A Rainha de Pedra - Contos de fadas para adultos

Nota: me chamo Tirano, sou aspirante a escritor e há algum tempo tenho planejado escrever novos contos de fadas para adultos, sem a restrição da inocência ou do "felizes para sempre". Depois de algumas fases turbulentas em minha vida eu me encorajo para afundar-me neste projeto. Pode ser que não interesse a ninguém as minhas fábulas, no entanto eu sinto a necessidade de começar a expor os meus reais desejos literários. Então, paralelamente à escrita do meu livro, vou postar meus contos de fantasiosos aqui.

Espero que gostem da primeira fábula.

Boa leitura.

Contos de fadas para adultos

A rainha de Pedra

Muito distante no tempo, havia uma rainha infeliz em seu grandioso reino de prosperidade. Todas as pessoas comiam e bebiam com fartura, dançavam em volta da fogueira e amavam uns aos outros, até mesmo as camponesas arranjavam casório mais cedo ou mais tarde. E por causa da alegria do povo é que a rainha Margot andava lentamente pelos cantos do castelo, carregada de tristeza imensurável. A inveja dentro do seu coração lhe fazia o peito arder tanto em chamas que, caso alguém o tocasse, teria a mão totalmente chamuscada.

Margot tinha sido amaldiçoada quando ainda era um bebê, ela teve todo o corpo transformado em rocha e sua alma, com o tempo, também endureceu. A pobre nobre não conseguia amar a ninguém, e os homens também não se sentiam atraídos por causa da sua pele feita de pedras; por isso nunca casou e a corte temia que nunca houvesse um rei para reger o castelo e continuar a linhagem real. Margot não comia, cresceu sem saber como é bom o gosto das uvas e o vinho que elas produzem, como o frango é delicioso quando assado nas brasas. A rainha jamais sentiu dor ou prazer, nem frio nem calor – para ela todas as estações tinham o mesmo aspecto, a única coisa que conseguia perceber nelas era as flores da primavera, coloridas e belas em suas formas quase espectrais, e a secura do inverno, que adormecia as árvores e fazia as suas folhas caírem, mas, como tinha imensa dificuldade de caminhar, pouco perambulava pelo jardim ou até mesmo pelos salões, preferia ficar em seu quarto observando os cidadãos para lá e para cá ao redor do castelo, rindo e chorando, tremendo de frio ou suando de calor. E quando resolvia dar uma passeada, proibia sem revogar a utilização de espelhos onde quer que fosse. Não gostava nada, nada de encarar o seu reflexo.

Um dia o barão se casou, mas a rainha não pôde comparecer porque a comemoração ficava deveras longe, e no caminho havia o perigo de quebrar alguma parte do seu corpo; se isso acontecesse não teria concerto e passaria o resto da vida deformada. Então ela se contentou em pousar os braços na janela do seu quarto, que ficava no lugar mais alto de todas as torres, e de lá olhou os festejos que aconteceram no campo ao longínquo, com muito vinho e fogos. As pessoas gritavam e riam, isso fez a poderosa e frágil Margot tremer de raiva e inveja.

No dia seguinte mandou chamar o criado e ordenou:

- Vai até a montanha dos tormentos, onde vivem as criaturas mágicas, e traga aqui os conselhos do ancião da montanha para que ele resolva o meu problema. Ofereça ouro e joias e galinhas e barris de vinho da mais nobre safra em troca dos seus conselhos.

O criado organizou sua trupe e, junto a mais cinco soldados armados, foram se aventurar no mais terrível lugar que podia existir no mundo. Havia florestas secas de espinho antes de se chegar à montanha, onde habitavam seres horrendos, verdes igual a grama, cascudos como o besouro, seus rostos tinham o aspecto assustador e deformado de um morcego, eles possuíam garras tão longas e afiadas que um dos soldados teve o seu braço arrancado ao simples deslizar das unhas da criatura. Com muita ferocidade os cinco sobreviventes chegaram até as colinas de pedra e terra seca, mas já era noite e precisaram dormir. Na negritude da madruga foram ouvidos gemidos e miados, rugidos e pedidos de socorro. Eram as almas daqueles que morreram no lugarejo, porém, avisou o capitão, ninguém podia sair das barracas, pois, caso olhassem nos olhos dos fantasmas, eles os levariam para junto do mundo dos mortos.

Na manhã que se ergueu, de sol fosco e cinzento, o esquadrão seguiu viajem. Havia um paredão terrivelmente vertical, onde eles tiveram de escalar. Seres amaldiçoados surgiram para impedir o caminho, pareciam lontras, cheios de espinhos, e mordiam e arranhavam aqueles que tentavam subir a colina. Então dois soldados faleceram e restaram três peregrinos.

No alto da montanha eles avançaram ao horizonte. Havia uma cabana bem miúda do outro lado da planície, mas antes que conseguissem chegar, dragões de escama amarela surgiram e devoraram mais dois soldados. O criado usou suas vestes bem abatidas para fingir ser uma pedra e desse jeito chegou até a cabana do ancião, que o recebeu de bom grado. O velho falou:

- Tu és corajoso. Parabéns por ter chegado até aqui. Poucos são os homens que conseguiram, e menor ainda é o número daqueles que aqui pisaram e puderam retornar às suas casas.

