A Boneca
Ali estava, mais uma boneca pronta. Os cabelos brilhantes e os olhos que podiam se abrir e se fechar. Os dedinhos perfeitos. A boca cor de rosa, os dentes brancos. Sentada numa cadeirinha de madeira, foi embalada numa caixa de papelão que parecia uma casinha. Na prateleira da loja foi exposta como novidade. As pessoas passavam, as meninas a olhavam. Dias se passavam e ela estava ali, olhando o mundo desde sua cadeirinha.
Um dia, uma senhora veio. Olhou para a boneca, e disse ao vendedor: -Seria mais bonita se tivesse o cabelo preto. Assim eu não gosto. Não tem bonecas de cabelo preto?
E a boneca ficou na prateleira, pensando o que havia de errado com o seu cabelo, tão brilhante e bem penteado.
Mais tarde, nesse mesmo dia, uma menininha veio e quis pegar a caixa da boneca. Mas depois de olhar mais perto, devolveu a caixa ao seu lugar. - Que boneca estranha - ela disse. - Cheia de sardas! E esses olhos, muito pequenos, não é, Vânia? - A menina aludida fez que sim com a cabeça para a sua amiga, ela mesma cheia de sardas. A boneca então quis saber o que era isso, pois não tinha espelho, nem sabia o que eram sardas.
A loja fechou, e a boneca se sentiu estranha por primeira vez em todos seus dias de vida. Tinha a impressão de que havia algo de errado com ela, e uma rachadura apareceu no seu pequeno coração de boneca, feito de fibra siliconada.
Dias e noites assim passaram, e a boneca continuava na prateleira, vendo as pessoas passarem apressadas, as mães puxando os filhos pelas mãos, os vendedores arrumando e espanando. Seu rosto, congelado no eterno sorriso cor de rosa, não demostrava a dor que crescia no seu coração, causado pela rachadura. Ela se sentia, de alguma forma que não entendia, errada.
Um dia, uma moça entrou na loja, procurando um presente para a priminha. O vendedor a levou para o setor das bonecas. A boneca na sua cadeirinha ainda era mencionada como novidade pelos vendedores. -Sei não, viu, moço? Ela se mexe? Vem com salto alto e roupinhas para trocar?
-Não, ela é a boneca da Casinha dos Sonhos. Não usa salto.
-Então a Luísa não vai querer. Uma boneca que não usa salto, que coisa mais sem graça. - disse a moça, e foi procurar em outra loja.
E a boneca ficou na sua cadeirinha, e a rachadura no seu coração de boneca se aprofundou.
E assim passou o tempo, e ela continuava ali, sentada e muda, vendo as pessoas olhando-a, julgando-a. Um não a quis porque era muito pequena, outra porque as bochechas eram muito cheinhas. Um grupo de estudantes achou sua cor muito diferente, e uma senhora com um bebê chorão decidiu que ela não era bonita o suficiente para sua filha. Uma outra senhora, já idosa, disse à filha: -Olha essa boneca na cadeirinha, não parece que tem cara de malcriada?
E a boneca sentia seu coração se partir com cada nova frase pronunciada, e não entendia o que havia de errado com ela.
Até que um dia veio uma menina. Timidamente ela chamou o vendedor, e apontou com o dedinho para a caixa que parecia uma casinha. -Eu quero essa boneca - disse com segurança. O vendedor então pegou a boneca da prateleira. -É para presente?
-Não - disse a menina, que tirou do seu bolso o dinheiro justo para pagar. Ela então pegou a caixa e foi embora. Quando chegou à casa, abriu a caixa com cuidado, para não tirar-lhe a aparência de casinha, e apertou a boneca em seus braços. Acariciou-lhe o cabelo, e arrumou-lhe o vestidinho de algodão. A deitou para que fechasse os olhos e a ninou.
-Linda, linda bonequinha! - disse em voz tão baixa que quase não se ouvia.
A partir desse dia, a boneca não sentiu mais o coração partido. Não havia mais dor, não se sentiu mais diferente. Havia alguém que a amava, e embora ouvisse de alguns como ela era estranha, e apesar de que os amigos da sua dona não gostassem dela, ela não mais sentiu tristeza. As palavras não magoavam mais. Ela sabia que a amavam assim, do jeito que ela era.