AMOR VERDADEIRO

Há uma lenda sobre o amor sincero e verdadeiro que narra o encontro entre um guerreiro, uma camponesa e uma feiticeira …

A manhã era fria e úmida, mesmo com o sol subindo timidamente espalhando seus primeiros raios amarelo-ouro, não havia a sensação de calor e o vento norte, que ainda soprava, tornava o ar ainda mais gélido. Thorn, o saxão, voltava para casa, depois de mais uma campanha ao lado de seus irmãos de armas, defendendo os interesses do seu Senhor, o Conde de Coppe, e trazia consigo a parte do espólio inimigo que lhe cabia e que consistia em algumas moedas antigas de prata, torques de ouro, anéis de guerreiro e outros itens que ele nem mais se preocupava em conferir.

Verdade seja dita, Thorn estava cansado. Todo o seu corpo doía e seus músculos pareciam permanecer estirados com a incômoda sensação de fadiga que nem horas de sono, alimento quente ou mesmo uma cama de palha seria suficiente para restituir-lhe a energia perdida.

Era o início do terceiro dia de cavalgada e ele sabia que ao cair da tarde estaria em casa, junto de seus amigos, de sua mãe e da companheira Hedda, uma bretã gordinha de peitos grandes e coração ainda maior; eles não eram casados, apenas decidiram viver juntos, depois que Hedda tornara-se parte do espólio de uma, várias batalhas que ele havia participado.

De escrava ela passara à condição de amante, conformando-se com a situação de pertencer ao saxão, e mesmo odiando a subserviência a que fora submetida, Hedda gostava de Thorn e seu jeito grosseiro de agir, de falar e de trepar.

Assim é que, por anos, Hedda tornara-se a companheira de Thorn, amando-o, respeitando suas vontades e fazendo dele o seu senhor …, o saxão, mesmo com aquele seu jeito grosseiro e incapaz de uma palavra ou gesto carinhoso, afeiçoara-se a Bretã, de tal modo que eles se amavam intensamente todas as noites.

Jamais declarara sua relação com Hedda para seus companheiros, que, por sua vez, sabiam da sua existência, porém, respeitavam o silêncio do Lanceiro que no campo de batalha sempre os protegeu e com eles ombreou ante o inimigo, mas, mesmo assim, eles sabiam que Hedda era uma boa mulher para ele.

Thorn seguia sozinho, já que seus companheiros haviam tomado a decisão de seguir por outro caminho a fim de gastarem um pouco de suas posses em tavernas de cerveja barata e mulheres fáceis, enquanto ele ansiava apenas por uma cama confortável, uma sopa quente de peixe e uma boa cerveja; e ele estava bem próximo de alcançar o seu objetivo naquele momento.

Passava um pouco do meio-dia, quando Thorn deu conta de que seu estômago roncava de fome e que sua montaria, a pequena égua de pelagem negra que ela chamava de Cintilante, também precisava ser alimentada. Ele parou no alto de uma pequena colina de onde se descortinava um vale cujo verde ainda estava esmaecido pelos últimos estertores do inverno e notou algo que jamais vira antes.

Um pouco mais para dentro do vale havia uma pequena propriedade, onde uma pequena casa de paredes de pedra e telhado ao estilo romano, se destacava. Thorn, que já havia feito aquilo caminho pelo menos uma centena de vezes, surpreendeu-se com o que via e uma curiosidade incomum tomou conta de sua alma. Ponderou, então, que seria um bom local para pedir alimento e guarida para sua égua cansada.

Cavalgou colina abaixo, tomando o cuidado de fazê-lo com lentidão a fim de não assustar os camponeses que ali residiam.

Para sua surpresa ainda maior, quando estava muito próximo da propriedade, viu a porta abrir-se e uma jovem postar-se na soleira olhando na sua direção. Thorn diminuiu o trotar de Cintilante até o momento em que viu-se frente a frente com a jovem. Seus olhos cansados brilharam ao vislumbrar tanta beleza e docilidade reunidas em uma mulher.

