O Horizonte Além do Olhar
As águas de um exuberante mar tocavam as retinas do velho sentado sobre o penedo. A luz do sol refletia, dançava, brincava maviosamente no horizonte azul, que concedia suas últimas horas de cintilações ao experiente e cansado espectador. Cansado de tantas guerras, ressequido de traições e desilusões, desejoso por um desfecho menos lancinante.
O espetáculo de luzes era a contagem regressiva para o fim. Atrás do velho homem, atrás do cenário pintado pelos deuses em seus pincéis e paletas de cores azuladas, brancas, amarelas e laranjas, estava o caos.
O agouro da destruição não batia na porta do vilarejo. Ela não anunciava sua invasão. Ela arrombava sem avisos, deixava lascas e lançava aos céus o grito de horror de dezenas, centenas de pessoas.
Na iminência do massacre, um rapaz surgiu ao lado do meditante e perguntou:
- O que faz o senhor aqui, observando o horizonte, enquanto vinte mil espadas batem em nossos portões anunciando o presságio da morte?
O velho pouco fez questão de tirar os olhos da obra de arte diante do rochedo, já que em pouco tempo ela terminaria.
- Meu amigo. Esta, talvez, seja a última vez em que meus olhos vislumbrem tais maravilhas. Quero ter essa memória antes de morrer.
O jovem se agachou e avaliou o rosto do velho, cujos olhos não tinham cor.
- Não entendo. O senhor é um cego. Não pode enxergar nada do que diz estar admirando.
O homem sentado inspirou e sorriu:
- Às vezes não é porque não temos olhos que não podemos ver. Eu sinto tudo. O suave som das águas batendo na costa. O som das gaivotas anunciando o fim da tarde. O suave toque da luz do sol em minha pele. A brisa marinha soprando em meu rosto, silvando em meus ouvidos... Não se engane. Eu vejo tudo, meu amigo. Não tenho olhos, mas posso ver tudo na minha frente... e é lindo!
Após ver as lágrimas brotarem dos olhos do idoso, o mais jovem deu uma olhada para trás, onde o fim se iniciava.
Ele se sentou ao lado do velho e não fez mais nada.
Apenas fechou os olhos.