltou para seu lar após mais um dia duro na escola. Subiu rapidamente as escadas com sua mochila rosa nas costas. Quando chegou em seu apartamento abriu a porta com a chave que seu pai havia lhe dado e se sentou para comer sozinha. Como sempre fazia devido a rotina de seus pais.

Ela tinha uma vida muito boa. Tinha muitas coisas de valor. Todavia para que essa vida seja possível seus pais tem que trabalhar muito e não tem muito tempo para os filhos.

Essa situação, mesmo depois de anos, incomodava Paola. A solidão a prendia como uma gaiola.

Pietro e Paula, seus irmão pareciam ter se acostumado com a situação. Não reclamavam e foram procurar em outras coisas o que não tinham em casa. Pietro seguia os passos dos pais, passava todas as horas em que não estava dormindo trabalhando ou estudando e Paula... Bem, Paula seguiu por um caminho mais perigoso. Paola sentia falta da presença e companhia da irmã. Tudo era mais fácil com a companhia dela.

Paola tentou afastar os pensamentos da irmã. Pensar em Paula era sempre doloroso. Ela suspirou e ligou o rádio. Por coincidência estava tocando uma música que parecia contar a história de Paula.

Por alguns momentos pensou em mudar de estação, porém seu coração dizia para deixar. Assim ela fez. A menina fechou os olhos e deixou a música Clarisse de Renato Russo e as lembranças entrarem em seu coração:

"Estou cansado de ser vilipendiado.incompreendido e descartado

Quem diz que me entende nunca quis saber

Aquele menino foi internado numa clínica

Dizem que por falta de atenção dos amigos,das lembranças

Dos sonhos que se configuram tristes e inertes"

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O passarinho com lindas cores voava alto no céu. Para a pequena ave a melhor coisa no mundo era voar cortando as nuvens e ver de cima as árvores e os outros animais. Naquele dia o Sol brilhava forte e por causa disso ele resolveu voar até um pouco mais longe. Mesmo sabendo que isso era perigoso e que seus pais sempre o alertaram para não se aproximar dos humanos.

Chegando na vila dos humanos ele sentou em um galho perto de onde umas crianças brincavam e se colocou a cantar. O passarinho não era bom somente em voar, ele tinha uma linda voz e cantava lindamente. Sua canção enchia a floresta de uma doce melodia e naquele dia encheu o ouvido das crianças e dos moradores.

A pequena ave estava tão distraída cantando que nem percebeu quando foi capturado por um home que passava e se admirou com o lindo canto. Ele apenas percebeu que algo estava errado quando algo negro bloqueou a luz do Sol e ele tentou voar, mas percebeu que estava preso em algum lugar apertado. A ave cantou uma canção triste, pois de alguma forma sabia que seus dias de voar livre e sua liberdade haviam terminado.

*

Melynda era linda. Com seus cabelos castanhos e seus olhos azuis. Sua beleza encantou todos os rapazes da pequena vila em que morava. Todos lhe ofereciam flores e desejavam um dia ser seu marido. A jovem se sentia feliz com toda essa atenção, mas nunca nenhum desses rapazes conquistou seu coração.

Enquanto ela não conhecia o felizardo rapaz que teria seu coração, passava os dias cuidado de seus afazeres com a maior alegria. Cuidava da plantação de sua família e dava comida aos animais sempre com um sorriso no rosto.

Foi em um dia comum enquanto cuidava da plantação da família ela reparou uma movimentação estranha na estrada. Ela estreitou os olhos para ver melhor. Quando fez isso pode reparar que vários homens a cavalo se aproximavam. Alguns traziam estandartes com símbolos que balançavam ao vento.

Olhando mais atentamente para os símbolos do estandarte reparou que se tratava do príncipe do reino em que ela morava e dos respectivos vassalos. Ela não estranhou muito, pois sua vila ficava perto da principal estrada do reino, por isso era comum os nobres a utilizarem para irem e virem quando necessário.

Logo que reparou que se tratava do príncipe tratou de tentar agir o mais natural possível. E se distrair com a sua tarefa, porém não deu muito certo. Ela não conseguiu evitar olhar para o príncipe por longos minutos. Ele era muito bonito com cabelos luminosos e de um loiro claro. Mas não foi somente Melynda que olhou para o príncipe.O jovem príncipe também olhou para ela.

O jovem e bonito príncipe Ben não apenas a olhou como também fez sinal para que Melynda se aproximasse.

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O passarinho sentia falta de sua floresta e de poder voar livre, sentindo o sol aquecer suas asas. Desde aquele dia em que ele foi preso nunca mais conseguiu cantar como antes, pois o que inspirava suas canções eram a liberdade e a natureza. Sem a liberdade suas músicas eram apenas lamentos de tristeza.