A jovem tinha um rosto angelical, com olhos de um azul profundo, lábios vermelhos e longos cabelos loiros cacheados; suas vestes eram simplórias e destituídas de cuidado, mas, mesmo assim, ela conservava uma beleza bruta e pura. Thorn apresentou-se e pediu por guarida para sua montaria e um pouco de alimento.

A camponesa, cujo nome era Ingraine, saudou o guerreiro saxão, oferecendo-lhe assento em sua mesa e feno para sua montaria. Thorn agradeceu, ainda embasbacado com a beleza daquela jovem de gestos gentis e sorriso iluminado.

Thorn, extenuado e faminto, controlou-se para não devorar a deliciosa sopa de peixes e o pão que parecia ter saído do forno naquele mesmo dia, assim como saborear a melhor cerveja dos últimos tempos. Ele temia que seus modos saxões causassem algum temor na jovem Ingraine que, sentada na cadeira a sua frente, apenas observava o guerreiro alimentar-se.

Depois de algum tempo, Ingraine retirou-se da casa, deixando o lanceiro mais a vontade para aproveitar aquela comida inesquecível. Thorn sorveu o último gole de cerveja e depois de um arroto gutural, encostou-se na cadeira, relaxando e aproveitando a refeição. Logo, Ingraine retornou, dizendo a ele que havia preparado um banho (!). Thorn não sabia o que era um banho havia meses … e mesmo relutante acabou por curvar-se ao convite irrecusável da jovem.

Atrás da pequena casa, Thorn viu um enorme tonel de madeira, cortado ao meio em sua maior distância, cheio de água quente. Ingraine olhou para ele e sorriu ao exibir sua obra, convidando-o para banhar-se. Thorn, um tanto quanto envergonhado, disse a ela que precisaria de ajuda para despir-se, ao que Ingraine prontificou-se imediatamente em ajudar.

Thorn livrou-se da túnica de couro com placas e da calça. Sentou-se sobre uma pedra, enquanto Ingraine o ajudou a tirar as botas de cano longo onde seus pés jaziam, envoltos em tiras de lã de ovelha. Pacientemente, ela desenrolou as tiras até que os pés do saxão estivessem livres.

Em seguida, Ingraine desamarrou as tiras de couro da cota de malha que pendiam por detrás de seu pescoço. Thorn, ainda meio sem jeito, curvou-se para a frente, enquanto Ingraine puxava a cota com toda a força de que dispunha. Longos minutos depois, Thorn estava vestindo apenas a camisa e a calça de algodão. Ele agradeceu a ajuda e disse que, a partir dali, podia continuar só. Ingraine sorriu e deu de costas afastando-se em direção da casa.

Despido, o saxão entrou no tonel agora improvisado em banheira e recostou as enormes costas em um espaldar alto de madeira, relaxando com o calor da água aquecendo e deixando seus músculos extenuados descansarem mais que merecidamente. Thorn estava tão cansado que, em poucos minutos, adormeceu profundamente, em um sono tranquilo e sem sobressaltos, o que era comum nos campos de batalha em que havia oportunidade de fazer o mesmo.

Houve um momento em que ele sentiu-se massageado por mãos dóceis e macias que percorriam seus ombros e seu peito com movimentos firmes e precisos, causando-lhe uma indescritível sensação de relaxamento quase absoluto. Repentinamente, ele entreabriu os olhos, no exato momento em que uma pequena e afiada lâmina descia em direção ao seu rosto, manipulada por uma delicada mão.

Thorn, com sua habitual agilidade e força, segurou a mão, apertando-a dentro da sua e puxando a sua assassina para a frente. Surpreendeu-se ao ver que se tratava de Ingraine; mas antes que ele pudesse fazer alguma coisa ela tocou seu rosto e mostrando a espuma de sabão e lanolina que ela havia preparado para barbeá-lo.

Nesse momento, os olhos do saxão ficaram em êxtase, fixando-se no olhar doce e insinuante da jovem …, sem saber compreender o que estava sentindo, Thorn não resistiu, entregando-se ao desejo de beijar aquela linda mulher. E eles se beijaram ardorosamente. Num momento, o saxão puxou a jovem para dentro da banheira improvisada e, no momento seguinte, ele rasgava furiosamente suas roupas com o incontrolável desejo de possuí-la com todas as suas forças.

