METÁFORA
 
Houve uma vez um lugar onde as pessoas andavam muitos tristes. Nada parecia bom para elas. As chuvas eram demais e estragavam as colheitas. O sol era muito quente e esturricava a terra. Os jovens eram rebeldes e não respeitavam os velhos e os velhos eram muitos intolerantes e não compreendiam os jovens.
Ao ver aquela situação conflitante os deuses resolveram vir à terra para consertar aquela situação confusa e conflitante. Reunindo uma assembleia das mais sábias e experientes pessoas do lugar, eles debateram sobre os problemas que estavam fazendo tão infelizes as pessoas daquela terra.
―Divindades ― disseram os anciões, consideradas as pessoas mais sábias do país ― o que está errado nisso tudo é a forma como vós distribuístes as etapas da vida das pessoas sobre a terra. Nós nascemos, crescemos, trabalhamos, ficamos ricos, aprendemos coisas, nos tornamos sábios, e quando estamos no melhor da vida, e poderíamos gozá-la sem percalços, começamos a envelhecer, a ficar doentes e morrer. Tudo aquilo que ganhamos e aprendemos de nada serve. E então nos perguntamos: qual é o sentido de tudo isso?
―Isso é verdade ―, disseram os deuses. ― Nasceis, viveis e morreis. E a razão de a vida ser dessa forma somente o vosso Criador sabe. Mas porque isso vos aborrece? Não vos é suficiente viver? Quereis saber também porque viveis?
―Não queremos a razão disso― disseram os sábios, mas gostaríamos que fosse diferente. Não vemos sentido nesse processo. Por que ter que largar tudo justamente quando começamos a gostar e entender?
― Por que a humanidade é como um rio ― disseram os deuses. Nasce, cumpre o seu propósito e deságua no mar. Por isso é perene.
― Pode ser ― insistiram os anciãos. ― Mas isso não consola a dor de ter que morrer e largar tudo justamente quando está ficando bom.
―E como vocês gostariam que fosse? Digam e nós faremos o que vocês quiserem. Afinal, os deuses existem para servir aos homens. Foi para isso que vocês nos inventaram ― responderam resignados, as divindades.
― Não tem sentido que a vida se acabe depois de tudo que fazemos para que ela se torne prazerosa. Por isso queremos que ela dure para sempre ― disseram os sábios, representantes do povo.
― Se é o que realmente querem ― responderam os deuses ― isso lhes será concedido. ― Mas pensem bem no que estão pedindo. A vida pode se tornar um fardo bem pesado. Não queremos arrependimento depois.
― Sim, Divindades, é isso mesmo que queremos.
Desde aquele dia a gente daquela terra deixou de morrer. Muitos anos se passaram e os deuses resolveram voltar para ver como as coisas andavam por lá. Encontraram um povo ainda mais triste e inconformado do que antes.
― O que houve? ― perguntaram. ―Não estão satisfeitos com a imortalidade?
― Sim, Divindades ―, responderam os sábios, representantes do povo. ― Viver para sempre é bom. Mas há um problema muito mais sério agora.
―Qual? Perguntaram as divindades.
― Como os velhos não morrem, os adultos não envelhecem; e se eles não envelhecem, os jovens não podem tomar seus lugares. Por não poder se tornar adultos e assumir responsabilidades, os nossos jovens não amadurecem. Assim, a roda da vida parou. Tivemos até de parar de fazer crianças, pois se as fizermos elas irão engrossar o contingente dos jovens rebeldes e dos adultos inconformados e desempregados. Há, pois uma grande insatisfação na nossa sociedade. Muitos conflitos, muitas desavenças, muita gente desocupada, as famílias se desfazendo e os recursos necessários à nossa sobrevivência ficando cada vez mais escassos porque é cada vez maior o número de pessoas a dividi-los, pois esta agora é uma terra onde pessoas nascem, mas nunca morrem.
―Nós avisamos vocês sobre o pedido que fizeram ― disseram os deuses
―Sim, mas estamos arrependidos por ter pedido a imortalidade. Descobrimos que viver para sempre é terrivelmente enfadonho, além de complicado e perigoso.
― E o que querem agora?
―Que tudo volte a ser como antes. Que os velhos morram e os adultos envelheçam para que os jovens possam tomar o seu lugar. Que os jovens se tornem adultos e velhos por seu turno e, por sua vez, também morram; que as crianças nasçam e se tornem jovens. Que envelheçam e morram também. Enfim, que a vida possa fluir como a torrente de um rio, como sempre foi e deve ser, e que nós, por conta da nossa ignorância e ambição, quisemos estancar.
―Tudo bem ― disseram os deuses. ―Assim será. Tudo voltará a ser como era antes. Mas como castigo pela insensatez que demonstrastes, querendo deter a roda da vida, de hoje em diante o vosso tempo de vida terá duas dimensões de sensibilidade: os momentos felizes serão rápidos e fugazes. Passarão rápido como cometas no céu e deles só guardareis as lembranças para atormentar-vos com as recordações das alegrias vividas. Vivereis sempre em busca dessas ilusões e delas recordareis como se tivessem sido expulsos de um paraíso de delícias. Já os momentos tristes, ao contrário, serão lentos e demorados. Levarão mais tempo para ser esquecidos. O que vos parece bom durará pouco e o que parece mal lhes parecerá eterno. O trabalho vos pesará como uma obrigação. A terra vos será hostil e só lhes dará seus frutos em troca de muito suor. As vossas dores serão lembradas por muito tempo, e vós as sentireis como se elas estivessem sempre presente em vossas vidas, ao passo que as alegrias serão fugazes e nunca completamente satisfatórias.
E assim se deu. Por isso é que hoje dizemos: o que é bom dura pouco, o que é ruim nunca acaba. Cem anos de felicidade são como um dia, um dia de dor é como um século de tristeza. Nunca basta o que temos, queremos sempre mais. As vitórias são rapidamente esquecidas e as derrotas eternamente lembradas. A chama do mérito e do reconhecimento é uma tocha que se apaga no primeiro sopro do vento e o fogo do fracasso e da desonra é um vulcão que jamais se extingue.
Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.