A metáfora do Curador
 
Não adiantou nada todas aquelas seções com um psicólogo. Ana não conseguira se livrar daquele complexo de inferioridade que a atacava toda vez que se confrontava com alguém que lhe parecia superior em alguma coisa. Bastava ser apresentada a alguém com títulos, ou com alguma fama, não importava de que, ela já começava a tremer.
Todas as garotas eram mais bonitas do que ela; todas pareciam ser mais inteligentes também. Em razão disso fugia das disputas, abandonava o terreno sempre que precisava lutar por qualquer coisa. Se se interessasse por algum rapaz, bastava que outra garota mostrasse interesse também, que ela logo caia fora da disputa. Costumava justificar seu complexo de inferioridade dizendo que era ridículo competir com outra mulher por causa de homens. Porém, esse comportamento não ocorria só com os namorados. Acontecia com empregos, na faculdade, na vida social. Se ela se apresentasse para uma vaga e lá encontrasse concorrentes, logo passava a comparar-se com elas em termos de beleza, postura, modo de vestir, falar etc. O resultado era sempre catastrófico. Não foram poucas as vezes que ela desistiu da entrevista antes mesmo de ser chamada pelo entrevistador. “Como vou competir com uma mulher dessas?”, dizia a si mesma enquanto fugia.
Na faculdade era a mesma coisa. Tinha boas idéias, geralmente sabia tudo sobre a matéria que estava sendo discutida, mas cadê a coragem para expressá-las? Os outros sempre sabiam muito mais. Já tinham dito tudo sobre o assunto. Qualquer coisa que ela dissesse seria repetitiva. Essas eram as vozes que ela ouvia. E então ficava quieta, como uma sonsa, com cara de samambaia esquecida numa sala.
E assim, a vida de Ana estava se tornando cada dia mais triste, monótona e esvaziada. Até um dia em que ela, sentindo-se a última das criaturas, saiu andando sem rumo pela cidade. Seus pensamentos eram os mais negros possíveis. Não via perspectiva nenhuma de vir a ser, um dia, uma pessoa feliz. Sentou-se num banco de jardim, de uma praça qualquer. Se tivesse coragem, se jogaria na frente daquele caminhão que estava passando, naquele momento, pela rua.
 
Foi então que seus olhos caíram naturalmente sobre dois  passarinhos brincando na grama, á sua frente. Um deles era um lindo pássaro azul, enorme, com uma plumagem vistosa, imponente e bem tratada.  O outro era um pardal miudinho, feioso e bem raquítico. Tinha uma plumagem desgrenhada e combalida em algumas partes, parecendo estar com alguma doença.  No entanto, parecia não haver qualquer constrangimento entre os dois pássaros, que se cheiravam, pulavam um no outro, brincavam e saiam voando alegremente, pelos galhos das árvores, como se fossem duas crianças em pleno folguedo.
– Sabe por que eles se dão bem e são felizes juntos?– disse uma voz ao lado dela.
Ana se voltou para o lado com um susto. Perdida como estava em seus melancólicos pensamentos, não percebera que um velhinho havia se sentado ao seu lado.
– Hã? O que o senhor disse?
– Eu disse que esses pássaros se dão bem, se sentem felizes juntos porque nenhum deles tem noção de comparação.
- Desculpe, não entendi-, disse Ana, ainda meio desconfiada com aquele estranho que lhe dirigia a palavra. Mas o senhorzinho tinha um olhar calmo e um sorriso cativante, que logo a desarmou.
-
O pássaro azul não sabe que é azul e grande, e que sua espécie é superior, em beleza e porte, á do pardal. E o pardal não tem a menor noção da sua inferioridade - disse ele. 
– Que bom se os seres humanos também fossem assim- respondeu Ana, com um suspiro melancólico
– Nós somos – disse o velhinho. – Mas ás vezes esquecemos disso e ficamos nos comparando, sem pensar que isso é uma grande bobagem.
- O senhor acha?, perguntou Ana, um tanto desconsolada.
- Mas é claro- disse o velhinho.  - Toda pessoa, seja qual for a sua condição, é uma peça finamente elaborada pela natureza para compor o grande mosaico da vida.
– Olhe esse jardim – continuou ele. – Existem árvores grandes e pequenas. Gigantescos jacarandás e minúsculos arbustos. Lindas rosas perfumadas e imperceptíveis folhas de grama dentro de um imenso gramado. Nenhuma delas é infeliz por causa da sua condição e por não serem vistosas rosas em pleno desabrochar. Deus fez todas essas coisas com um propósito. Por que era preciso que fizesse. Veja aquele pássaro ali e aquela montanha lá no fundo. São tão importantes para o universo quanto o sol e a lua, as estrelas e o vento que penteia os seus cabelos. Por que cada coisa no mundo e cada vida que nasce dentro dele é necessária para que ele exista.
– Assim– concluiu o velhinho, com o seu sorriso cativante –, as pessoas não precisam ficar se perguntando o que elas têm de melhor ou pior que as outras, mas sim o que elas próprias têm para combinar com as outras. Onde podem se encaixar nesse mosaico. Onde é que elas estão faltando.
Ana estava ouvindo o discurso do velhinho, pensativamente. De repente percebeu que seu coração estava leve como uma pena. Olhou para os lados. Queria dizer alguma coisa. Talvez agradecer pelo conselho, que caíra como uma luva para ela. “As pessoas não devem se medir por comparação.” “Devem se procurar por complementação. Devem se perguntar o que têm para dar ás pessoas e não ficar competindo com elas”, repetiu para si mesma.
     As nuvens negras que toldavam sua mente haviam desaparecido. Um novo sol voltara a brilhar. Sentia, pela primeira vez na vida, uma grande alegria no coração. Sabia, agora, com todas as forças do seu coração e com toda a energia da sua mente, que não era inferior a ninguém. Era apenas diferente. 
     Pensou em agradecer ao velho senhor pelo conselho. Mas ele não estava mais ali. Olhou para todos os lados procurando-o. Nada. Era impossível que ele tivesse desaparecido assim tão rapidamente. Mas fora isso mesmo que acontecera. Ele havia se evaporado como se nunca tivesse estado ali. O passarinho de linda plumagem azul ainda brincava, saltitante, sobre a grama, ao lado do banco. Quando Ana se virou para ele, o passarinho voou, desaparecendo nos ares. Só então ela notou a linda pena azul que ele deixara no seu colo.
______________
DO LIVRO "PNL PARA A VIDA DIÁRIA- O PODER DOS ARQUÉTIPOS- ED. MADRAS, 2014