A ilha

Paredes sujas de lodo, oxigênio reduzido ao mínimo e plantas mortas compõem o cenário caótico do pequeno aquário de Pintado. À frente dele, em outro aquário, flutua inerte Betão, um velho amigo que morreu sufocado por tanta sujeira. Infelizmente, o destino de Pintado nada para a mesma direção.

Os aquários ficam dentro de um barraco que está em uma poluída ilha rodeada de tubarões famintos de todas as espécies. O mais triste é ver, através da janela, a outra ilha, que fica em frente onde Pintado mora, toda conservada, recebendo todos os cuidados da responsável pela ilha Pau Brasil – ilha onde flutua o pobre Betão.

Pintado não sabe para onde nadar, pois se ficar o oxigênio acaba e se for para outro lugar os tubarões comem. O jeito é arriscar. É pensar uma maneira estratégica para fugir para outra ilha. “Pedir asilo? Nem pensar. Tubarão é astuto, se piscar, Pintado vira isca.” O Pau Brasil é democrático apenas para peixe gringo ver. Até o slogan da bandeira incita autoritarismo: “Ordem e Progresso”.

Revolução? Sozinho Pintado é apenas um peixe fora d’água. Ninguém percebe a sujeira dessa ilha, aliás, percebem, mas memória de peixe é curta.

Todos flutuam sorridentes em seus aquários poluídos, dando um “jeitinho” para habitar onde os cuidados mínimos necessários foram relegados ao esquecimento. Uma vez a cada quatro anos a responsável joga uma ração ordinária para todos os peixes pau-brasileiros, em troca os miseráveis nomeiam-na para mais quatro anos de responsabilidade.

É um círculo vicioso que só há fim se uma onda afundar a ilha. Pintado reza para um acidente natural acontecer, mas também reza para conseguir fugir de lá. Ele não é esperançoso igual ao companheiro de uma barbatana a menos. Se esperar, o ar acaba.

Pintado estudou todo o território a sua volta, observou que há um vaso sanitário próximo ao seu aquário e concluiu que a água puxada pela descarga desemboca além do local dos tubarões. Plano suicida, mas libertador.

Tudo estava pronto para o salto libertador ou mortal. O morador do barraco foi fazer suas necessidades fisiológicas, Pintado tomou um forte impulso e saltou para o vaso. Sem perceber a presença de Pintado, o sujeito puxou a descarga.

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“Estou livre, agora posso nadar tranquilamente”. “Usted no es libre. Será deportado a su isla”, falou a Pintado um peixe que usava um charuto na boca.

O sonho de morar em um país tropical abençoado pela liberdade foi por água abaixo, pois a ilha financiada pelo Pau Brasil é tão autoritária quanto ao próprio Pau Brasil. Pintado não só foi deportado como também virou sushi para tubarão.

Thiago Pichinin
Enviado por Thiago Pichinin em 28/02/2014
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