A Selva
Por: Rafael Dias Jr.
Como representantes mais poderosos da selva, o Leão, o Tigre e o Crocodilo, resolveram se reunir para tratar de assunto comum que tiravam-lhes o sossego ultimamente. Na verdade, não eram muito próximos, não andavam juntos e nem compartilhavam as mesmas coisas. Um era soberano nas florestas, o outro nas savanas e o terceiro exercia o seu domínio nos pântanos. Porém, neste momento crítico, precisavam unir forças para resolver o problema que tanto lhes afligiam.
Ocorreu que as presas se rebelaram, utilizando-se de estratégias ousadas, inesperadas e ardilosas para se defenderem dos ataques mortíferos que sofriam. Embora houvesse ainda muito alimento para os três grandes predadores que sempre foram hegemônicos, tornava-se cada vez mais difícil caçar com o mesmo êxito de antes.
O Tigre, que tinha como sua dieta habitual macacos que viviam em árvores, estava com o focinho todo ferido. Os primatazinhos, que antes faziam só travessuras, aprenderam a fabricar pequenos espetos de madeira que serviam para estocar a cabeça dos felinos quando estes tentavam escalar os troncos em busca de sua vítima. Na semana passada chegou a ficar três dias com fome até pegar um macaquinho distraído que não viu a sua aproximação.
O Leão também estava indignado. As zebras, antílopes e búfalos passaram a pensar. Dedicavam boa parte do dia ao treinamento de pontapés e coices muito doloridos quando acertavam em cheio. O Rei da Selva estava com uma costela quebrada e muitos hematomas espalhados pelo corpo, frutos da sua última caçada. Fora objeto de riso e chacota até das hienas, que eram animais muito inferiores na cadeia alimentar. Com a moral em baixa e sem credibilidade, chegou a comer carniça para não morrer de fome.
O Crocodilo também sofria com esta onda de rebeldia e resistência. Suas presas se organizaram para escavar um canal que desviava água suficiente para matar a sede de todos, porém muito raso para que um crocodilo se escondesse para utilizar a sua principal tática: a surpresa.
- Já está na hora de darmos um basta nisto! – bradou o Leão.
- Nunca fui tão humilhado! Todos sabiam o seu lugar na natureza! A lei sempre disse que o mais forte é quem decide, quem tem os direitos. Quem eles pensam que são para nos desafiar dessa forma?! – expressou toda a sua indignação o Tigre.
- Temos que achar o responsável por isso e puni-lo de forma exemplar para que todos esses insolentes saibam muito bem quem manda por aqui. – vaticinou o Crocodilo.
- Responsável? – perguntou o Leão.
- Sim. Deve existir alguém por trás dessa palhaçada. Alguém que não sabe com quem está brincando.
- Mas, como podemos encontrá-lo e o que devemos fazer? – indagou preocupado o Tigre.
- Em primeiro lugar devemos ganhar a confiança deles. Depois saber quem é o líder. Então cortamos a cabeça e o corpo cairá em seguida. – respondeu o Crocodilo, que parecia ser o mais esperto.
Os três juntaram-se e foram para um campo bem aberto, onde pudessem ser vistos por todos. Fingiam pastar. Comia grama seca e cuspiam tudo fora quando não havia ninguém observando. Com isto, tentavam mostrar que estavam no mesmo patamar que as suas vítimas. As presas ficaram perplexas e demoraram muito para acreditar no que estavam vendo. Os dias iam se passando e aquilo ganhava um ar de normalidade. Os três poderosos exercitavam a paciência. A confiança era conquistada na mesma proporção em que a memória das caças ia ficando mais fraca e esquecendo dos conflitos do passado. Um dia, o Leão se aproximou cautelosamente e puxou conversa com algumas zebras, que continuavam desconfiadas:
- Não vê que nos arrependemos e mudamos? Por que não esquecemos o passado e vamos viver todos em paz? Os tempos são outros. A evolução chegou e transformou a gente. Não tenho mais aqueles hábitos horrorosos e malvados. Cansamos de viver sozinhos e isolados. Queremos somente uma chance para mostrar que não somos mais os mesmos e viver em comunidade.
Uma zebra olhou para outra. Era difícil acreditar, mas estava acontecendo. O Tigre e o Crocodilo mantinham-se longe, observando dissimuladamente. Pareciam confiáveis aquelas palavras. Todo cuidado era pouco. Mas resolveram levar a demanda do Leão até a Coruja. A verdadeira responsável por todas aquelas mudanças.
- Não acreditem. A natureza nunca se trai. Quem nasceu para ser leão jamais será cordeiro. Apenas estão substituindo a força pela inteligência, da mesma forma que vocês fizeram!
As palavras da coruja foram ignoradas. Era grande a excitação por parte das zebras e outros animais desprivilegiados da cadeia alimentar. Foram seduzidos e embriagados pelo glamour de dizer que se era amigo do Leão e do Tigre. De inimigos vorazes passaram ao status de popstars. Os filhotes ficavam admirados com os rugidos e demonstrações de força. Davam sorrisos, acenavam e cumprimentavam a todos. Onde chegavam, o burburinho se formava. Tinha até briga para vê-los mais de perto. E, assim, tudo voltou como era antes. Uma nova espécie de domínio e submissão nascia. Na frente das multidões e manadas, os três comportavam-se como heróis, sustentando de forma muito disciplinada esta aparência. Durante a madrugada e nos lugares mais ermos, continuavam a exercer a sua natureza de predadores, devorando os incautos, os mais fracos e os ingênuos. Ficou a lição de que os fortes sempre andam juntos, independentemente das diferenças que existam entre eles. A Coruja mais uma vez foi superada em sua tentativa de levar esclarecimento àqueles que precisam. Resolveu então se calar e não tentar mais subverter as leis que imperam na natureza desde o início dos tempos.