A SAGA DO SARGENTO REIS NA "PEDRA DA PENHA"

Penacho não, Penhasco... Pomposo e exuberante, imponente na vastidão.

Penacho era nome de burro, do burro que Senhor Agnelo possuiu, maior fazendeiro que por ali existiu na década de 80. Sua fazenda, fincada ainda está do lado direito do caminho torto que leva o povo a Penha - descendo valados e subindo ladeiras - é só seguir em frente. Penacho era burro forte, castanho, alto nem tanto -ainda que não cutucasse, bastava levar a mão em direção ao vazio e podia arredar, acalorado dava coices no vento com os dois pés duma vez... Abria porteira no peito e mordia cangote de boi deitado pra sair da frente; Servia pra montaria não, sua serventia era mesmo pras cargas. Burro cargueiro.

Penacho era burro e penhasco é pedra.

Vou falar do Penhasco.

De longe avistamos a estrela D’alva assentada na testa da grande rocha. De cá, da serra dos Morais, da Rodovia do Álcool, dá impressão que a Pedra está na entrada da Rua de Baixo, no terreiro do Zé Fino. Como um baita sapão de cabeçona erguida se destaca entre os demais rochedos.

Vive agachada pesando duro sobre a montanha dos Machadinhos que a apóia no lombo. A vargem te vê alegre, em suas sombras aninham-se os passarinhos. Suas barbatanas são enfeitadas por belezas naturais - arbustos, capim rasteiro e árvores centenárias. Ali faz limite ao norte com os dois municípios Mineiros: Entre Folhas e Vargem Alegre. Reverenciada suntuosamente como um deus Pedra recebe penitentes que, de tempo em tempos, vão depositar suas orações ao pé do cruzeiro pedindo chuva e rogando a Deus que mande dias melhores, e farta colheita. Entre si os dois povos dividem a pedra em olhares e súplicas.

Na boquinha das entranhas da mata ouve-se o canto da rola: Rul, rul, qui -rul... Rul, rul, qui –rul... Teias de aranhas, cipó caboclo e cipó São João trançados como armadilhas tentam trancafiar a passagem. Acesso dificultado, área densa e montanhosa com mato perigoso, bravo de natureza, unha de gato e navalha de macaco, chão fértil de rastos de bichos miúdos, bosta de piriá e cheiro de jaguar zangado - coração silvestre. Nas paredes e frestas as pinturas e marcas daqueles que primeiro habitaram a região são contempladas por papagaios que chocam nas fendas. Locas sombrias nas pedras, carcavado feito por gente - no passado, abrigo de índio e escravo refugiar.

A subida é desafiadora. Vez ou outra um tropeção... Os dedos duros nas brechas encaroçadas das trilhas íngremes e sinuosas seguem resvalando involuntariamente, e dói - resultado natural - pois o peito pelado do pé descalço tocam nas penugens salpicadas de orvalho postas sobre a vegetação rasteira da virgem mata, que molhada destilam gotas curtas do sereno gelado caído durante o madrugadão friento que agitam o inverno no mês de junho. Os aventureiros ávidos sobem e vão chegando ao ponto mais elevado do monte junto com o destampar do sol, que do outro lado brota robusto em encantos. Na parte mais alta no cume não tem terra fofa, o vento sopra e perdem-se os mistérios. Uma árvore cochicha com outra, dormem, e as flores dançam.

As vistas viajam e avistam outras colinas menores nos lonjais como um colar estendido na penumbra. - São os corcovados.

As belas montanhas dos nossos Gerais cobertas por um véu de nuvens -encostam no céu.

No verão, na época das águas, a cerração encobre as serras indicando que terá chuva na terra, de longe acompanhamos maravilhados, porém, o topo, a cabeça da Pedra maior permanece destampada em sinal de Majestade, de soberania sobre os demais montes.

Dali você leva cheiro do mato, da relva, e uma enorme vontade de voltar.

Contava o povo antigo que, certa indiazinha de nome Penha, da tribo dos Botocudos que viviam na região do córrego do oriente, teria marcado com ponteiro de diamante os fatos ocorridos nos arredores, sobretudo no topo da pedra maior, conhecida anos mais tarde, popularmente como “Pedra da Penha”.

