Além da Metáfora*

Luciana Carrero

Chapeuzinho Vermelho bateu na porta do poeta, de manhã bem cedo. Uma senhora gorda, com cara de Nossa Senhora, atendeu.

- O que deseja, menino? O poeta não está. Foi colher metáforas.

- Não sou menino, sou menina.

- Mas você não é o famoso Chapeuzinho Vermelho?

- Sim, mas sou menina.

- Mas Chapéu é masculino, logo, pensei que... mas deixa pra lá. O poeta foi colher metáforas.

- Pois é justamente o que estou vendendo. Quer olhar na cestinha?

Chapeuzinho foi tirando o pano e dizendo:

- Olha só quantas metáforas eu tenho aqui, Dona... não sei como chamá-la. (Mentira de Chapéuzinho. Nem tinha metáforas, mas foi enrolando, para fazer grau)

- Pode chamar-me de Poesia. Sou a governanta do poeta.

- Então estou falando com a pessoa certa. Quero vender-lhe metáforas.

- Mas para que eu quero metáforas, menino, quero dizer, menina? Metáfora é coisa de poeta. Eu, hein! Não tenho nada com isso. (A Poesia também era muito viva e estava desdenhando a Metáfora, para comprar mais barato)

- Para dar de presente ao poeta, Dona Poesia.

- Que dar de presente! Olha se eu tenho cara de dar presente para poeta. E ainda mais sendo metáforas. Me deixa fora disso.

- Mas, Dona Poesia, eu preciso vender as minhas, estou falida. As crianças nem acreditam mais em mim, e os escritores da Internet estão fazendo "fakes" com minha imagem e virando minhas histórias do avesso, dizem que o Lobo Mau me comeu e que a Vovozinha, por sua vez, faturou o Lobo Mau.

- Não, não quero metáforas. Mas o que mais você tem aí?

- Metonímias, onomatopéias, aliterações, assonâncias, elipses, polissíndetos, zeugmas, anacolutos, pleonasmos, anáforas...

- Não, não, meni...no...na. Eu quero metáforas. Teria aí?

- Ma...mas, me... metáforas. Para que a Senhora quer metáforas? A vovozinha falou que isto é uma droga.

- Não, então não quero. Vou dar de presente ao poeta outra coisa, outra hora, agora não. Volte quando tiver metáforas.

- Ma... Mas a senhora quer ou não quer metáforas?

- E você, meni... no...na tem ou não metáforas para vender?

- Não, não tenho, Se... Seu Poesia – (Chapeuzinho continuou enrolando, para valorizar o produto)

- Eu sou Dona Poesia (vociferou a Poesia)

- Desculpe, pensei que, se poema é masculino, a Senhora. também... (Ela só queria vingar-se da Poesia chamá-la de menino)

- Mas já falei que sou Poesia, feminina. Não vou comprar mais nada. Se não tem metáforas, pode ir embora.

- Espere, acho que tenho umas metáforas, aqui. Mas estas estou guardando para um outro cliente que encomendou.

- Eu pago o dobro.

- Não!

- O triplo!

- Está bem! São suas. (e deu para Dona Poesia um saquinho cheio de catacreses) Agora me pague o triplo!

Como Dona Poesia não conhecia estas ervas todas, pensou estar comprando metáforas. A menina recebeu o pagamento em três vidrinhos de Essência (o triplo), que eram o escambo que Dona Poesia tinha.

- Mas o que vou fazer com essências, senhora?

- Perfumes, ora! Alguém faz outra coisa com essências?

Chapeuzinho foi embora. No caminho, abriu um vidrinho de essências para cheirar. Sentiu um imenso desejo de cantar e compor poemas e canções. Ela que andara tão amargurada, perguntou-se: O que terá acontecido comigo?

O poeta chegou em casa.

- Está pronto o manjar dos deuses? Estou com uma fome do cão! Estou um poço de desejos ensandecidos por prazeres de Baco, inclusive! Onde está minha tela cinematográfica das letras (ele se referia ao Notebook). Vou ingerir delícias e depois dar tiros de poemas no mundo.

Ele sempre falando desse jeito estranho! (a Dona Poesia pensou isso)

E ele disse a ela: “Ah, não consegui colher metáforas. Mas comprei um saco cheio de ervas de todos os tipos, não que eu vá precisar, mas para ajudar um pobre menino”.

- Menina! (Falou Dona Poesia). Ela é Chapeuzinha Vermelha!

- Isto mesmo. Mas ela falou Chapeuzinho. Pensei que... (o poeta falou isso) era da diversidade.

Dona Poesia falou que tinha comprado um saquinho cheio de metáforas, (que ela não sabia tratarem-se de catacreses) e as deu ao Poeta.

- Você pode precisar.

- Ah, então a senhora comprou? Por isso que ela não tinha metáforas para vender-me! (O poeta, ato contínuo, foi abrindo o saquinho e cheirando). Mas isto são catacreses! (só pensou e não falou nada, para não magoar a senhora)

Ele sabia que a Catacrese é uma erva para usar quando, por falta de outra específica para alguma coisa, torna-se a outra, por empréstimo. Entretanto, devido ao uso contínuo, não mais se percebe que ela está sendo empregada em sentido figurado, uma espécie de placebo. Seria um excelente chá para usar quando metáforas estivessem em falta, o que ocorre amiúde.

Para completar (o poeta pensou), “preciso conseguir algumas Alegorias”, também. Assim o dia foi passando, e a noite chegou. Ele falou:

- Boa noite, mãe querida, que deu-me a vida numa tarde linda de primavera...!

E ela:

- O que vai fazer, Menino?

- Vou para os braços de Morfeu.

- Ele não perde essa coisa de falar desse jeito e de chamar-me de mãe. Mania de enfeitar tudo!

Eulália ficou ali sorrindo e disse:

- Bem, eu que sou normal, vou ver a novela das oito, empanturrar-me de feijão, arroz, batata, carne, saladas, e depois dormir na minha cama, nos braços do meu colchão, mesmo, já que não tenho Morfeu.

- Pobre do meu menino! (pensou a governanta) Como vai se arranjar quando eu for embora deste mundo? E uma lágrima de saudade antecipada caiu dos olhos seus.

(* Dedico este conto ao Poetinha Joaquim Moncks)