O PEQUENO ELFO

Tratava-se de uma casa muito velha, do tipo dessas que agente só vê em filmes de terror. Cercada por um murro caindo aos pedaços. Logo na entrada um enorme portão enferrujado, dando a impressão de ter sido comprado num cemitério. Localizada numa rua tranquila e silenciosa, onde nunca passa ninguém e onde os vizinhos não sentam nas calçadas.

Era o tipo do lugar pronto para alguma aventura da turma do bairro. Pena que hoje em dia não existem mais turmas do bairro. Com essa violência à solta, os pais acabam deixando os filhos presos em suas casas. Reféns dos canais de televisão, vídeo games e computadores.

Mais essa regra não se aplica aos gatos. A menos é claro que você seja um desses gatos de raça criados com toda pompa e cerimônia. Já os simples seres das ruas não fazem parte desse seleto mundo. Vivem sem glamour, veterinário, ração e nem com todos os frufrus da vida de madame.

Aproveito para me apresentar nosso herói. Seu nome é gato e o seu lar são as ruas, becos e quintais. Nascido numa ninhada de dez gatos. Sua pobre mãe sem muita opção acabou tendo que abandoná-los tão logo abriram os olhos. Dos seus outros nove irmãos cada um seguiu num rumo diferente e nunca mais encontrou com nenhum deles.

Bem mais esse aqui não é uma história dramática sobre um pobre gato abandonado. Na verdade o que vou contar tem haver com a velha casa. Nossa história começa justamente numa noite fria. E antes que alguém pergunte não chovia, nem tinha raios e nem trovões. Num pulo gato chegou ao murro da casa abandonada. Fazia sua ronda noturna, procurando alguma coisa fora da normalidade. Do alto da janela do primeiro andar vinha uma luz prateada. Aquilo logo lhe chamou atenção no mesmo instante.

— De onde veem aquela luz? — pensou sozinho.

Desde sempre aquele lugar vivia abandonado. E agora simplesmente aparecia uma luz estranha no meio da noite. Ficou indeciso em seguir meu caminho ou ir até lá tirar a dúvida. A curiosidade foi maior. Saltou do murro para o pé de castanhola de lá cheguei ao telhado. Uma pulga começou a incomodar fazendo-o parar. Coçou várias vezes fazendo a coleirinha que trazia no pescoço balançar. Aliviado esticou suas patinhas ligeiras logo lhe fizeram alcançar a janela entre aberta. Parou bem quietinho. Inclinou o pescoço para dentro.

Cautelosamente deslizou por entre a frecha da janela. A luz prateada tomava todo ambiente. Mais não havia lâmpada ou vela acesa. A fonte de luz estava atrás de uma poltrona rasgada num dos cantos da sala. Fui sorrateiramente se aproximando, tomado por uma enorme curiosidade. Pulou para cima da poltrona e de lá olhou para baixo.

E ali encolhidinho estava um ser minúsculo usando um chapeuzinho engraçado.

— Quem é você? — perguntou gato.

O ser pequeno assustou-se arregalando os olhinhos miúdos. Deu um pinote para trás mudando a cor que brilhava ao seu redor. Ficou um instante olhando o gato, antes de responder:

— Me chamo Laid.

— E que tipo de criatura é você?

— Sou um elfo.

Chacha alisou os pelos do bigode.

— Pensei que criaturas iguais a você fossem apenas fábulas.

— Muito em breve seremos apenas fábulas. O mundo de onde venho não vai mais existir.

— E que lugar é esse?

O pequeno elfo fez uma carinha triste. Deu um longo suspiro, depois falou:

— Venho de num lugar chamado Terra dos Encantos. Um lugar onde habitam elfos, fadas, duendes e todos os tipos de seres mágicos.

— E por que você disse que em breve o seu mundo não vai mais existir?

— Essa uma história triste. Nem sei por onde começar.

— Comece pelo início.

—Tudo bem. Vou tentar explicar como tudo aconteceu.