Nus, o saxão e a camponesa passaram a explorar-se mutuamente, saboreando as delícias do toque no corpo do parceiro. Impetuosidade era a característica do guerreiro saxão que, imediatamente, decidiu que ali, definitivamente, não era o lugar adequado para permanecerem. Ele, então, levantou-se trazendo a jovem consigo em seu colo. Saiu da banheira e entrou na pequena moradia, conduzindo sua preciosidade para a cama de palha e peles.

Thorn depositou sua pequena amante cuidadosamente sobre a cama, deitando-se ao seu lado; continuaram com sua exploração repleta de sensualidade, entrecortada por beijos, carícias, toques, gemidos e sussurros. O saxão possuiu Ingraine não com sua violência habitual, a mesma violência que sempre dedicara a Hedda, mas algo mais gentil, como se aquela jovem fosse um bem caro e imperdível. Ficou sobre ela e penetrou-a com movimentos medidos, provocando espasmos e gemidos de sua parceira que contorcia-se debaixo dele, em uma clara demonstração de que estava apreciando muito o jeito de seu novo amante.

Thorn e Ingraine amaram-se com tanto ardor que horas se passaram, e o dia foi coberto pelo manto da noite escura e ainda um pouco fria. E a manhã seguinte ainda os encontrou entrelaçados, aos beijos, carícias e um êxtase que parecia não ter fim … o saxão, inebriado pela beleza da jovem, não era capaz de compreender como havia tanta virilidade em seu interior, pois jamais fora tão impetuoso daquela forma.

Parecia que o seu vigor e o desejo de Ingraine não tinham fim … a cada gozo, uma onda de prazer era sucedida por um incontável recomeço que se repetia em um ciclo que desconhecia barreiras de tempo e espaço. E, depois de muito tempo, e após muitos gozos inesquecíveis, Thorn sentiu o peso de todo aquele esforço desabar sobre seu corpo, obrigando-o a cair em um sono profundo …

Acordou, subitamente, com os raios de sol ofuscando-lhe os olhos. Tentou levantar-se, sentindo nos ossos o peso de todo o esforço desprendido por um tempo que ele não sabia mensurar. Olhou para a mesa e viu Ingraine, nua, sentada, sorrindo para ele e convidando-o para uma refeição.

Ele ergueu-se da cama com certa dificuldade e cambaleou até a mesa onde, novamente, devorou a refeição posta para ele; Ingraine limitava-se a olhar para seu companheiro, apreciando a visão daquele homem másculo e viril, alimentando-se com a voracidade de uma fera faminta.

Quando terminou, Thorn olhou para Ingraine que, levantou-se e foi até o canto onde estava depositado um pequeno tonel, de lá retornando com mais um chifre cheio de boa cerveja. Ofereceu ao saxão que sorveu a bebida em pouquíssimos goles. E antes que ele pudesse terminar, Ingraine sentou-se em seu colo, de frente para ele, esfregando-se em seu colo e provocando uma nova e vigorosa ereção.

Thorn abraçou-a e levantando-a com cuidado, posicionou-se a fim de possuí-la mais uma vez, obtendo êxito de pronto, o que foi recebido por sua parceira com um longo gemido, enquanto jogava o dorso para trás, permitindo que a penetração ocorresse de forma mais profunda. E eles copularam novamente, sem limites e sem qualquer pudor.

Assim, horas se passaram, e os dias foram sucedidos pelas noites e estas por novos dias, repletos de sexo, de reposição de energia e mais sexo!

E houve um momento em que, extenuado e destituído de qualquer energia vital, Thorn caiu em um sono profundo. Um sono que parecia não ter fim …

Inexplicavelmente, o saxão, em dado momento, percebeu que, embora adormecido na esfera física, seu espírito permanecia “acordado”, como se as duas coisas pudessem separar-se. Uma sensação estranha tomava conta de sua mente e de seu espírito ao notar que ele podia ver-se deitado sobre a cama, nu e adormecido, com Ingraine ao seu lado também adormecida …

O que seria aquilo? Bruxaria? Efeito de um longo tempo em batalha? Castigo dos deuses?

