Rogério

Cá estava eu, em meu canto, crente que estava triste com a vida e de como as coisas acontecem, até que olhei um homem velho sentado na calçada, ele não tinha teto, não tomava banho mas sempre estava sorrindo, então resolvi falar com ele e disse:

- Olá, meu jovem!

- Olá, meu nobre!

- Vi você parado, somente observando o movimento. De onde vem?

- Da terra do nunca!

- Mas como pode vir de um lugar que nunca existiu?

- Quem te disse? Lá é minha terra natal.

- Senhor, por acaso bebeste?

- Não, meu nobre, eu não bebo!

- Pensei que estava angustiado, mas vejo que é bem humorado.

- Angustia não, somente a maior dor do mundo, sinto todos os dias.

- Pois então conte-me, que dor é essa?

Eis então, que esse homem me cantou um poema.

*

Através das ruas eu andei

Muitas pessoas eu vi e me lembrei

Elas não olham para mim.

Então tenho importância para quem?

A maior dor que já senti,

não vem de ferida ou casquinha

É uma dor que não se explica

é a saudade que bate e fica.

Nesse mundo tolo,

sempre vejo um todo,

pessoas tão egoístas,

sem ponto de partida.

Tão ocupados com a televisão

que não vêem a manipulação.

Louco eu não sou, posso te garantir.

Loucura seria não viver, só estou aqui, vim pra existir.

Tão bobo sou eu

que costumei viver no breu

sem amigos, sem ninguém.

Agora voltei a vida, quem sabe mudei?

Quer saber o que é dor?

Sentir saudade de quem não vai voltar.

Quer saber o que é loucura?

Todo dia dormir sem ter um lugar.

*

Aquele homem cantou de uma forma tão natural e alegre que meus problemas pareciam pequenos, ele sentia saudade de algo que não podia voltar, eu só tinha medo de perguntar. Me encorajei e então perguntei.

- Senhor, que dor é essa que tanto sente? Quem perdeu?

- Meu melhor amigo, comigo ficou vinte anos.

- Sinto muito, você deveria gostar muito dessa pessoa...

- Pessoa? Não, na verdade ele era um quadrupede.

- Do que estamos falando?

- Que tal de um bicho que todo dia te acordava quando você não queria levantar da cama? Passava a pata em meu rosto quando chorava, se esfregava em mim no frio pra tentar me aquecer quando ninguém tinha coragem de pelo menos perguntar se eu sentia frio? Sim, ele era meu cachorro, meu querido Totó.

- E o que fez parar na rua?

- Quando ele se foi, eu não acordava mais para trabalhar, ele não estava mais lá...quando eu chorava, ninguém vinha me alegrar, ele não estava lá, na noite de frio que ele não estava lá, eu também não estava.

- Como assim?

- Vamos dizer que eu não sou quem você vê, eu só sou você se não levantar da cama.

- Está tentando me dar uma lição de moral?

- Te vi cabisbaixo, encarei você e deu certo, você veio falar comigo! Meu amigo se foi, mas creio que posso fazer novas amizades, creio que posso tentar colocar um sorriso no rosto de cada um que passa triste, eu tento alegrar, mas em dez anos você foi o único que veio falar comigo.

- Eu te vi aqui sentado, parecia angustiado, queria saber se estava bem.

- Sabendo que alguém ainda sem importa com outras pessoas, pode ter certeza que estou ótimo. Hoje em minha caixa de papelão haverá um banquete, você está convidado! Só não espere muita comida, tudo o que tenho é de doação.

- Mas...o senhor mal tem o que comer e ainda vai dividir comigo?

- Sim, o ser humano faz isso, ele não é egoísta, as pessoas se tornam egoístas porque o mundo ensina isso a elas. Também não precisa trazer nada, apenas leve contigo um belo sorriso.

- Onde é sua caixa de papelão?

- Logo ali atrás de você, perto da mureta amarela com um pequeno toldo. Espero você lá!

- Eu irei!

Quando voltei pra casa para tomar um banho revigorante, quase acabei me esquecendo do convite do homem que eu nem sabia o nome, então me apressei e corri até a praça que ele morava, fui até o pequeno toldo ao lado da mureta amarela, cheio de polícia e ambulâncias. Cheguei perto para ver o que havia acontecido e vi o homem deitado em sua caixa com dois paramédicos do lado, me comovi e chorei. Um policia viu minha reação e perguntou:

- Desculpe senhor, você conhecia este morador de rua?

- Sim, conversei com ele a algumas horas atrás, o que aconteceu?

- Não sabemos ao certo, ainda estamos tentando reanima-lo.

- Droga...

- O que foi, rapaz?

- Ele havia me convidado para vir aqui, iria conversar com ele.

- Então você é o jovem que viria...

- Ele me esperava?

- Na verdade parece que ele passou dessa pra melhor tem algumas horas.

Eu ainda em prantos não pude acreditar que aquele homem que estava sorrindo de tarde comigo, me contado história e tentando mudar meu rosto de triste para alegre havia falecido, eu nem ao menos sabia seu nome...O Policial olhou novamente pra mim e disse:

- Rapaz, antes dele morrer parece que ele havia escrito uma carta sobre um jovem que encontrara de tarde...aqui tem a data e a hora. Gostaria de ver?

- Sim...por...favor.

Eu não aguentara, as lágrimas caíam como se fosse uma cachoeira! Peguei a carta das mãos do Policial e quando abri havia um poema.

"Ao ver alguém se importar,

hoje pude me deitar.

Ao ver alguém rir,

reaprendi o que é sorrir.

Se triste era, fique feliz agora.

Sua presença renova.

Me prometa que o sorriso nunca irá embora.

Do mundo dos vivos parti

Para Terra do Nunca, voltei.

Hoje você renascerá,

acredite, verá.

Não ouse chorar,

estou em outro lugar.

Junto com meu companheiro peludo,

agora eu vejo eu mundo!

Podemos aqui passear,

voltamos finalmente a sonhar.

Na Terra do Nunca eu vou ficar,

Pra Terra do Nunca, eu vou voltar.

PS: Não se sinta culpado, eu disse que era uma dor agonizante, meu companheiro de orelhas me chamou, meu corpo não aguentou, então pra Terra do nunca eu vou. Se você tem uma missão nessa vida, acredito que cumpriu, pois em paz eu parti, por voltar a acreditar que as pessoas possam sorrir. "

E eu achando que a vida era ruim! Tenho tudo, mas parecia que não tinha nada...como fui egoísta, como fui besta! O pobre homem só tinha uma folha de papel, caneta e um cãozinho...ele perdeu o cão que tanto amava e ainda fazia companhia, gastou seu ultimo pedaço de papel e suas ultimas gotas de tinta que havia na caneta...só faltou a caixa de papelão que estava deitado, depois disso ele não perderia mais nada, ainda havia me deixado a pra mim seu ultimo registro, que hoje guardo comigo toda vez que fico triste, sem contar que toda vez que alguém não está bem eu entrego a carta e conto a história e toda vez o sorriso se renova.

Mesmo parecendo que não temos nada, temos tudo, agradeça pelo o que tem e aos que não tem, compartilhe o que puder, independente de raça, cor ou cresça todos nós somos iguais, todos nós somos humanos.

Ceoltóir
Enviado por Ceoltóir em 25/04/2014
Código do texto: T4781974
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.