A tal indiazinha, quando mocinha, resolveu se aventurar na vida desencantando-se num encontro meio que desaforado, com um dos soldado da equipe de Dom Pedro II que passava no caminho dos tropeiros indo rumo a Cuité, levando junto a comitiva dois presos. O soldado esmiuçou o coração da Penha. Ao ficar sabendo de tamanha estripulia, o Cacique sentenciou a indiazinha à morte, por flecha e fogo e marcou a data do sacrifício para uma sexta-feira de lua nova. O anúncio da morte fez a indiazinha tremer, soando aos seus ouvidos como rugido de um leão faminto e enfurecido... desde então, passou a sentir ânsias da morte e gosto de sangue na boca. Como não teve coragem na época de acompanhar o soldado Constantino fugiu antes da hora marcada para ela morrer.

Durante a madrugada, de véspera à marca de sua morte, a indiazinha escapou desatando o nó de cipó que a amarrava e rumou em direção ao topo da grande Pedra caminhando desesperada na noite escura. Não existia estrada nem trios e a mocinha, fazendo picada do jeito que dava, subia igual onça pintada até varar no alto, no cume da montanha - onde, por longos anos, fez sua misteriosa morada.

Muito tempo depois (...) Numa noite duvidosa, a tropa do sargento Reis por aquela província passava, (hoje Entre Folhas) e por ali se arrancharam, onde que, durante o pernoitar, uma cobra das grandes os visitou. A cobra saiu do meio das folhas num Corguinho que ali passava e só foi espantada porque Benedito, um dos presos, com um tição de fogo na mão, acendendo um cigarro, viu a bicha de longe e lhe atirou o burrai. A cobra saiu doida dando rabanadas, quebrando mato rio abaixo e sumiu. Os tropeiros, com o flagelo, despertaram-se do sono que apertava e naquela noite, cochilar, ninguém mais cochilou.

Deitados nas mantas e pelêgos dos arreios, proseando -pitando, soltavam fumaça torcendo para que a alvorada logo logo butucasse... Até que, num silencio mais profundo, Constantino escuta o som de um assobiado e se arrepia, no entanto, de nada sabia, pois a noite era mesmo sombria. O som vinha de longe, vindo das bandas da Penha... um batido de tambor obedecia o compasso da melodia. Musica triste, de mulher apaixonada e solitária... Isso, a todos incomodou. Despertou ainda mais o Sargento Reis e, nos demais causou baita curiosidade. Queriam saber sobre o batido que, hora forte, hora suave, insistia a clamar como um choro. Sargento Reis deu ordem aos companheiros pra arriar a animalada, pois iam por -pé na estrada rumo ao alto do penhasco. Alguns se assustaram com tamanha intrepidez, outros gostaram, pois, mesmo assombrados lhes coçavam os cotovelos. Equipe de captura, homens dispostos, e bem armados! Montarias preparadas saíram para uma nova jornada. Juntos foram os presos, conduzidos. Montado em seus animais, foram até a metade do trajeto.

Apearam, amarraram a tropa e continuaram subindo a pé, abrindo clareira no cutelo e machado. Quanto mais iam se aproximando do alto mais baixinho o batido do tambor ficava. Andaram toda madrugada, chegando ao cume da pedreira com sol alto. – Suor que dava para rapar com rodo escorriam testa abaixo, e suspiros profundo vindo de dentro, do ventre, soava agitado: Uuufa...

- Valeu a pena! - Sentimento único, pois a surpresa foi tamanha. Depararam com um jardim esplendoroso sobre o lajedo de pedra bruta, forrado por uma ramagem verdinha, repleto das mais diversificadas espécies de flores: Tulipas, lírios, girassóis e rosas, tudo muito bem cuidado, o que deixou todos admirados.

Ficaram ainda mais atônitos, quando o preso Benedito reconheceu aquela que de cabeça erguida os recepcionou:

- É ela, é a cobra qui visitô nóis nu pôso!!! - Falou assustado com olhos esbugalhados arredando de banda, procurando se esconder.

