O “PSIU” E A BUGANVÍLIA APAIXONADA

Era um domingo e fazia sol. A chuvarada insistente havia dado um tempo e o verde estava fulgurante em todos os seus matizes. As árvores da cidade pareciam estar se preparando para um desfile de beleza, dando início à maquiagem, esboçando os primeiros botões de flores...

Minha mulher, lá de dentro da sala lembrou-me do conselho médico: O dia está lindo! Tome coragem e vá fazer sua caminhada!

Olhei pela janela e vi um céu sem nuvens, azulzinho da silva, realçando o voo das andorinhas que costumavam fazer ninho no telheiro do prédio vizinho. Inspirei fundo, desliguei o computador, vesti a bermuda, calcei um sapato macio, tomei um gole de café e fui para a rua.

Saí do “Van Gogh”, pelo lado esquerdo, e tomei rumo à rua que fica bem em frente ao Fórum da cidade.

Sobradinho estava vivendo uma rara manhã. Quase não havia carros circulando, a “Feira do Padre” tinha poucas barracas e os fregueses remanescentes saiam com suas bolsas levando as hortaliças e legumes para a semana entrante.

Afinal, o primeiro domingo de 2014 era o último dia do feriadão esticado e das festas de fim de ano. Era o dia do retorno para os que congestionavam as pistas da BR-020 em direção as cidades em que vivia a saudosa parentada. Segunda-Feira era Dia-de-Reis e de recomeçar a faina pela vida. Dia de retorno e de renovar a agitação...

Após uns dez minutos de caminhada observando as pessoas, as coisas e o ambiente por onde passava, quando seguia pela calçada em que fica a “CAESB”, ouvi um “psiu” que parecia vir do meu lado esquerdo, um pouco atrás. Dei uma parada, olhei ao redor, mas não vi nenhuma pessoa que pudesse estar tentando chamar minha atenção.

Pensei: Meu nome não é “psiu”, logo, quem está me chamando não deve seu meu conhecido! Dei de ombros e retomei minha caminhada. Mais alguns passos à frente e, novamente, outro “psiu”. Dessa vez, mais forte que o anterior. Encabulado voltei-me e fiquei encarando, de olhar acurado, com o ouvido pronto para captar qualquer chamamento semelhante.

Estava nesse estado de indefinição quando ouvi uma vozinha suave e meiga falando comigo!

-- Hei! É com você mesmo! Pare um pouquinho e chegue mais perto! Não fique assustado! Sou eu mesmo quem está lhe falando!

Quase não acreditei no que estava vendo e ouvindo! Pisquei os olhos, dei um beliscãozinho no braço para ver se estava sonhando e cuidei de prestar toda a atenção ao que estava acontecendo! Era uma senhora mangueira que estava falando comigo! Você pode acreditar numa coisa dessas? Já imaginou se acontecesse consigo?

Diante de mim estava uma frondosa mangueira, de respeitável altura, galhos fortes, com um caule robusto e densa folhagem. Sem mais delongas deu início a esse incrível diálogo!

-- Já tem alguns dias que estou esperando a sua passagem por aqui e estava aflita que essa oportunidade fosse perdida! Sabe como é! O tempo não perdoa, as coisas perdem a oportunidade de se realizarem e não resta outra saída a não ser esperar que o tempo faculte outra chance.

-- Para mim não é nada fácil entender o que está acontecendo! Quem poderia imaginar, um dia, uma árvore lhe chamando de “psiu” e dando pitacos filosóficos a respeito do tempo, fator cíclico, e coisas complicadas assim?

Mal terminara de me expressar, a mangueira caiu na gargalhada, explicando o que estava acontecendo.

-- Bem! Realmente, muito poucas pessoas iriam entender coisas assim, mas, não pretendo tirar o seu tempo é que gostaria de dar-lhe um presente. Um presente meu, em nome de todas as outras árvores com as quais você cruza pelos caminhos da vida!

-- Presente? Mas o que fiz eu para merecer um presente de uma árvore representando outras?

-- Aí é que está o mistério da coisa! Há poucos dias aconteceu algo muito interessante aqui no arvoredo! Você foi visto com sua máquina fotográfica tirando fotos de várias das nossas primas e irmãs. Você lembra?

-- Claro! Foi no dia em que minha atenção foi despertada para “Os Infinitos Tons do Verde”! O verdejar da cidade e dos campos estava verdadeiramente magnífico! Vocês, todas, radiantes! Não pude deixar de registrar algumas dessas imagens!

-- Pois é! Você andou tirando fotos de várias de nós, mas houve uma que lhe chamou mais atenção e você ficou um tempão olhando para ela!

-- Sei! Foi aquela buganvília que fica bem em frente ao Quartel dos Bombeiros! Estava totalmente florida, sem deixar uma só folhinha verde aparecer! Realmente fantástica! As fotos estão no meu arquivo e andei espalhando-a para meus amigos na Internet.

-- Então! Nós ficamos sabendo desse lance e, à noite, quando costumamos conversar entre nós, ouvimos o feliz relato da nossa prima buganvília. Aquela foi uma noite memorável!

Ela se sentiu tão lisonjeada que acabou ficando apaixonada por você. Durante a nossa conversa, não parava de suspirar, revirar os olhos e chamar você de “meu árvoro”! Pode, uma coisa dessas? Pura fantasia, meu amigo! Pura fantasia! Coisa de buganvília apaixonada!

Quem acreditaria numa coisa dessas?

No dia das fotos, quando estávamos conversando sobre o assunto, diante da alegria da prima, as outras começaram a festejar e a cantar aquela música do “D.J. Bola, que diz, mais ou menos, assim: ...“ela é pop ela é capa de revista”... E isso foi pela noite adentro! Uma verdadeira festa! Só você vendo! Foi a noite da berlinda para a prima buganvília!

Por esse motivo, resolvemos dar, a pedido dela, um presentinho a você. Veja lá em cima, naquele meu galho mais alto, aquelas mangas amarelinhas! Estão lá guardadinhas para você! Eu as escondi para que ninguém as apanhasse!

Então, a mangueira fez uns trejeitos como se estivesse rebolando ao som da música e, ao balançar o galho, as mangas caíram bem em cima de uma moita de capim, amortecendo-lhes o choque com o terreno. Não ficaram nem rachadas e nem amassadas!

-- Pronto! Lá está o seu presente! Pegue-o, leve-o e desfrute-o!

Sensibilizado, agradeci a todas outras árvores, num abraço terno e carinhoso no caule firme da mangueira matriarcal sussurrando-lhe algumas palavras manifestando meu contentamento.

Peguei as mangas no chão e tratei de retomar o meu caminho. Quando estava nas imediações do Corpo de Bombeiros, dirigi-me ao local em que estava a minha “buganvília pop”. Dei-lhe um abraço, um beijo e disse-lhe um “te amo”!

Não sei se a emoção travou-lhe a garganta, pois não ouvi nem palavra e nem murmúrio. Apenas, senti seu coração colado ao meu, pulsando mais forte... Estava feliz... Despedi-me e segui em frente.

Umas pessoas que estavam aguardando, no ponto de ônibus, ficaram sem entender nada do que se passou entre nós, mas estavam, todas, com cara de bobas, umas olhando para as outras...

Chegando em casa, tratei de sentar-me num banquinho da cozinha e saborear as mangas que ganhei das minhas amigas e da buganvília que me chamava de “seu árvoro”. Nunca esquecerei aquele “psiu” Nem a terna doçura daquelas frutas que ganhei de presente.

Anunnak – 06/01/2014-19:34Hs

Amelius
Enviado por Amelius em 06/01/2014
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