Teatro de Solidão
Angélica, uma jovem atriz apaixonada pela profissão, admirada pelos amigos e determinada em cada trabalho que faz, vive uma vocação, uma dádiva: ela se dedica ao teatro desde pequenina. Cresceu aprendendo a recitar textos, poemas, a maquiar-se e a usar máscaras no rosto, dar vida a outras vidas que nascem da imaginação. O palco sempre fora sua paixão. Em seu trabalho, nunca deixou a desejar. Disciplina, pontualidade, estudo e performance - todos os requisitos necessários para o êxito de suas funções - ela aprendeu a administrar.
Numa ocasião rara, dessas que nunca se deseja ou se espera, Angélica tinha uma peça a apresentar, um monólogo, que por sinal era um longo texto! Para isso, usara como de costume o dom da memória a fim de decorar com a ajuda do poder da interpretação, as palavras, os pontos e até as vírgulas daquelas longas páginas. Quando chegou sua hora, ainda no camarim, ela deu-se conta que havia uma única e só pessoa, uma só cadeira ocupada daquela grande sala de espetáculos. Olhando-se no espelho daquele lugar, viu-se diante de um drama entre o espetáculo e o real: sentiu-se sozinha e abandonada pelo público, uma solitária atriz.
Então, ela pensou em como reagir diante de um episódio que pode ser constrangedor para uma artista, para uma atriz. Analisou o quanto essa atividade exige habilidade e coragem para enfrentar momentos fortes como este. E então entendeu que viver sua profissão não se define só em aplausos e vaidades, mas em trabalho, humildade e perseverança naquilo que se dedica e responsabilidade no que se faz. Viu-se desafiada pela solidão do palco. Encarar um monólogo já era de se esperar, mas uma sala de espetáculos sem o público almejado é uma das situações mais humilhantes. Rapidamente pensou em como agir: um monólogo, uma só atriz, uma só pessoa, uma só cadeira ocupada, mas a sua vocação, seu ofício, seu ar, podiam fartar-lhe mais do que os aplausos de uma grande plateia, mais do que a companhia de muitos companheiros em cena... Angélica então decidiu o que fazer: enfrentar o drama... Saiu do camarim como quem ia para uma grande guerra, determinada a cumprir o seu dever: interpretar o papel. Entrou no palco como se fosse a única vez de tantas em sua vida. Iria apresentar o monólogo com garra e decidida a vencer o drama da solidão, do abandono... ela não conseguia imaginar-se saindo do teatro para casa sem nutrir-se do seu alimento, do seu ar, do seu ofício.
Ao entrar no palco, as luzes se acenderam e ela respirou fundo, concentrando-se na mensagem do texto. Encarou aquela única pessoa a lhe assistir, olhou-a bem nos olhos e com expressão de quem não tinha nada a temer e nem a se constranger, pôs a sua obra em prática, apresentando dignamente o monólogo por horas e horas, enfrentando uma grande sala de espetáculos com um só espectador, pronunciando com ênfase todo o texto, dando vida, sentimento e emoção às palavras e gestos que uma atriz do seu nível sabia representar. Ao terminar, foi aplaudida de pé, recebeu o cumprimento digno a uma boa atriz e saiu fortalecida por cumprir sua nobre missão.