Mas apesar de suas canções serem muito tristes os humanos pareciam as apreciar.

O passarinho não podia reclamar de maus tratos. Os humanos lhe davam muita comida e água. E costumavam brincar com ele. Porém mesmo com tudo isso ele se sentia triste e a cada dia se sentia mais fraco.

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"Nada existe pra mim,não tente

Você não sabe e não entende"

Esse trecho da música fez Paola chorar, pois se lembrou do dia em que viu Paula se drogar pela primeira vez. A irmã falou algo parecido com esse trecho da música e disse para Paola não se meter que a vida era dela. Um tempo depois os pais dela também descobriram o que Paula fazia e a mandaram para uma clínica de reabilitação.

Paola lembra que logo que sua irmã foi internada pensou que isso serviria de alerta para seus pais. Pensou que eles passariam a dá mais atenção a ela. Mas não foi bem assim. As coisas continuaram as mesmas. A única coisa que mudou foi o fato de seus pais terem comprado mais coisas caras para ela, em uma tentativa de compensar a ausência.

Paola se sentia como um pássaro preso em uma gaiola de ouro. Ela tinha tudo que qualquer pessoa poderia querer, mas mesmo assim se sentia presa. Se sentia presa em sua solidão, em sua dor. Ela sabe que sua irmã também se sentia assim.

Paula se sentia nessa mesma gaiola. Tanto que tentou nas drogas uma forma de poder voar e se libertar. Todos tentam escapar de alguma forma.

Paola não pretendia seguir o mesmo caminho da irmã, mas também não queria ficar presa para sempre na gaiola da solidão. A menina planejava um dia se libertar de toda essa dor e um dia voar livre rumo a uma vida melhor.

*

Melynda lembra da alegria que sentiu no momento em que o príncipe elogiou a sua beleza e a convidou para ir morar no palácio com ele. Aquilo parecia um sonho. Mas esse sonho logo se tornou em tristeza.

A família e os amigos comemoram a ida dela para o palácio, pois isso significava que ela teria uma boa vida. Ela também foi alegre, mesmo sabendo que sentiria muita falta de seus amigos e família.

Os primeiros dias no palácio foram ótimos. Seu quarto era grande e todo decorado com sedas e porcelanas de várias partes do reino. Ela abriu o guarda- roupa e viu que tinha lindos vestidos.

Naquele mesmo dia o príncipe foi no quarto dela e os dois se amaram.Ele foi muito gentil e elogiou a beleza dela, mas não falou quando seria o casamento deles. Melynda não aguentou e perguntou sobre casamento, o príncipe se limitou a sorrir e lhe explicou como as coisas funcionavam.

No momento em que o príncipe lhe explicou foi como se seu mundo tivesse desabado. Ela entendeu que ela nunca poderia se casar com ele. Por causa de seu baixo nascimento. Mas ele tentou a consolar dizendo que ela viveria no palácio com muito luxo e também disse que ter concubinas e amantes era costume no reino, entre os nobres. E que muitas mulheres seriam capaz de matar para está no lugar dela.

Na noite que soube disso Melynda chorou e ficou se perguntando se não teria sido melhor ter se casado com alguém da pequena vila em que cresceu.

Depois daquele dia tudo piorou. Melynda logo reparou que as pessoas da corte não gostavam dela. E que apesar de ter luxos com o qual nunca sonhou se sentia sozinha. Se sentia presa. Ela sabia que muitas mulheres queriam está no lugar dela, porém em seu coração ela queria poder trocar de lugar com algum pássaro que voava livre perto do palácio. Se ela fosse um pássaro poderia voar de volta para sua antiga vida.

Ela sentia falta de tudo de sua antiga vida, mas tinha medo de pedir para voltar para lá. O príncipe poderia encarar isso como um desrespeito e a castigar. Por isso ela passava os dias em seu luxuoso quarto, com seus lindos vestidos, se sentindo um passarinho preso em uma gaiola de ouro.

*

Roberto amava as canções que o passarinho que seu pai lhe deu de presente cantava. Apesar de na maioria das vezes elas parecerem tristes demais e deixarem uma tristeza no ar.

Todas as manhãs Roberto era o primeiro a ir ver o passarinho e o primeiro a lhe dá comida e água. O menino acordava cedo somente para essa tarefa.

Mas naquela manhã algo estava errado. O passarinho estava muito quieto. Roberto abriu a portinha da gaiola e o tocou. Quando fez isso gritou, pois teve a certeza que seu querido passarinho estava morto.

O grito do menino acordou todos na casa. Logo a mãe, o pai e a irmã foram ver o que estava ocorrendo. E ficaram ao tristes ao ver a morte da ave.