Sargento Reis, cabra decidido, apoiou a carabina na ponta dum tôco e puxou a cabeça da peçonhenta na mira da relépa... Mas, foi impedido por Constantino que conseguiu enxergar, dentro do “zói” daquela serpente, a tal indiazinha que um dia desconcertou seu coração. A cobra não correu. Constantino via a indiazinha, já os demais viam uma cobra. Até, que de mansinho ela foi saindo no meio dos canteiros das hortênsias, deslizando entre as ramagens... e um silêncio se fez. Todos de boca aberta ficaram.

Passava das duas da tarde e, como aumentava a curiosidade, resolveram esperar o destampar da outra noite. Encantados com a beleza passearam entre o Jardim, pasmos indagavam uns aos outros sobre a grande proeza encontrada por ali... Como aquelas plantinhas sobreviviam naquele lajedão? Se questionavam, sem saber que a maior surpresa ainda estava por vir.

Um pouco mais à frente uma aguazinha descia molhando de leve a jardinagem... acompanharam o reguinho e logo toparam com aquilo que sobremaneira impressionou a todos.

- Um milagre! Assim, consideraram.

É que, da fenda de uma pedra um pouco mais suspensa, brotava uma água cristalina que corria regando aquele lugar... Todos beberam faustosos do frescor e saciaram a sede que começava a apertar. Maravilhados ao ver que saía água da rocha bruta, davam risadas, porém, sem esconder o temor.

- De onde vinha? - se questionavam.

A noite escura não demorou declinar, e, pouquinho antes da meia-noite, mais uma demonstração do sobrenatural veio aparecer... Alguns batuquezinhos vindo do outro lado, sentido Passa Dez, da banda de lá do Jardim deixou todos ainda mais antenados: Penh, penh... puul, puul... proc, proc... penh!!!.

Agenor, o outro preso, pensou que fosse barulho de sapo.

Mas, ali na pedra não! Concluíram.

O som acompanhado por uma voz de mulher, tipo canto de sereia, mudou a impressão, mas persistia a apreensão e suspeitas... Caminharam de manso em direção ao tinido que soava em vibrações, abrindo folhas e galhos de árvores com cuidado até que viram a cobra de cabeça alta, dançando e assobiando em tom melodioso batia com o rabo numa pedra de onde emanava som semelhante a um batido de tambor - todos enfeitiçados viram a cobra - menos Constantino que via a indiazinha. Ela declamava versos que contava sua historia desde o encontro que teve com o seu amor, a fuga, a solidão e a saudade da sua maior paixão.

“ De madrugada, o

nó do cipó desatei

Da tribo,

fogo e morte escapei...

Fugindo, subindo e pedindo:

Oh! volta logo

Meu cacique Constantino!!! “

Sargento Reis e seus companheiros atraídos e hipnotizados pelo canto e “zói” da cobra caíram num profundo sono e, quando acordaram, não encontraram nem Constantino e nem a serpente... Depois de procurarem em todo o entorno da pedra desistiram e foram embora deixando para trás o amigo que, por ali, fez morada com a tal indiazinha.

Na época os Botocudos movimentavam grande garimpo na região do então Córrego dos Pedrosas. Constantino e a indiazinha sabiam da extração de pedras preciosas que por ali havia, aproveitavam a calada da noite e subtraiam sacos de ouro que eram levados e escondidos nas locas e fendas da Pedra da Penha. Isso, anos depois, tornou a Penha muito conhecida e visitada por pessoas vindas até de outros estados do Brasil.

Há quem acredite que, as muitas vezes que Sargento Reis ali voltou, não foi em busca do soldado que havia ficado para trás, coisa nenhuma, mas, sim, atrás do ouro; e que, o povo bravo daquela região são os descendentes do tal soldado e da indiazinha. As ossadas e apetrechos que caçadores afirmam terem encontrado nas proximidades da Penha, podem ser mesmo de aventureiros que buscavam os muitos tesouros escondidos na Penha... Resto de vidas mal vividas que viveram ambiciosamente atrás de fortuna.

Desta ocasião pra cá, passei acreditar que cobra atrai mesmo gente!

- A Penha tragou Constantino.

Mandruvachá
Enviado por Mandruvachá em 20/09/2013
Reeditado em 07/05/2015
Código do texto: T4490443
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