“Não saxão … isso não é um castigo”; Thorn ouviu aquela voz doce e suave ecoar dentro de sua mente e de seu espírito … e não tardou para reconhecê-la … Era a voz de Ingraine!

Ele olhou para baixo e viu a jovem sentada na cama olhando em sua direção, já que o saxão parecia pairar sobre eles, como uma entidade etérea …

“Eu morri?” perguntou ele assombrado e com voz hesitante. “Não, bravo guerreiro, a sua hora ainda não chegou”, respondeu a jovem que ficou em pé e levitou até próximo dele.

Ingraine olhou para o saxão com um olhar terno e carinhoso e ficou assim por alguns instantes. Thorn, por sua vez, sentia-se letárgico, incapaz de esboçar qualquer reação ou movimento. Tudo era insólito e inacreditável …

“Eu sou uma feiticeira, bravo Thorn”, disse a jovem sem desviar seu olhar; “Trouxe você até aqui para que você compreendesse uma coisa muito importante …”

“O que?”, perguntou o saxão ainda em total confusão com o que estava acontecendo.

“Que amor não é apenas posse … mas, também é entrega …”, continuou a feiticeira; “você tem o domínio sobre uma mulher, porém jamais entregou-se a ela … fez dela sua prisioneira, sua amante … mas, jamais a fez sua mulher … aquela que será dona de seu coração …”

O saxão olhava para Ingraine sem compreender ao que ela se referia … pensou que estivesse enlouquecendo … que todos os anos de batalha, de sangue, de suor e de dores incontáveis haviam feito mal para sua mente …, mas, Ingraine, tomou uma de suas mãos e levou-o até a janela.

“Olhe, saxão”, disse ela com ternura na voz; “olhe e veja quem te espera, ansiosa, aflita e com o desvelo digno de uma boa mulher …”

Thorn olhou pela janela e viu Hedda! Ela estava, como de hábito, sentada na soleira da porta do salão principal. Tinha os olhos marejados de lágrimas e um ar de autocomiseração carregado de um anseio quase desesperado. Thorn condoeu-se por ela e depois de alguns instantes, foi chamado pela voz suave de Ingraine.

“Tu és capaz de compreender, saxão?”, perguntou ela e sem esperar resposta prosseguiu em sua explanação. “Eu posso te prender aqui, neste leito de desejo por toda a eternidade, possuir teu corpo e subjugar teu espírito … porém, jamais terei você completamente …

“É assim que Hedda se sente agora …”, continuou a feiticeira; “ela lhe pertence, não como uma escrava ou como um objeto, mas porque ela, de fato quer pertencer a você … e você, tolo, precisa entregar-se a ela e não aprisioná-la perto de ti, porém longe de teu coração …”

Há muito que Thorn não sabia o que era chorar … apenas uma vez, quando criança, chorara no leito de morte de sua mãe … e agora, ele sentia as lágrimas umedecerem seus olhos, apertando seu coração empedernido e sentindo que Hedda era a mulher de sua vida.

“Não chore, bravo guerreiro”, pediu Ingraine … “Vou libertá-lo dessa prisão doce e sensual, que alimenta a concupiscência, mas empobrece o coração, apenas porque seu que, agora, você compreende a importância de entregar-se acima de possuir …”

Dizendo isso Ingraine fez uma conjuração e Thorn viu-se envolvido por um redemoinho etéreo que, pouco a pouco foi se tornando mais intenso até que ele foi por ele subjugado, tornando a perder a consciência.

… Quando a fungada de Cintilante atingiu o rosto de Thorn, este levantou-se em um pulo. Olhou a sua volta e depois para si próprio. Estava com suas vestes de combate, espada afivelada na cintura e um ânimo muito incompreensível … “será que tudo foi um sonho?”, pensou ele, enquanto tomava as rédeas de sua égua de batalha. E antes de montar, olhou para trás e viu o salão de seu senhor … estava realmente muito próximo … E também lá ele viu Hedda, em pé sorrindo e acenando para ele … e o saxão montou e cavalgou como um louco, pois queria sentir o calor da mulher amada …