O príncipe da capa verde - Conto de Fadas para Adultos

Contos de Fadas para Adultos

O príncipe da capa verde

O príncipe usava a sua capa verde até mesmo para dormir, não a tirava por nada no mundo, e se alguém ousasse tocá-la, tinha a cabeça decepada pela guilhotina. Era uma vestimenta de nobre confecção, brilhava como as esmeraldas e tinha a resistência do aço que cobria as espadas dos mais valentes guerreiros. Quando o encantador príncipe de olhos turquesa passava pelas estradas do reino com o seu cavalo branco, todos vinham correndo dizer: “Vejam só: é o príncipe Gustavo de novo com a sua exuberante capa cor de mato”.

A princesa Jamile se incomodava um bocadinho com toda aquela obsessão por um adorno vestuário, principalmente nas noites em que o casal tentava procriar, ela não gostava de sentir a capa roçando suas coxas, mesmo assim se mantinha calada, não queria preocupar o marido com seus caprichos, a única coisa que lhe matutava a mente eram as belas mulheres que vinham cortejar o seu esposo: Jamile não conseguiria viver se ele dividisse o seu amor com outra mulher...

O príncipe era um homem de postura imperial, saudava os guardas com eficiência e os anciões lhe cobriam de respeito e proteção mágica. Gustavo era ovacionado com admiração e encanto, não havia quem não lhe amasse, as mulheres desejavam se casar com o príncipe, enquanto os homens sonhavam um dia ser como era o filho do rei. Mas nem tudo era tão belo. Rondava em sua vida um segredo que muito se proliferava na cabeça do povo do reino, e servia de sobremesa – mui saborosa, devo dizer – para a fofoca dos arredores. O caso é que todo o dia treze de cada mês o príncipe sumia por exatas duas noites, ele cavalgava até a floresta e de lá seguia acompanhado de suas botas. Alguns meninos que o seguiram diziam ter visto Gustavo adentrar uma caverna, e quando os arteiros foram ver aonde dava aquele lugar, tudo o que encontraram foi uma lagoa entre rochedos. Se falava bastante sobre o que o príncipe ia fazer: uns diziam que na mata ele encontrava demônios para que o reino ganhasse todas as guerras, alguns comentavam o príncipe ter de se alimentar do sangue de animais para sobreviver, já que ele era uma criatura vampiresca, mas a especulação que chegou ao ouvido de Jamile era de longe a pior de todas: tinha o príncipe uma amante.

Sem hesitar, no dia treze seguinte à insinuação, Jamile acompanhou os passos do esposo até a floresta. A relva dava arrepios, envolta por árvores sombrias e animais que espiavam pelos cantos das moitas, a escuridão cinzenta se debruçava por sobre a terra molhada. E de fato ele entrou em uma caverna.

Quando ela seguiu o príncipe ligeiramente, viu que a história dos meninos se fazia verdade: havia uma lagoa. Ela procurou alguma passagem por todos os cantos e atrás de todos os rochedos, mas tudo o que encontrou foi uma valeta com as roupas de Gustavo, exceto, obviamente, sua inseparável capa verde. Com certeza ele se despira para transar com a sua amante! Maldito infeliz, iria envenenar sua comida.

No entanto, Jamile continuou ali, esperando para pegar o casal de amantes no flagra. Suas bochechas tremiam de raiva e ansiedade, balbuciavam igual fazem as galinhas ao cacarejar.

A certa hora, próximo da manhã, quando o sol salta alegre detrás das montanhas, a princesa percebeu que o seu marido tinha ido se exilar em algum outro lugar, por isso, acreditando ser o caminho correto, se jogou com entusiasmo na lagoa e atravessou a correnteza, indo parar no meio de um rio, cravado no coração da floresta; ela temeu não achar o caminho para o seu retorno. Esperou o dia todo escondida atrás de uma pedra e o que viu lhe deixou intrigada: existia uma sereia de cabelos castanhos e cauda verde estrelada, olhos turquesa, tinha seios voluptuosos e um olhar reluzente que condizia com o sol, ela parecia satisfeita em esperar os pescadores no centro do rio. Quando o primeiro pesqueiro chegou, ele foi seduzido pelo canto da criatura e ambos se amaram dentro das águas.

Este acontecimento se sucedeu muitas vezes durante o dia, com diferentes homens que, surpreendidos pela presença da sereia, se encantavam com a sua sedução jovial e imprudente.

Jamile não tinha dúvidas: o príncipe vinha se encontrar com a sereia! Já tinha pensado em mil maneiras de matar a criatura quando a noite se aproximou e ela achou melhor voltar à caverna antes que não mais pudesse ver a saída. Mergulhou no rio e retornou, escondida para conseguir flagrar o marido na manhã do dia que viria.

Ela esperou a noite inteira de olhos abertos, até o sol raiar. Enfim as águas borbulharam e alguém saiu de dentro delas, mas não era o príncipe, e sim uma mulher, tão linda quanto as rubis que enfeitavam a coroa do rei, ela rastejava pela terra com sua cauda escamosa. Quando a sereia se recostou nos rochedos, sua cauda foi deslizando pelo corpo e transformando-se em uma vestimenta de material de inigualável nobreza, cintilante em encontro aos feixes de luz que se entranhavam pelas pedras no alto da caverna. Aos poucos seu cabelo caiu e os seios murcharam. Gustavo se levantou e foi se vestir.

Jamile não podia acreditar em tamanha traição imaculada e grosseira, de cunho pervertido e pecador. Não teria imaginado sozinha um desrespeito maior. Mas não deixou barato. Depois se recuperar deste tremendo choque, voltou ao reino e fingiu nada ter visto. Quando o dia treze do outro mês chegou, a princesa tirou a capa verde de seu marido enquanto ele dormia e a trocou por outra, tão parecida que brilhava com o mesmo fulgor, como se brasas crispassem em cima dela. Ela ordenou que os empregados destruíssem a verdadeira capa, mas nem mesmo as labaredas das fornalhas foram capazes de destruir o material, então Jamile teve de escondê-la na casa de uma camponesa para que o príncipe jamais a encontrasse.

Duas noites depois lá vinha o príncipe retornar ao seu lar, rastejando humilhantemente, comendo terra e arranhando o tronco nas pedras. Ele estava sem as pernas, chorava covarde e se perguntava de maneira doentia: “Quem foi que me traiu? Quem arrancou de mim o meu andar?”.

Jamile muito se contentou com o desfecho da história, pois desta forma seu marido não mais andou e permaneceu no castelo para o resto de sua vida, e mesmo que ele não se dispusesse a sair do quarto nem mesmo para os jantares da realeza, ela tinha a certeza de que seu amado marido estava ali, perto de sua presença, quieto e fiel, servindo sua atenção somente a ela. Mesmo que Gustavo estivesse condenado à infelicidade, Jamile viveu feliz para o resto dos seus dias.

O Tirano
Enviado por O Tirano em 09/09/2015
Reeditado em 09/09/2015
Código do texto: T5376311
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