O Canto da Andorinha
O sol custava em acordar, pois ainda se recordava dos belos momentos com a sua companheira lua. O dia ainda dormia numa bela e aconchegante brisa e custava-lhe abrir os olhos. Mas, o tempo chamava todos a dar boas vindas ao outono.
Ali, bem próximo, o João-de-Barro cantava, fazendo-se ouvir por todo o campo. Aquele pássaro era o mais vigoroso do bosque e todas as fêmeas o amavam; menos uma que ele jamais conseguira conquistar - a Andorinha.
A linda donzela era rejeitada por todos, por ser diferente. Sendo de outra espécie, era sempre excluída do grupo. Andava sempre sozinha, mas cantava muito bem. João, então, sentiu que poderia compreender seus sentimentos e desejou cortejá-la.
A Andorinha tinha uma linda casa, entre os telhados de uma mansão, de onde se via toda a algazarra dos outros pássaros do bosque. O frio chegava e todos os migrantes davam seu adeus. Menos ela.
João, esperto como sempre, notou o descontentamento da jovem solitária e aproximou-se dela, oferecendo-lhe o ombro e mostrando-se ser um grande amigo. Ele, com a experiência de tantos amores, viu a oportunidade que esperava.
Ela falou-lhe de seus pesares; vivera um amor com um belo rapagão... era o amor que tanto sonhara, mas que quando iriam conhecer o calor da primavera no outro lado do mundo, ele a abandonara; sem sequer um adeus.
Ele ouvia tudo com atenção, alisando a macia pluma de sua cabeça. Disse-lhe que seria seu amigo e num abraço, abafou as lágrimas que teimavam em cair, comprometendo-se a realizar qualquer desejo para vê-la feliz novamente.
Ela, tomada pela euforia, fez-lhe, então, um pedido: - Venha comigo cruzar o mundo! Muitos lugares lindos iremos vivenciar, onde a chegada do inverno não roubará a beleza das flores.
João fora pego de surpresa! Viu que nas asas da Andorinha, espaço não teria. A liberdade era a canção que embalava a sua vida. Olhou para trás e viu os amigos que viviam com ele na longa jornada de boemia e lascívia.
O que fazer? O amor é um barco tão inseguro que o coração sofre, temendo não chegar à outra margem. A vida conquistada se torna tão rotineira e agradável que não há desejo de mudanças; de viver uma nova aventura, com o intuito de esquecer-se do passado. E, largar uma vida que é o espelho de todos os seus desejos???...
João a abraçou. Disse-lhe que sempre apreciara o seu cantar e o seu voar; que nenhum dos amores que tivera poderia se igualar à sua beleza; que já estava vivendo um sonho do lado dela, desejando não mais acordar; e, finalmente, marcou um encontro no moinho, ao meio dia.
Naquela tarde, a beleza da relva dourada e a alegria dos animais campestres não se equiparavam à felicidade da Andorinha que contemplava o mundo, vivenciando no coração a oportunidade de um novo amor. Entregava-se por completo àquele momento tão sublime.
Ao longe, ouvia-se os sinos da igreja. O contentamento deu lugar a uma tensão insuportável, pois o seu amor atrasara-se novamente... Mas, ela pensava: “Ele virá, eu sei. O que são alguns minutos?”. O tempo a olhou com desprezo e, grosseiramente, trocou a luz do dia com o frio da noite.
E a Andorinha, confiante, certa de que não seria abandonada novamente, esperou... e esperou...
O inverno pintava a paisagem de branco. As festas aqueciam as casas durante a noite e, de tanto beber, João retirou-se, dando boa noite aos amigos. Naquela noite, desnorteado, ele preferiu descansar em uma velha construção de madeira.
Sua mente se perdeu no passado, recordando o belo sorriso de uma jovem. Ria sozinho. Lembrava-se de ter abandonado alguém e de que seus amigos lhe agradecido por ter sumido com uma “esquisita”. Sentando em um bloco de gelo, lembrou-se que ela se chamava “Andorinha”.
Tentava recordar-se de sua face e percebeu que o rosto dela se assemelhava ao rosto aprisionado no gelo. De susto, deu um salto, aterrorizado com a visão; sentiu seu coração quebrar...
Ela o esperou, congelada na esperança...
Ele morreu, despedaçado na culpa...