A Manhã da Cotovia

Era uma manhã calma na Fazenda. O sol aparecia timidamente, clareando o campo dos ovinos e aquecendo o cercado dos cavalos. O cheiro do café de Dona Rita já temperava o ar e Seu Pedro já estava a caminho de fazer a felicidade de todos os bichinhos com um bom lanche da manhã. Os favoritos de Seu Pedro eram os porquinhos, que se alegravam ao ver vovô com o pacote de ração; e as cotovias, que apareciam toda manhã embelezando a fazenda inteira com seu canto. Todos paravam seus afazeres. Principalmente, quando era Amélia, a cotovia mais jovem, que expunha sua melodia. Encantava a todos, a pequena princesa das asas amarelas; até Pepe, o porquinho.

Pepe era o mais desajeitado dos porquinhos. Adorava se sujar em sua lama, brincar com seu irmão Papis e esperar acordado a manhã chegar, para ver Amélia de novo. E quando ela chegava, não era mais o cheiro do café de Dona Rita que adocicava o ar, era Amélia e sua gloriosa voz.

Não era mais Seu Pedro que alegrava as manhãs, era Amélia e sua gloriosa chegada.

Estava, enfim, apaixonado.

Mas Pepe tinha medo. "Uma ave tão majestosa, jamais se deixaria amar um animal tão comum e sem graça como eu", pensava ele. O amor e a incerteza são inimigos, bem sabia ele. Um não existe se o outro existir no mesmo canto do coração. Porém, Pepe era corajoso. Era o porquinho mais corajoso da Fazenda. Pulava nas poças de lama como um acrobata, encarava lutas com os porcos mais velhos e se declarava para cotovias.

No outro dia, Pepe se postou em frente à árvore das cotovias. Ali esperou até que Amélia aparecesse. E ela apareceu. E piou a mais bela canção de prazerosos quinze segundos. "Foi uma bela canção, querida cotovia. Mais bela do que o canto de qualquer rouxinol; mais encantadora do que o bater das asas de uma borboleta; e tão mais lindamente orquestrado do que o voo de um beija-flor. Você, amável Amélia, para mim, brilha mais que o sol da tarde que bate no telhado do estábulo; abriga a leveza de uma flor de cerejeira quando cai do galho. E posso lhe dizer com toda a certeza, senhorita Amélia, que quando ouço-a cantar, o vento sopra no ritmo do meu coração e meu peito se aquece com cada nota que de seu bico sai. Apaixono-me cada dia mais pelas manhãs em que posso ter o prazer de a ouvir e pelas noites em que posso ter o prazer de esperar pelas manhãs", declarou-se.

A cotovia, lisonjeada, piou carinhosamente. E encantada, disse: "Querido Pepe, mas que bela declaração. Me encanto em saber que meu canto o faz sorrir; me enche de satisfação saber que você, porquinho enlameado, ama minha canção como sei que ama os pores-do-sol. Entretanto, me entristeço ao ter de lhe dizer que há esta linha imaginária que separa este porquinho atrapalhado, desta cotovia tão independente. Esta é a última vez que me ouve cantar, Pepe. Quando acordar amanhã, você não ouvirá a melodia que ouve há duas estações; nem verá o pouso das cotovias da fazenda. Receio que esta noite, seja a sua oportunidade para apenas dormir, amado Pepe, e não esperar muito do próximo amanhecer."

Quando amanheceu, Pepe correu para a sombra da árvore das cotovias para esperar Amélia. Na outra manhã, Pepe fez o mesmo. E nas outras manhãs também. Mas nem Amélia, nem nenhuma cotovia apareceu. Depois de alguns dias, o porquinho perdeu as esperanças.

A verdade é que cotovias voam. E voam para longe. Independentes. Diferente de porquinhos, elas batem as asas para longe do inverno, procurando outras fazendas, outras árvores, talvez até outros porquinhos.

Alguns amores duram apenas uma estação...

Beatriz Bioni
Enviado por Beatriz Bioni em 07/05/2014
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