O pequeno elfo sentou-se sobre um livro grosso caído no chão. Pigarrou um pouco, então começou a contar:

—Tudo teve início com a nossa primeira guerra. Ao fim do confronto nosso reino da Terra dos Encantos entrou numa grave crise. Isso acabou propiciando o surgimento de um novo líder, Adolfis e seus novos pensamentos. Conhecido pela sua enorme oratória capaz de prender atenção de verdadeiras multidões. Logo suas ideias se disseminaram entre as classes mis pobres e sem esperança. Suas promessas eram de uma vida melhor para todos. Sustentado pelo ideal de uma nova era ele chegou ao poder. Em sua primeira mudança assinou um decreto em que separava os seres do reino. Dividindo aqueles antes iguais em agora em seres distintos. Nós os pequenos elfos da floresta fomos considerados seres de menor importância, sem direito a viver onde por geração após geração nascemos e crescemos.

Numa chuvosa manhã de abril estávamos todos dentro de nossas casas. A guarda real invadiu nossa floresta. Seus seguidores se identificavam com um símbolo antigo de uma cruz suástica.

Sempre fomos um povo pacifico desconhecedores da arte da guerra. Não sabíamos nos defender. Rapidamente casa após casa tivemos nosso mundo invadido. Os proprietários levados presos e todos os seus bens confiscados em nome do novo regente. Famílias foram separadas. E meus pacíficos irmãos fomos aprisionados no que foi chamado de campo de concentração. Era uma verdadeira usina da morte, montada pelos seguidores de Adolfis para promover a aniquilação em massa de seres indesejáveis em seu novo mundo. A função básica desses lugares era o assassinato coletivo de quaisquer grupos considerados antissociais. Os corpos jogados em valas abertas como se fossem lixo.

Eu e minha família também fomos presos e levados a esse lugar amaldiçoado.

O pequeno elfo parou de falar. Fechou os olhos por alguns instantes, pensando em tudo que vivera até ali. Respirou fundo continuando a narrar sua história:

— No dia da nossa chegada fui separado dos meus pais. Trancado junto com outros elfos menores num galpão. Dia após dia via elfos levados para nunca mais retornarem. Sabia que era apenas uma questão de tempo para chegar minha hora. Estava deitado sobre minha cama de madeira. Olhava os últimos raios de sol que entravam pelas frechas de madeira. Não demoraria muito para escurecer completamente. Me sentia fraco pela fome. Não suportaria aquele lugar por mais tempo. Então do meio da névoa da desesperança o inesperado veio a minha procura. Dois outros companheiros de confinamento tinham preparado um plano de fuga. Tinham cavado um túnel que atravessava do piso do galpão até a estrada que passava ao lado dos murros do campo. De lá se poderia fugir alcançando a floresta. Era arriscado quase impossível o feito. Por outro lado ficar ali para morrer de fome ou nas câmaras de gás não servia de alento. O túnel que tinham fabricado tinha um diâmetro estreito, nenhum dos dois caberia. Porém precisavam testar se chegaria onde planejavam. Não pensei uma segunda vez pulei da caminha de madeira. Aproveitando da troca dos guardas deslizei rapidamente pela abertura feita junto ao banheiro do galpão.

Comecei a descer. A chuva que tinha caído na noite anterior tinha criado uma camada lisa e tornando o caminho escorregadio. Escorreguei por diversas vezes, durante meu percurso. Minutos depois trancaram o buraco por onde entrei, me via então na mais absoluta escuridão. O túnel era estreito e baixo, quase não havia espaço para me mexer. Continuei em frente, às cegas, sem saber para onde estava indo. O único ruído era minha própria respiração. Finalmente cheguei na saída do lado de fora do campo. Antes do dia nascer tinha atravessado a floresta chegando em segurança o mais longe possível daquele lugar. Bem essa minha história seu gato. Desde então vivo fugindo até chegar aqui no seu mundo. Achei essa casa abandonada fazendo dela meu lar. Não sei para onde ir e nem o que fazer.

O gato não disse nada. Escutara todo relato no mais absoluto silêncio. Por fim perguntou:

— E quantos além de você conseguiram fugir?

— Até onde sei ninguém. Por que?

— Isso vai facilitar meu trabalho.

— Não entendi?

O gato não respondeu. Apenas saltou da poltrona caindo bem do lado do pequeno elfo. Tarde demais para entender o que não tinha explicação. O felino avançou em sua direção, os olhos brilhando intensamente. No instante depois o gato dilacera a pequena criaturinha que foi se apagando rápido até perder totalmente sua luz. Num movimento mais brusco, sua coleira de prata se revela encoberta entre seus pelos do pescoço. Nela uma pequena medalha na forma de uma estrela suástica.

HILSTON
Enviado por HILSTON em 30/03/2015
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