MALEDICÊNCIA
Sábado à tarde Palmo de Língua acordou Cabeça Fraca, que só queria sombra e água fresca em manhã de frio cortante. Depois de muito vai não vai e vem não vem concordaram em sair para ver os estragos e quebra-quebras da cidade. Aqueceram-se nos incêndios, deleitaram-se nas esvoaçantes ondas de poeira que compunham os redemoinhos, visitaram os canteiros de obras das construções interrompidas, assistiram ao desfile das ratazanas em direção aos bueiros entupidos de lixo.
Palmo de Língua se lembrou de um terraço, de onde Cabeça Fraca poderia fotografar a desolação da cidade sob a regência do inverno seco e rigoroso.
Lá chegando encontraram Língua de Trapo, contratado por Corretora de Valores para dar manutenção no local. Perguntado se gostava de seu trabalho, o prestador de serviços detonou a patroa aos ilustres desconhecidos:
- Muito exigente, intolerante, insuportável. Pretendo abandonar o emprego.
Para sua alegria, eles acataram de pronto suas reclamações e saíram dali repetindo o refrão: "muito exigente, intolerante, insuportável...", "muito exigente, intolerante, insuportável...".
Foram parar no reduto de Falso Brilhante e Tiro de Misericórdia, que ouviram atentamente o parecer convincente da dupla e confirmaram que de fato, sem sombra de dúvida, Corretora de Valores era tudo aquilo e mais um pouco. Sempre reclamava demais, nunca estava satisfeita, não sabia se portar, dava palpites em tudo, era indiscreta, mão de vaca.
As duplas se uniram em conferência e decidiram publicar fotos e frases que ridicularizavam Corretora de Valores junto às pessoas que lhe eram mais caras. Era importante dar-lhe uma lição de moral para que ela se corrigisse dali para frente.
Assim foi feito. Concluída a nobre missão, e certos de que haviam agido com justiça, foram lanchar e contar as proezas de suas viagens pelo mundo afora.
Corretora de Valores, juntamente com os outros leitores, tomaram conhecimento simultâneo das publicações. Nesse momento, estava sentada diante do computador. Seu primeiro ato foi apagar as imagens e textos, embora continuassem visíveis aos demais leitores. Fez isto, porque não queria alimentar o rancor que lhe veio à alma no momento inicial. Resolveu inspirar e expirar 10 vezes, devagar. Depois fixou a mente no porta-retratos onde estava a foto de seus pais já mortos. Meditou sobre os melhores momentos vividos em suas companhias. Silenciou a mente, respirou lenta e compassadamente por muito tempo. Levantou-se, trocou de roupa e saiu para uma longa caminhada ao anoitecer. No retorno concluiu que sua vida, personalidade, atitudes pessoais estavam inscritos no avesso do espelho, através do qual aquelas pessoas haviam se olhado. Tomou um banho morno, agasalhou-se e leu: "A maledicência é uma ocupação e lenitivo para os descontentes." (Marquês de Maricá).
12-07-2015
(Lippia Alba@Lippia)
Sábado à tarde Palmo de Língua acordou Cabeça Fraca, que só queria sombra e água fresca em manhã de frio cortante. Depois de muito vai não vai e vem não vem concordaram em sair para ver os estragos e quebra-quebras da cidade. Aqueceram-se nos incêndios, deleitaram-se nas esvoaçantes ondas de poeira que compunham os redemoinhos, visitaram os canteiros de obras das construções interrompidas, assistiram ao desfile das ratazanas em direção aos bueiros entupidos de lixo.
Palmo de Língua se lembrou de um terraço, de onde Cabeça Fraca poderia fotografar a desolação da cidade sob a regência do inverno seco e rigoroso.
Lá chegando encontraram Língua de Trapo, contratado por Corretora de Valores para dar manutenção no local. Perguntado se gostava de seu trabalho, o prestador de serviços detonou a patroa aos ilustres desconhecidos:
- Muito exigente, intolerante, insuportável. Pretendo abandonar o emprego.
Para sua alegria, eles acataram de pronto suas reclamações e saíram dali repetindo o refrão: "muito exigente, intolerante, insuportável...", "muito exigente, intolerante, insuportável...".
Foram parar no reduto de Falso Brilhante e Tiro de Misericórdia, que ouviram atentamente o parecer convincente da dupla e confirmaram que de fato, sem sombra de dúvida, Corretora de Valores era tudo aquilo e mais um pouco. Sempre reclamava demais, nunca estava satisfeita, não sabia se portar, dava palpites em tudo, era indiscreta, mão de vaca.
As duplas se uniram em conferência e decidiram publicar fotos e frases que ridicularizavam Corretora de Valores junto às pessoas que lhe eram mais caras. Era importante dar-lhe uma lição de moral para que ela se corrigisse dali para frente.
Assim foi feito. Concluída a nobre missão, e certos de que haviam agido com justiça, foram lanchar e contar as proezas de suas viagens pelo mundo afora.
Corretora de Valores, juntamente com os outros leitores, tomaram conhecimento simultâneo das publicações. Nesse momento, estava sentada diante do computador. Seu primeiro ato foi apagar as imagens e textos, embora continuassem visíveis aos demais leitores. Fez isto, porque não queria alimentar o rancor que lhe veio à alma no momento inicial. Resolveu inspirar e expirar 10 vezes, devagar. Depois fixou a mente no porta-retratos onde estava a foto de seus pais já mortos. Meditou sobre os melhores momentos vividos em suas companhias. Silenciou a mente, respirou lenta e compassadamente por muito tempo. Levantou-se, trocou de roupa e saiu para uma longa caminhada ao anoitecer. No retorno concluiu que sua vida, personalidade, atitudes pessoais estavam inscritos no avesso do espelho, através do qual aquelas pessoas haviam se olhado. Tomou um banho morno, agasalhou-se e leu: "A maledicência é uma ocupação e lenitivo para os descontentes." (Marquês de Maricá).
12-07-2015
(Lippia Alba@Lippia)