Por causa das crianças os pais resolveram fazer um velório para o passarinho. Foi algo simples, mas bonito. A ave foi enterrada em uma parte bonita do jardim envolto em um lenço branco com detalhes coloridos.

-Não entendo porque ele morreu.- falou Roberto chorando

-Ele morreu porque não se acostumou na gaiola. - falou Leda, sua irmã

-Mas ele era bem tratado...

- Sua irmã tem razão. Acho que erramos em manter o passarinho preso. Mesmo sendo bem tratado ele continuava privado da liberdade. Uma hora a falta da liberdade o sufocou tanto que sua alma se soltou do corpo para que assim pudesse voar livre.

As palavras da mãe ficaram no ar enquanto Roberto olhava para o lugar onde o passarinho foi enterrado. Em sua mente ele apenas conseguia se lembrar do canto triste da ave.

*

"Eu sou um pássaro

Me trancam na gaiola

E esperam que eu cante como antes"

*

Olhando pela janela de seu quarto Melynda se lembrava de sua vila e novamente sentia saudades. A saudade era tanta que ela estava ficando doente. A alma dela era como um pássaro que não sabe ficar muito tempo preso.

Ela sentia falta de sentir a grama debaixo de seus pés. De nadar no lago perto de sua vila. Sentia falta até do barulho que os grilos faziam de madrugada. Mas acima de tudo sentia falta de seus amigos e família.

No palácio ninguém era amigo dela. Os nobres agiam como se aquele não fosse o lugar dela. E realmente não era. As outras moças que estavam na mesma situação que ela não lhe dirigiam a palavra por ciúmes de sua beleza e da atenção e presentes que o príncipe dava para ela. O único que parecia gostar dela era o príncipe, mas até ele parecia ter a deixado de lado depois de ter trazido outra garota ao palácio.

O príncipe também foi o único a reparar que Melynda estava ficando doente. Logo que reparou isso ele tratou de chamar os curandeiros para medicar e tratar a moça. Mas parecia que nada resolvia. A moça parecia cada dia mais fraca.

Por fim, quando o príncipe achou que não tinha mais nada a ser feito mandou Melynda para perto de sua família. Foi nesse momento que tudo mudou. Bastou alguns na sua vila para que a moça recuperasse a saúde e a alegria.

Muitas pessoas, incluindo o príncipe não entenderam o que ocorreu. Assim como não entenderam como a moça pode ter ficado tão feliz ao voltar para a pobre vila em que cresceu e ter saído do luxuoso palácio. Mas o que ninguém entendia a não ser Melynda era o valor da liberdade depois de ficar um tempo presa.

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Já haviam se passado vários dias desde a morte do pequeno pássaro, porém Roberto ainda sentia falta dele. Toda vez que olhava para a gaiola vazia se lembrava da pequena ave que por um curto espaço de tempo morou ali.

Enquanto olhava para a gaiola o menino se perguntava o que teria acontecido se eles tivessem soltado o pássaro novamente na natureza. Se eles tivessem feito isso talvez a ave ainda estivesse viva e voando.

Toda vez que Roberto via uma ave voando lembrava da que tinha morrido e sentia que seu coração virou prisioneiro da culpa, assim como a ave era prisioneira da gaiola.

*

Paola estava jantando com sua família em um raro momento em que todos estavam juntos. Mas mesmo nesse momento o silêncio reinava. Era como se cada um estivesse preso em seu próprio mundo com seus próprios problemas.

A menina olhou para o lugar vazio de Paula e sentiu falta da irmã. Ficou pensando em como a irmã estaria na clínica de reabilitação e se perguntou se um dia ela voltaria ao normal.

Um comentário sobre o arroz feito por Pietro quebrou por alguns segundos o silêncio que logo voltou a reinar absoluto. Logo após esse comentário Paola pediu licença para sair da mesa e foi para seu quarto. Chegando lá foi para a janela e ficou olhando o que ocorria na rua.

Ela estava olhando o movimento dos carros, das pessoas apressadas e até a briga entre um casal. Depois de um longo tempo falou para ela mesma:

- Somos todos como pássaros presos em gaiolas. A única coisa que muda é o tipo de gaiola. As vezes é a gaiola da solidão, outras vezes de um relacionamento destrutivo, a gaiola da ambição e talvez a um nível mais amplo toda essa nossa sociedade seja uma grande gaiola.

Dizendo isso a menina fechou a janela e foi dormir para sonhar com um mundo em que todos eram livres.

Ana Carol Machado
Enviado por Ana Carol Machado em 29/09/2015
Reeditado em 30/09/2015
Código do texto: T5398819
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