O criado fez a oferta da rainha e o mago se encantou. Ele aceitou a proposta e pediu que os tesouros e os presentes fossem deixados ao anoitecer do seu retorno, na orla da mata trevosa que precedia as encostas da montanha, pois ali os seres mágicos pegariam as recompensas e deixariam um presente à rainha que muito lhe agradaria.

- Como tu tens de mandar a mensagem à vossa rainha, ordenarei que as criaturas da montanha te deixem em paz para que possas passar – falou o ancião.

Agradecido pela sua vida poupada, o criado retornou rapidamente e avisou a rainha, e ela imediatamente mandou que colocassem os cortejos na orla da floresta de espinhos. Na manhã seguinte havia uma caixinha vermelha de dizeres dourados, escritos em língua tão antiga que nem mesmo o mais sábio dos sábios escribas do reino puderam traduzir. Foi sugerido, desta forma, que somente a grandiosa Margot abrisse o presente.

E assim ela o fez.

Quando a rainha abriu a caixinha, viu de dentro dela saltar uma fumaça negra de olhos de fogo. A criatura oscilou no ar e se apresentou cordialmente:

- Eu sou Ifrit, filho da floresta e dos medos. Sou o mais gênio dos gênios e conheço todos os segredos. Faça uma pergunta a mim sobre o que quiser e eu saberei responder. Só não pergunte quem tu és, pois isso só tu podes responder.

A rainha não fez ensaio para querer saber:

- Eu sou Margot, filha de Otávio V. Me amaldiçoaram quando pequena e nasci com carne de pedra. Quero quebrar este feitiço e me tornar mulher, amada e desejada por todos os homens do reino. Quero sentir dor ao me ferir e alegria ao sorrir. Quero andar e correr. Amar e viver.

- Grandiosa rainha, só há um jeito de quebrar a maldição: recebendo amor de verdade através de um beijo apaixonado.

- Mas como alguém vai me amar sendo feia e dura?

- Eu disse que responderia uma pergunta, não duas.

E assim o espírito se foi.

A rainha ficou desolada. Como alguém a amaria tendo a pele cinza e os olhos opacos?

Mas aí ela teve uma inteligente ideia.

Mandou chamar novamente o criado e ordenou que trouxesse a moça mais namoradeira do castelo. A escolhida fora a filha do conde Abreu, a jovem Hertemis. A rainha lhe observava namorar todos os dias com o eufórico Gustavo, filho de um nobre da corte, eles nunca tinham se beijado e estavam exaustivamente apaixonados um pelo outro, o amor corria para fora de todo o seu corpo em forma de luz.

Quando Hertemis chegou, a rainha fez com que a matassem e deu ao melhor dos alfaiates a tarefa de confeccionar uma roupa com sua pele. Assim Margot se vestiu de humana, disfarçou-se e saiu pelo reino à procura do cavalheiro da nobreza. Quando Gustavo avistou Margot, pensou ser sua amada Hertemis e a convidou para um passeio. Eles riram e conversaram, trocaram juras de uma paixão eterna e a rainha pediu-lhe um beijo de amor verdadeiro. O jovem, que há muito esperava por este momento, não hesitou e levou os seus lábios até os lábios de Hertemis, porém, quando se aproximou o suficiente, Margot tirou a roupa de pele humana e acariciou a boca do rapaz. Ao abrir os olhos ele se assustou, tirou a pele da amada e levou-a junto para que jamais se separasse dela, abarrotado de tristeza e dor pela morte de quem tanto amava.

Muito contente, a rainha correu até o castelo e procurou um espelho para se olhar, mas suas mãos eram pedra ainda, e seu rosto também, e o seu cabelo e todo o corpo. Se tivesse lágrimas, teria sentado e chorado.

A rainha não entendeu muito bem o que havia acontecido e ordenou que outra trupe de soldados fossem buscar os conselhos do ancião, este presenteou a rainha com mais uma caixinha, e o espírito de Ifrit voltou.

- Me destes o conselho errado, infeliz! – ela pestanejou.

O espírito rebateu:

- Foi um plano genial para enganar o amor, eu confesso, mas embora o beijo de fato tenha sido de amor verdadeiro, tu não receberás amor enquanto não permitires isso. A única forma de recebê-lo é amando a si mesma, caso contrário as portas do coração permanecem fechadas.

- Tolo! Imbecil! Jumento! Suma daqui!

A rainha vociferou.

Ela entendeu que jamais conseguiria quebrar a maldição, pois seu coração estava fechado e jamais amaria a sua imagem, isso era algo impossível de se conseguir. Desolada, ela subiu no alto do castelo e ficou a olhar os casais apaixonados do reino pelo resto dos seus dias, até seu corpo corroer e por fim ser ostentado em forma de muro em um pequeno local no jardim, onde vive até hoje a observar aqueles que conseguem amar de verdade.

Moral:

Uma pedra é somente uma pedra, mas muitas pedras podem se tornar uma montanha.

O Tirano
Enviado por O Tirano em 14/08/2015
Código do texto: T5346140
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